Por Thiago Cortês
O
bom e velho Christopher Hitchens já advertia os encrenqueiros de
plantão: para desafiar o consenso você deve estar disposto a ser chato.
Muito chato mesmo.
É preciso desenvolver a capacidade de voltar,
sempre que necessário, aos temas e personagens já repisados. Em um
esforço supra-humano, volto a falar em Ariovaldo Ramos e tudo aquilo que
os leitores do Gospel Prime talvez já estejam cansados de ler sobre
ele.
Volto ao tema porque a comparação que apresento aqui talvez
seja esclarecedora. Todos estão cansados de saber do apoio de Ariovaldo
ao chavismo. Vocês já leram aqui que o pastor brasileiro foi à Venezuela
para, pessoalmente, oferecer seu apoio ao ditador Hugo Chávez.
Recentemente
o sucessor de Chávez, o também ditador Nicolás Maduro, iniciou uma
forte repressão a todos os cidadãos venezuelanos que discordam do seu
governo. Centenas foram presos, dezenas foram mortos e outros tantos
permanecem desaparecidos.
Como vocês já estão fartos de saber,
Ariovaldo Ramos emudeceu diante do caos venezuelano. Fosse lá um
direitista no poder tenho certeza de que o bondoso pastor estaria neste
momento divulgando abaixo-assinados, escrevendo cartas e artigos em
protesto.
Felizmente nem todas as figuras públicas são guiadas
exclusivamente por paixões ideológicas. De vez em quando somos
surpreendidos pela honestidade intelectual e a integridade moral de
alguém é capaz de colocar a verdade acima das suas próprias
preferências.
O ator Kevin Spacey, duas vezes vencedor do Oscar, é conhecido em Hollywood por suas posturas políticas de esquerda. Tal como Ariovaldo Ramos, Spacey entende que a igualdade social é o valor máximo em política.
Da
mesma forma que Ariovaldo Ramos, o famoso ator usa o reconhecimento
público que conquistou para apoiar causas e ideias típicas da esquerda
socialista.
E, assim como Ariovaldo, Kevin Spacey já esteve na Venezuela para
prestar tributo a Hugo Chávez. Na ocasião, ele esteve acompanhado de
Sean Penn e Danny Glover, outros esquerdistas famosos que costumam
louvar Fidel Castro e Che Guevara.
Mas aqui se encerram as comparações entre o pastor e o ator.
Porque,
ao contrário de Ariovaldo, Kevin Spacey teve a coragem de repensar seu
apoio ao regime venezuelano tão logo surgiram evidências de abusos
contra os manifestantes.
Quando soube dos estudantes presos e dos
manifestantes assassinados pelo ditador Nicolás Maduro, Kevin Spacey se
sentiu compelido a retirar publicamente seu apoio ao regime – Freud
dizia que a voz da Razão é baixa, mas persistente.
Em uma carta aberta dirigida ao povo venezuelano,
o ator de Hollywood condenou a violência das forças policiais do País e
manifestou sua solidariedade a todos que estão nas ruas de Caracas e no
resto da Venezuela lutando por sua liberdade:
Os manifestantes, em sua maioria estudantes, se levantaram para lutar por liberdades humanas básicas, e o fazem usando o seu direito de protestar, que é um direito sagrado em qualquer lugar, não importa se você vive em Boston, Belarus, ou Venezuela. O governo da Venezuela, no entanto, optou por responder a estes protestos pacíficos com repressão pesada.
O
famoso ator expressou seu “apoio a todos os venezuelanos que
pacificamente e sem violência” reivindicam seus direitos e lhes pediu
que “não se deem por vencidos nem fiquem insensíveis às violações e aos
abusos cometidos contra eles”.
Em um trecho que parece ter sido escrito diretamente para Ariovaldo Ramos, Spacey diz:
Os que têm a sorte de viver em liberdade devem se levantar diante da opressão e da injustiça e lembrar ao povo da Venezuela que ele está do lado certo da história
O pastor Ariovaldo não se levantou para denunciar a opressão que se abate contra o povo venezuelano – mesmo com tantas notícias sobre cristãos acuados pelo regime chavista.
Kevin
Spacey fez mais pelos cristãos da Venezuela do que o pastor brasileiro.
Isso porque o ator aceitou o embaraço de corrigir sua percepção diante
dos fatos, algo que Ariovaldo parece nunca estar disposto a fazer: ele
parece preferir se guiar exclusivamente pelas paixões ideológicas.
Na verdade, não há embaraço no que fez Kevin Spacey. É um gesto nobre e corajoso.
Não
se enganem: foi extremamente difícil para o ator famoso milionário
rever sua postura: Hollywood representa a maior concentração de
esquerdistas da América. Lá você pode perder seu trabalho se parecer
conservador demais. Aliás, mesmo grandes cineastas perderam o Oscar por
desafiar os dogmas da esquerda – já aconteceu com Clint Eastwood.
Imagino
que o radical Sean Pean deve ter se magoado com o amigo. “Ele não é
mais um dos nossos”, deve ter pensado. Não tenho dúvidas de que Spacey
vai perder algumas oportunidades e muita grana por causa de sua postura
crítica diante do ídolos ditadores dos amigos.
Mas ele fez a coisa certa. E isso lhe basta. Fiat Justitia Pereat Mundus. O antigo ditado latino aconselha: “Faça a justiça, ainda que o mundo pereça”.
Ariovaldo
não tem sido justo a respeito da Venezuela. Ele certamente teme a
reação de seus camaradas, especialmente Gilberto Carvalho – conhecido
por sua hostilidade a liberdade de pensamento que ainda resiste na
imprensa.
É uma pena. Dizer a verdade deveria ser o primeiro dever moral de todo cristão.
George
Orwell, que era de esquerda, mas radicalmente independente, sentia
repugnância diante dos intelectuais orgânicos de sua época, porque eles
eram incapazes de considerar os fatos e aceitar a verdade, mesmo que ela
fosse bastante desagradável.
Certa vez, o jornalista britânico
lapidou: “A principal responsabilidade de um intelectual reside em dizer
o que as pessoas não querem ouvir”.
Kevin Spacey fez isso. Ele
lembrou ao regime chavista, hoje comandado por Maduro, que mesmo que sua
ideologia seja supostamente bela e nobre, existem direitos e valores
que se sobrepõem a qualquer ideologia. E há obrigações que todo governo
deve acatar:
A Anistia Internacional declarou que as acusações
contra o oposicionista Lopez são ‘tentativas de silenciar a
dissidência’. A Human Rights Watch diz que “o governo venezuelano tem
abraçado abertamente as táticas clássicas de um regime autoritário:
prender os seus opositores, amordaçar os meios de comunicação e
intimidar a sociedade civil”
Quando se trata de criticar a Política Militar de São Paulo,
Ariovaldo Ramos lembra da obrigação dos governantes respeitarem os
direitos humanos. Quando se trata da Venezuela, contudo, Ariovaldo
coloca esse discurso na gaveta. Pesos e Medidas.
Spacey não sofre
dessa bipolaridade moral. Em nome da verdade, por solidariedade a
pessoas de carne e osso lutando por liberdade em Caracas, Kevin Spacey
lembrou ao mundo:
Desde o início da repressão do governo Maduro mais de 1.400 estudantes foram presos, e houve mais de 40 casos confirmados de tortura. O próprio Leopoldo Lopez foi preso, e ainda está sentado em uma prisão militar venezuelana
Uma
das coisas mais interessantes a respeito do pastor Ariovaldo é o fato
de que ele sai por aí dando pontificadas a respeito de tudo, desde a
Venezuela até a prisão de Sininho, mas depois ignora qualquer chamada à responsabilidade pelo conteúdo do que diz.
Kevin
Spacey não abandonou seu esquerdismo. Ele apenas foi chamado à
consciência pelos fatos e adotou uma visão mais crítica de sua própria
ideologia.
Fica aqui o exemplo do ator para o pastor: verdade,
justiça e solidariedade são valores que estão acima das ideologias e
preferências partidárias.
* As opiniões expressas nos textos publicados são de exclusiva responsabilidade dos respectivos autores
e não refletem, necessariamente, a opinião do Gospel Prime.
e não refletem, necessariamente, a opinião do Gospel Prime.
http://artigos.gospelprime.com.br/coragem-ator-covardia-pastor/

