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A vitória da
seleção na Copa será decisiva para a percepção dos brasileiros sobre as
vantagens de terem sediado um Mundial. Porém, dificilmente haverá um
legado.
Essa é a avaliação do cientista político Jules Boykoff, professor da
Pacific University, nos EUA, e estudioso do impacto das Copas e da
Olimpíadas nos países-sede.
O pesquisador, que já jogou como meio-campo da seleção olímpica
norte-americana, é autor de livros como "Capitalismo de Celebração e os
Jogos Olímpicos" (2013).
"Se a seleção ganhar, todo mundo encarará a Copa como um sucesso. Mas
isso representar receita ou legado de obras, Copas anteriores mostram
que é muito difícil", diz Boykoff, que também é colunista do
"Guardian".
Segundo ele, uma eventual derrota do Brasil causaria um "desânimo
generalizado", podendo trazer de volta os protestos enfraquecidos pelo
clima de festa e pela "brutalidade da polícia".
Leia a entrevista a seguir.
Você vem estudando o legado das Copas e das Olimpíadas ao redor do mundo. O que podemos esperar do pós-Copa no Brasil?
Em outros lugares, o legado tem sido decepcionante. Mas depende muito do
país. Por exemplo, em Vancouver, para os Jogos de Inverno de 2010,
conseguiram construir uma ferrovia do aeroporto para o centro, o que é
visto como um legado muito positivo. Mas a África do Sul, que sediou a
Copa em 2010, construiu um monte de estádios que são muito pouco usados
hoje.
No Brasil, não estou muito otimista. É só olhar o estádio caro que
construíram em Manaus [cerca de R$ 670 milhões] e que dificilmente será
usado com a capacidade máxima. Além disso, muitos projetos nem saíram do
papel. É isso o que normalmente acontece nos megaeventos –é um sufoco
para terminar de construir os estádios, enquanto outros projetos
essenciais de infraestrutura são simplesmente adiados.
O que é o "capitalismo de celebração" dos megaeventos?
Celebração é um estado de exceção, em que regras normais são suspensas, e
a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos são celebrações. O que ocorre
durante esse período é que o público paga enormes quantias para realizar
os eventos, e as empresas é que saem com os lucros. Ou seja, o dinheiro
do contribuinte é direcionado para esses eventos e, depois, os
políticos afirmam que é necessário apertar os cintos, implementar
medidas de austeridade, cortar programas, porque todo aquele dinheiro
foi gasto.
Havia uma expectativa de que a Copa no Brasil seria um fracasso, com
estádios inacabados, aeroportos caóticos e grandes protestos. Fomos
pessimistas demais?
Nas vésperas de megaeventos, as pessoas entram em pânico em relação à
infraestrutura, isso é um padrão. Mas, na questão dos aeroportos, é
importante se lembrar do fator "espanta-turistas".
Economistas já detectaram que uma boa parcela dos turistas deixa de ir
para os países-sede por causa dos preços inflacionados e do medo de que
haverá muita gente. Muitos preferem tirar férias no Rio em uma época em
que não haja milhares de torcedores estrangeiros bêbados. Portanto, se
tivéssemos o fluxo normal de viajantes mais o turismo da Copa, aí sim
poderíamos ter tido problemas.
E os protestos? Por que não foram tão grandes?
Os protestos habitualmente ocorrem com mais força antes dos eventos. Os
manifestantes têm uma tarefa difícil, porque, por um lado, o mundo todo
está assistindo e é uma boa oportunidade [para protestar]. Por outro, é
fácil o governo ou a mídia retratá-los como "estraga-prazeres".
No Brasil, chamou a atenção a brutalidade da polícia ao lidar com
manifestantes, o que certamente dissuadiu muitos, principalmente da
classe média, de participarem. Mas há um fator mais cultural: o que vai
acontecer se o Brasil for eliminado? Aí a contradição vai ficar mais
evidente –as pessoas no Brasil vão se sentir pagando uma festa para
outros países, vai haver um desânimo generalizado que pode abrir as
portas para a volta dos protestos.
O Brasil ganhará com a Copa?
Há certos grupos que se beneficiam temporariamente, como empresas de
construção –especialmente as bem conectadas–, especuladores imobiliários
e turistas, que vão para se divertir. Mas não devemos esperar que
moradores das cidades ganhem dinheiro ou obras muito úteis.
Mas também não podemos ignorar o fato de que sediar a Copa do Mundo é
muito divertido, une as pessoas, e daí vêm os ganhos intangíveis, como o
chamado "fator bem-estar". Mas, sem colocar ainda mais pressão sobre a
seleção brasileira, muito vai depender do desempenho na Copa. Se ganhar,
todo mundo encarará a Copa como um sucesso. Mas isso representar
receita ou legado de obras úteis, Copas anteriores mostram que é muito
difícil.
Patrícia Campos Mello
Folha de S. Paulo
Editado por Folha Política