Entenda por que a produtividade no Brasil não cresce

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Produtividade não depende apenas do empenho e capacidade do trabalhador

Nos últimos anos, as empresas brasileiras aumentaram sua produção contratando mais gente. Agora que os índices de desemprego estão em patamares historicamente baixos, há certo consenso entre especialistas, empresários e integrantes do governo de que, para a economia voltar a crescer em ritmo acelerado, é preciso aumentar a produtividade do trabalhador brasileiro.
O que é produtividade?
Fernanda de Negri explica que produtividade é um conceito residual: trata-se de todo efeito sobre a produção que não pode ser explicado olhando-se para o aumento do número de trabalhadores (no caso do índice Produtividade do Trabalho) ou de trabalhadores e máquinas (no da Produtividade Total dos Fatores).

Simplificando, se uma empresa produz 100 sapatos em um mês e no seguinte consegue produzir 200 sem comprar novas máquinas nem contratar novos trabalhadores (ou pedir que seus funcionários façam horas-extras), teve um ganho de eficiência ou de "produtividade".

Pode ser porque os trabalhadores aprenderam a operar melhor suas máquinas. Ou porque houve uma simplificação burocrática no país em questão, que permitiu a empresa reformular seu quadro de pessoal, aumentando a proporção dos que trabalham diretamente na produção.

O fato de que vários fatores podem afetar a produtividade faz com que também sejam muitas as teses sobre como melhorar esse indicador.

"Pela primeira vez na nossa história falta mão de obra - o que nos obriga a aproveitar nossos trabalhadores de forma mais eficiente", diz Hélio Zylberstajn, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP), explicando por que a "produtividade" virou a bola da vez do debate econômico.

"Até os anos 80, os índices de produtividade brasileiros cresceram relativamente rápido em função de uma mudança estrutural da economia", diz Fernanda de Negri, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). A população migrou para as cidades e começou a engrossar as fileiras de trabalhadores da indústria e serviços – setores cuja produtividade costuma ser maior que a do setor rural.

"A China está vivendo um processo semelhante, por isso, para eles é mais fácil aumentar a produtividade de sua economia enquanto para nós, que precisamos melhorar a performance dentro de cada setor, é mais difícil", acredita.

Dados da entidade americana de pesquisas Conference Board mostram que os funcionários de empresas brasileiras produziram em 2013 uma média de US$ 10,8 por hora trabalhada.

Trata-se da menor média entre países latino-americanos.

A chilena foi de US$ 20,8, a mexicana, de US$ 16,8, e a argentina, de US$ 13,9.



Empresas grandes têm de empregar centenas de funcionários só para pagar impostos

Além disso, a mesma entidade registrou um crescimento no índice de produtividade brasileiro de apenas 0,8% no ano passado, após uma queda de 0,4% em 2012.

Para se ter uma base de comparação, o índice chinês teve alta de 7,1%.

Produtividade do trabalho é um indicador que dá a medida da eficiência do trabalho em cada lugar.

Simplificando bastante, poderíamos dizer, por exemplo, que se no Brasil cada trabalhador produz 100 sapatos por mês e nos Estados Unidos, cada um produz 200, a produtividade no setor calçadista americano é o dobro da brasileira – embora na prática a questão seja muito mais complexa (leia quadros ao lado).

Então porque um trabalhador no Brasil produz menos que um nos Estados Unidos, no Chile, Coreia do Sul ou Espanha?

Estamos tomando cafezinho demais, ignorando prazos para entrega de resultados e trocando muita figurinha da Copa do Mundo na hora do trabalho?


Como se calcula produtividade



Há diversas formas de se calcular a produtividade de um país. Para começar é preciso diferenciar a Produtividade do Trabalho (PT) da Produtividade Total dos Fatores (PTF).

A primeira dá a medida da eficiência do trabalho. A segunda, de todos os fatores de produção - o que inclui, além do trabalho, os bens de capital (máquinas e equipamentos). Com isso pode-se diferenciar, em um aumento de produção, o que se deve a ganhos de eficiência e o que ocorre, por exemplo, por causa da compra de uma máquina.

Em geral, a produtividade do trabalho é calculada dividindo-se o PIB pela quantidade de pessoas ocupadas ou o total de horas trabalhadas (o que contabiliza os efeitos das horas extras). Já na PTF divide-se o PIB pelo resultado de uma função matemática que pondera o estoque de capital e a quantidade de trabalho.

A verdade é que as causas do baixo crescimento da produtividade no Brasil ainda são tema de um amplo debate.

A revista britânica Economist, por exemplo, causou polêmica no mês passado ao sugerir que o problema poderia ser atribuído também a fatores culturais.

"Poucas culturas oferecem uma receita melhor para curtir a vida", afirmou a publicação, citando um empresário estrangeiro que teria tido dificuldade para contratar profissionais comprometidos com o trabalho no Brasil.

Para o economista da Unicamp, Célio Hiratuka, a tese é "simplista e talvez até um pouco preconceituosa".

"Em termos de cultura gerencial, o Brasil não é tão diferente de outros países que têm produtividade mais elevada", opina.

De Negri concorda que as causas do problema são muito mais complexas. "A produtividade do trabalho não depende só da capacidade ou empenho do trabalhador", diz.

"Uma empresa que adquire máquinas mais modernas produzirá mais com o mesmo número de funcionários. Outra que precisa alocar muitos empregados para pagar impostos ou resolver questões burocráticas, será menos produtiva."

Para entender o que existe de relativo consenso sobre as causas do baixo crescimento da produtividade no Brasil a BBC entrevistou especialistas de diversas linhas teóricas. O resultado dessa enquete são os quatro fatores, listados abaixo. Confira:
Educação
Tecnologia e inovação
Burocracia e infraestrutura
Competição externa



É consenso que trabalhadores mais qualificados têm condições de produzir mais e melhor. E que investir em qualificação ajuda a garantir profissionais para uma produção de maior valor agregado.

Até aí, nenhuma novidade.

A questão é que, nos últimos anos, o Brasil avançou no que diz respeito a escolaridade da população sem que isso se refletisse em seus índices de produtividade.

"Na última década tivemos um aumento de dois anos na média de estudo dos trabalhadores formais, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados)", diz De Negri.

"Trata-se de um aumento importante no estoque de conhecimento - por isso, é uma surpresa que os índices de produtividade não tenham respondido a isso."

Especialistas explicam tal descompasso com duas hipóteses.

A primeira estaria ligada à questão da qualidade da educação no país. O fato de quase 40% dos universitários brasileiros serem analfabetos funcionais (segundo o Instituto Paulo Montenegro) dá a medida do desafio que o Brasil tem pela frente nessa área.

A segunda hipótese se refere à suposta falta de alinhamento entre os conhecimentos que as escolas e universidades transmitem e o que as empresas precisam para produzir mais - problema que os economista definem como "brecha de habilidades".

Nessa linha, são muitos os que apontam a necessidade de mais cursos técnicos no país.

"No Brasil e em outros países da América Latina há um estigma em relação ao ensino técnico que precisa ser quebrado", diz Carmen Pagés, especialista em mercado de trabalho do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento (BID).

"O governo até está se esforçando para expandir as vagas no ensino técnico por meio do Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), mas mais uma vez precisamos de uma avaliação séria desse programa para entender se o que é ensinado corresponde ao que as empresas precisam", diz Zylberstajn, que também defende a criação de esquemas de treinamento nas empresas. 

BBC

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