Imagem: Reprodução / Redes Sociais |
A sensação de
revolta e de insatisfação começa a superar uma paixão nacional. Num
movimento quase inédito, o brasileiro está deixando o amor pelo futebol
de lado para lutar por conquistas sociais. Nas rodas de amigos, a
discussão futebolística tem dado espaço aos debates políticos numa clara
mudança de comportamento. Pesquisa revelada pelo Ipsos Media CT — área
especializada em mídia e tecnologia— reforça o desinteresse de
brasileiros na Copa do Mundo: 32% da população do interior de São Paulo,
a região com maior índice de abnegação, não querem saber do evento.
O
descontentamento com o campeonato no país segue quase que generalizado.
Belo Horizonte e Vitória aparecem em seguida, com 31% de
desinteressados, cada uma; Curitiba, com 30%, e São Paulo, com 29%. “Com
tantas manifestações acontecendo às vésperas da Copa do Mundo, o
brasileiro fica desmotivado com o campeonato”, analisou o diretor de
contas da Ipsos Media CT, Diego Oliveira. As cidades que demostraram
maior interesse no Mundial são Fortaleza e Salvador, com 24%. A capital
cearense também foi considerada a cidade que mais acredita na vitória do
Brasil nesta Copa com 54%, seguida por Brasília (49%), Salvador (49%) e
Goiânia (48%).
Especialistas
ouvidos pelo Correio relacionam a rejeição ao Mundial à decepção com
promessas descumpridas por políticos anos antes da Copa. “Quando se
coloca um estádio de futebol enorme numa cidade onde o sistema de saúde
não consegue atender a população e você não tem médico nos hospitais,
nasce uma indignação e um sentimento de revolta na população”, analisou o
presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos, Carlos
Manhanelli. “O pessoal está sendo tratado como gado, mas está mostrando
que não é bem assim, que não vai aceitar isso”, disse o especialista.
“Há sete anos,
quando o Lula (ex-presidente) trouxe a Copa para o Brasil, queria
transformar o evento num cartão de visita do país para o mundo. Mas quem
pagaria por isso? Os custos estão sendo altos e quem paga é o povo”,
frisou o sociólogo Marcelo Barra, da Universidade de Brasília. Outra
pesquisa também divulgada neste mês demostra que o pessimismo dos
brasileiros com o Mundial está ligado à ausência do tão prometido
legado. Dados do Instituto QualiBest, coletados entre 17 e 24 de abril,
revelam que 67% dos entrevistados concordam que, em vez de deixar um
“legado”, a Copa deixará um “ônus”.
Segundo o
cientista político Leonardo Barreto, a competição aqui está muito mais
politizada do que na África do Sul, em 2010, ou na Alemanha, em 2006.
“Não me lembro de presenciar problemas tão profundos em outros locais. E
essa politização não é partidária, é espontânea, não é claramente
organizada por organizações sociais de candidatos. São manifestações
associadas à insatisfação com o dito legado mais prometido que entregue.
E por mais que tenham sido entregues obras, há o questionamento se
seriam prioritárias.”
Redes sociais
Ferramentas
importantes na mobilização de manifestantes para as ruas, as redes
sociais ajudaram a fortalecer os movimentos contrários ao Mundial. Num
simples clique, pessoas com ideologias afins se encontram e combinam
protestos. As manifestações de junho do ano passado ganharam força após a
maciça divulgação nos sites de relacionamento. “É uma ferramenta que
acaba convocando adeptos, agrupando para uma participação social nas
ruas. Costumo dizer que a internet serve para encontrar as pessoas que
estão pensando como você. A televisão vende, mas a internet você compra.
Você entra para procurar o que você quer, uma ferramenta de busca”,
explicou.
Nessa
unificação, uma onda contrária se unificou na hashtag #nãovaitercopa. Só
ontem, o comando recebeu 1,5 mil citações: 478 tuítes originados, 883
retuítes e 139 mensagens postadas. No auge das postagens, por volta da
meia-noite a citação contra a Copa apareceu 206 vezes. O número é maior
que a campanha #vaitercopa, criada por otimistas para reforçar que a
realização do evento mesmo com pouca torcida. Às 7h de ontem, pico das
mensagens, foram registradas 192 postagens positivas naquela hora.
Paralelamente à
discussão se vai ou não ter o Mundial, críticas às declarações do
ex-jogador Ronaldo Fenômeno — que se considerou envergonhado com os
atrasos nas obras da Copa — superaram as postagens. Das 7h às 9h de
ontem, foram disparados 1,2 mil posts #tenhovergonhadoronaldo. Em uma só
hora, foram registradas 398 mensagens no Twitter.
Naira Trindade
Correio Braziliense
Editado por Folha Política