A mente sujeita a uma rotina, seja a rotina que for, de um rito, ou a rotina de um certo dogma, já se está deteriorando, não é verdade?
Por certo, vale muito mais a pena descobrir as causas determinantes da deterioração da mente, do que inquirir por que razão o vosso vizinho se desintegra, quando se retira das atividades. Se pudermos realmente compreender só esta questão, talvez venhamos a conhecer a eternidade da mente.
Por que se deteriora a mente — não apenas a vossa, mas a mente do homem? Pode-se ver que o fator da deterioração surge quando a mente se transforma em máquina de hábito, quando a sua educação é mero exercício de memória, e quando se acha numa luta incessante, procurando ajustar-se a um padrão imposto de fora ou criado por ela própria.
Há medo, deterioração, destruição da mente, quando ela está constantemente a buscar segurança, ou quando onerada do desejo de preencher-se.
E tal é o nosso estado, não é verdade? Ou estamos na sujeição do hábito, da rotina, fazendo a mesma coisa sempre e sempre, exercitando-nos na virtude, ajustando-nos ao padrão de uma disciplina, para chegarmos a um certo resultado, para encontrarmos segurança psicológica ou material; ou, ainda, estamos a competir, a fazer esforços inauditos, na nossa ambição de sucesso mundano.
Certo, é isso o que cada um de nós está fazendo, e, por conseguinte, já pusemos em funcionamento o mecanismo da deterioração. Se qualquer dessas reações existe em nós, em qualquer nível que seja, estamo-nos deteriorando.
Pois bem. Pode a mente renovar-se com freqüência? Pode a mente ser criadora momento por momento?
Não me refiro à criação compreendida como mera atividade de planear e expressar, compreendida como capacidade ou aplicação de uma técnica. Não me estou referindo à criação sob nenhum desses aspectos. Mas pode a mente experimentar o desconhecido? Sem dúvida, só no estado de não cognoscibilidade não há deterioração.
Qualquer outro estado acarretará, por força, o envelhecer da mente. Como qualquer mecanismo posto a funcionar seguidamente durante dias, semanas, meses e anos, a mente, sempre em atividade, se deteriora, inevitavelmente.
Enquanto fizerdes uso da vossa mente como se fosse máquina, para realizar, produzir, ganhar, tendes em vós as sementes da deterioração, da velhice e da decrepitude. E quer se trate de um menino de dezesseis anos ou de um velho de sessenta, o “processo” é o mesmo.
Nós, porém, em geral, não estamos cônscios desse processo de deterioração. Estamos cônscios, apenas, de nos acharmos entre as rodagens da máquina de prazeres e dores e sofrimentos, e da nossa luta para sairmos dela.
A mente, pois, nunca está quieta, despreocupada; sempre se acha envolvida com alguma coisa: com Deus, com o comunismo, com o capitalismo, com o enriquecer, com a opinião dos outros ou... com a cozinha. Com quantas coisas anda ela ocupada! Como está constantemente ocupada, nunca é livre, jamais tranqüila.
Só a mente que está tranqüila — não por estar insensibilizada, mas por encontrar-se naquele estado de silêncio que é criador — só essa mente pode sustar a deterioração.
A imunidade à deterioração não é possível à mente que se preenche pelo exercício de capacidades. A medida que nos tornamos mais idosos, a capacidade se embota. Podeis ser um pianista exímio; com o envelhecer, porém, vem o reumatismo, vêm os achaques, vem a cegueira, ou podeis ser vitimado por um acidente.
A mente que anda à procura de preenchimento, em qualquer sentido, em qualquer nível, já contém em si a semente da destruição. E o “eu” que quer preencher-se, quer tornar-se alguma coisa; vendo-se vazio, frustrado, busca o “eu” preenchimento em minha família, meu filho, minha propriedade, minha idéia, minha experiência.
Quando reconhecemos tudo isso e percebemos-lhe os perigos, só então a mente pode estar vazia momento por momento, dia por dia, não embargada pela carga do passado ou pelo temor do futuro.
O viver naquele momento não é nenhuma coisa fantástica, só concedida a uns poucos. Afinal de contas, como disse, cada um de nós vive num mundo de sofrimento, luta, dor, efêmera alegria, e cada um de nós deve encontrar aquela coisa desconhecida; ela não foi reservada só para um e negada aos demais. É juntos que podemos criar um mundo novo; mas este mundo novo não pode nascer da revolução exterior, que produz decomposição.
A mente se deteriora quando busca um fim, quando se submete à autoridade, nascida do temor. Há um definhar-se da mente, quando não há autoconhecimento, e o autoconhecimento não é uma coisa que se possa aprender de um livro. Ele tem de ser descoberto a cada momento, o que requer uma mente vigilante em extremo; e a mente não está vigilante quando achou um fim.
Assim, o fator que acarreta a deterioração se encontra em nossas próprias mãos. A mente, presa à experiência, vivendo da experiência, nunca encontrará o incognoscível. O incognoscível só pode manifestar-se quando o passado já não existe; e só não existe passado, quando a mente está tranqüila.
Krishnamurti – Percepção Criadora – Ed. Ediouro
http://www.cuidardoser.com.br/sobre-a-deterioracao-da-mente.htm