O uso indiscriminado e abusivo de certos medicamentos pode intoxicar o corpo e levar à falência de órgãos vitais, como
o fÃgado. Artigo da CH de abril discute o problema da automedicação,
que responde por várias internações e mortes em todo o mundo.
Por: Pedro Elias Marques, André Gustavo Oliveira e Gustavo Batista Menezes
Publicado em 09/04/2013
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Atualizado em 09/04/2013
Substâncias que deveriam tratar ou trazer alÃvio, quando
ingeridas em excesso, podem causar graves danos ao fÃgado, órgão onde
elas são processadas. (foto: Alaa Hamed/ Sxc.hu)
Os relatos escritos mais antigos dessas práticas médicas têm mais de 3,5 mil anos e estão em documentos do antigo Egito conhecidos como papiros médicos, entre os quais se destacam o papiro de Smith e o papiro Ebers, preservados em museus europeus. Considerados os primeiros tratados médicos, esses papiros serviram de guia para as prescrições por muito tempo.
O número de viciados em medicamentos é maior que o de usuários de cocaÃna, heroÃna e ecstasy somados
Hoje, o panorama é bem diferente: somos constantemente bombardeados
por alternativas de medicamentos para tratar quase todos os problemas
que possamos ter. Embora em todo o mundo sejam adotadas medidas
importantes visando restringir o acesso e conscientizar a população para
os riscos, os medicamentos mais ‘simples’ podem ser adquiridos com extrema facilidade, muitas vezes sem receita médica ou até pela internet.Esses medicamentos de fácil acesso são utilizados para tratar dores de cabeça, resfriados, cólicas, dores musculares e problemas de saúde de menor gravidade. Mas são justamente esses fármacos os protagonistas de um quadro grave: o da automedicação e intoxicação medicamentosa.
O uso abusivo e não supervisionado de medicamentos é responsável por várias internações e mortes por ano em todo o mundo. Em 2010, a Junta Internacional de Fiscalização a Entorpecentes (Jife), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), declarou que o uso abusivo de remédios é um problema mundial, e que o número de viciados em medicamentos é maior que o de usuários de cocaÃna, heroÃna e ecstasy somados.
Os dados são ainda mais preocupantes: o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), agência federal dos Estados Unidos, revelou que triplicou naquele paÃs, de 1990 a 2008, o número de mortes por overdose de analgésicos. No Brasil, para que se tenha uma ideia do volume de remédios consumidos pela população, mais de 92 milhões de comprimidos de aspirina (marca comercial mais famosa do analgésico ácido-acetilsalicÃlico) foram consumidos em 2009. No mundo, são vendidas cerca de 216 milhões de unidades por dia.
Vale lembrar que esses números dizem respeito a apenas um tipo de analgésico, e de uma só marca, mas permitem ter uma noção da quantidade absurda que seria atingida somando-se todos os remédios consumidos rotineiramente, como os que controlam a pressão arterial, os antibióticos, os redutores de colesterol e vários outros.
PrejuÃzos ao fÃgado
Quem ‘paga a conta’ nessa história é o fÃgado. Tudo porque grande parte do que é absorvido pelo sistema gastrointestinal humano – aquilo que comemos e bebemos – é drenado diretamente para o fÃgado pela veia porta, antes mesmo de atingir a circulação geral. Uma vez no fÃgado, o sangue é dirigido para os lóbulos hepáticos, pequenos grupos de células existentes no órgão, fluindo por capilares especializados. Esses minúsculos vasos sanguÃneos facilitam o contato entre a corrente sanguÃnea e os hepatócitos, células com múltiplas funções que compõem em torno de 70% a 80% do tecido hepático.É justamente esse contato Ãntimo entre o sangue e os hepatócitos que permite ao fÃgado desempenhar a que é considerada sua principal função: a biotransformação de toxinas e drogas, para ‘limpar’ o organismo. As células do tecido hepático contêm enorme variedade de enzimas que transformam essas substâncias nocivas em moléculas mais solúveis em água, para facilitar sua inativação e excreção.
A incidência de doenças hepáticas causadas por drogas ou toxinas tem aumentado bastante em vários paÃses, inclusive no Brasil
As funções do fÃgado, porém, vão muito além da desintoxicação do
corpo. Esse órgão pode desempenhar até centenas de funções diferentes, e
a maioria cabe aos hepatócitos. Entre essas funções estão a remoção dos
glóbulos vermelhos envelhecidos da circulação (hemocaterese), o
metabolismo de lipÃdios, carboidratos e proteÃnas, o armazenamento de
vitaminas e alguns sais minerais e a sÃntese de fatores de crescimento
(substâncias que estimulam a proliferação e a diferenciação das células)
e proteÃnas do plasma sanguÃneo (essenciais em muitos processos
orgânicos).Portanto, o fÃgado realiza funções vitais e muito variadas. Não é à toa que doenças que prejudicam esse órgão sejam de grande importância médica. Os diversos tipos de doenças hepáticas podem ser divididos em dois grandes grupos: as de origem infecciosa e as não infecciosas. As do primeiro grupo decorrem da invasão do órgão por vÃrus, bactéria ou outros organismos – são exemplos a hepatite viral ou infecções por protozoários. As do segundo tipo podem se originar de problemas na produção e secreção de bile, de tumores hepáticos ou de drogas e toxinas que atingem o fÃgado.
A incidência de doenças hepáticas causadas por drogas ou toxinas tem aumentado bastante em vários paÃses, inclusive no Brasil, e isso se deve principalmente ao abuso de álcool, de drogas ilÃcitas e até de medicamentos. Como uma das principais funções do fÃgado é a de metabolizar substâncias que ingerimos, ele é um dos órgãos que mais sofrem com esse abuso. O fÃgado pode ser danificado diretamente pelas substâncias nocivas que entram em contato com suas células ou por aquelas geradas por ele ao tentar decompor e neutralizar essas toxinas.
http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2013/302/quando-o-que-cura-passa-a-matar