Até os telefones comerciais não atendem mais as pessoas e substituíram as boas maneiras por uma gravação que fica uma hora, mais ou menos, tocando uma musiquinha insuportável com o atendente pedindo que se espere um momento pra depois desligar na cara da gente.
Bons tempos aqueles em que eu falava com Felini, em pessoa, na Cinecittá, em Roma, sem intermediários, e passeava com ele pelos estúdios. “Aqui, minha filha, é o restaurante”, mostrava-me ele, o braço por cima dos meus ombros, “ ali os camarins”. Uma vez liguei pro George Benson pra falar da Adriana Calcanhotto, e ele retornou a ligação, interessado!
Minha irmã me diz: “para de contar essas coisas que vão te chamar de Princesa Anastácia, que acabou no hospício, como louca”. Tinha uma delicadeza…Esses dias vi Nara Leão, no Canal Brasil, cantando “Com açúcar, com afeto”. Hoje não tem mais açúcar, foi substituído pelo diet, e afeto então, corre-se dele como o diabo da cruz. Também ninguém canta mais com aquela delicadeza que fazia até carcará ficar sutil. O que se vê agora é um bando de mulheres sozinhas, de todas as idades.
Celular só serve mesmo pra ficar fora de área pra pessoa se esconder e mandar o outro deixar recado. Os telefones comerciais deixam o cliente ouvindo uma musiquinha gravada que dura umas 24 horas com uma pessoa dizendo com uma voz delicada: “aguarde um momento, por favor!”.
Antigamente, gente bem educada tinha, não só que retornar o recado assim que chegasse em casa e a empregada entregasse todos os recados que recebeu, escritos numa agenda, sem esquecer nenhum, como também tinha-se que ligar no dia seguinte agradecendo a festa na noite anterior.
Pros rapazes, valia também ligar pra moça que tinha estado na véspera mesmo que fosse pra fazer uma gracinha qualquer, dizendo”Oi, tô aqui!” Agora ninguém tá mais aí pra nada! Isso dos homens ligarem no dia seguinte então, acabou faz tempo! Foi substituído por um: “ a gente se vê”, muito vago, com dois beijinhos, depois de uma suposta noite de paixão, quando a moça ia levar o cara na porta.
Depois virou um beijinho na testa já com o pé no elevador sem texto nenhum, e mais tarde, um gesto que queria dizer “tchau”, de longe, sem beijinho nem texto pra deixar bem claro que não tinha mais gancho pra um próximo capítulo, muito menos pra novela.
Também não havia possibilidade de virar filme por que não montava. Não tinha edição. Faltava sequencia, roteiro, diálogo. Era no máximo, um filme que se gravava na cabeça e ficava voltando toda hora. Hoje em dia acho que as moças vivem um trailer do que poderia ser feito, um flash, uma hipótese.
Outro dia uma amiga jovem concordou em ir pro apartamento do cara, contanto que ele ligasse no dia seguinte. Então ele concordou e ligou no dia seguinte, como prometera,mas quando a moça perguntou:” e quando é que a gente se vê de novo?” ele respondeu: “ah, isso eu não prometi pra você!”
Mas não houve só uma mudança negativa. De positivo há a vantagem de que á partir dos anos 70, dá pra mulher ligar pra homem, coisa inadmissível naquela época longínqua do Sion, quando mulher tinha de ser inatingível, cobiçada de longe, de preferência passando de helicóptero, dando adeus. Isso no tempo em que o auge da transgressão no colégio, era matar aula na Sears e não matar o colega de classe e a professora com uma rajada de metralhadora, na sala.
Mas, cá entre nós, de que vale mulher poder ligar pra homem se eles não respondem as ligações, e elas acabam se agrupando nos restaurantes com os celulares na mesa esperando milagres. Conclui-se então que telefone, celular, e-mail e tudo o que há de mais moderno, serve para as pessoas se protegerem uma das outras, não pra se comunicarem uns com os outros , nessa era da comunicação.
O outro, é uma ameaça constante. Quando perguntei ao filho de uma amiga, por que ele não ficava de novo com a mesma menina da festa, se foi tão bom, ele respondeu: “repeteco não preenche álbum de figurinha”.
(Por Maria Lúcia Dahl, Jornal do Brasil)