“Se as abelhas
desaparecerem da face da Terra, a humanidade terá apenas mais quatro
anos de existência. Sem abelhas não há polinização, não há reprodução da
flora. Sem flora não há animais, e sem animais não haverá raça humana.”
Albert Einstein
Que desde 2009 o Brasil lidera o ranking
dos países que mais consomem veneno no mundo já é de conhecimento de
grande parte da população brasileira. A média nacional é de 7,5 litros
por habitante. No Rio Grande do Sul o consumo estimado é de 8,5 litros
por pessoa.
Dados apontam que o uso sem controle de
agrotóxicos em lavouras, principalmente aplicados pela pulverização
aérea, causa enormes danos para as abelhas. Contrário ao que muitos
pensam, esses produtos químicos e nocivos à saúde humana e ao meio
ambiente também comprometem de forma significativa a produção de mel e
de outros alimentos. O resultado é que colmeias inteiras estão morrendo,
e isso pode afetar toda a população na produção mundial de alimento.
A partir de hoje, publicaremos a série
“Tem veneno no seu mel”, que contém três reportagens que mostram os
efeitos dos agrotóxicos e da soja transgênica na região da Campanha do
Rio Grande do Sul, onde dezenas de apicultores se veem sem alternativas
para combater o avanço do agronegócio em áreas de assentamentos da
reforma agrária. Para esta primeira reportagem, conversamos com alguns
assentados produtores de mel, que contam quando e como começaram a ser
vítimas dos problemas oriundos do modelo de produção do agronegócio.
“Em três horas as abelhas estavam todas mortas”
A morte repentina e em massa, de
abelhas, tem preocupado apicultores assentados da reforma agrária da
região da Campanha. A fatalidade, que se intensificou nos últimos três
anos, mostra que há fortes indícios de estar relacionada ao monocultivo
de soja transgênica e ao uso abusivo de agrotóxicos.
Assentado no município de Hulha Negra,
seu João Carlos Machado, 55 anos, trabalha com produção de mel há mais
de três décadas. Ele conta que, com o passar dos anos, perdeu algumas
abelhas por questões naturais e climáticas, mas nada comparado ao
ocorrido nos últimos três anos, quando se intensificou o plantio de soja
transgênica em toda a região.
“Quando se trabalha com abelhas é normal
ter alguma perda por ataques de insetos ou falta de alimentos, mas nos
últimos anos tive perda total das colmeias e de forma diferente das
outras situações, pois elas estavam em ótimas condições”, explica
Machado.
A primeira morte em massa das colmeias
do assentado ocorreu em 2014, quando, em trabalho de monitoramento,
percebeu que havia algo anormal com as abelhas. Naquele ano, ele perdeu
suas 30 colmeias, o que correspondeu a cerca de 2 mil quilos de mel não
colhidos.
“Estavam passando veneno aqui perto do
lote, então fui até as colmeias e vi que as abelhas estavam morrendo. Em
questão de duas ou três horas elas estavam todas mortas. E assim
aconteceu em 2015, quando também tive perda total, não sobrou nada”,
lamenta.
Seu João relata que na região, além de
estar cercada pela soja transgênica, a aplicação de veneno de forma
indiscriminada tem se tornado uma prática cada vez mais comum. “Não
tenho dúvidas que a morte das colmeias é resultado do uso de coquetéis
de veneno que aplicam sem critério algum em cima da terra, visando uma
única cultura e acabando com a biodiversidade de abelhas, insetos,
plantas e animais”, avalia.
Consequências do desaparecimento das abelhas
A polinização é o transporte de pólen de
uma flor para outra. Este processo permite a que as flores sejam
fecundadas, e a partir daí começa o desenvolvimento de frutos e
sementes. Isso ocorre de várias formas, seja pelo vento, água ou
borboletas, por exemplo. As abelhas têm uma grande capacidade de
polinização. Este tipo de inseto é pequeno no tamanho, mas com uma
eficiência e importância grande para a vida na Terra. Sem abelhas há
prejuízo, não só na produção de mel, mas em toda a produção agrícola e
vegetal, o que compromete de maneira grave a vida em geral.
Problema não é isolado
A mortandade de colmeias também atingiu o
assentado Amarildo Zanovello, 48 anos, que tem na apicultura o
carro-chefe de sua renda familiar. Ele também trabalha há mais de três
décadas com a produção de mel, e hoje toca o cultivo junto a outras duas
famílias do assentamento Roça Nova, no município de Candiota.
Ele lembra que em 1999, quando ainda não
havia o avanço da soja transgênica na região, colhia em média 65 quilos
de mel por colmeia, o que é considerado pelo assentado como altíssima
produção. Segundo ele, a média de produção de cada colmeia no Brasil
fica em torno de 25 quilos de mel.
“Não tínhamos problemas com venenos, os
campos eram livres e tinham muita florada. Mas com a entrada da soja, a
partir de 2008, o cenário mudou. Hoje, alcançamos a média de 40 quilos
por colmeia, e ainda estamos acima da média nacional. Muitas abelhas
acabam se contaminando com venenos quando saem para coletar néctar. Na
maioria das vezes, ao voltar para as colmeias, elas contaminam e levam
também à morte outras abelhas”, argumenta.
A primeira perda expressiva de abelhas
do grupo de trabalho de Zanovello aconteceu entre 2012 e 2013, quando
foram perdidas 50 colmeias, o equivalente a duas toneladas de mel. O
prejuízo, à época, foi R$ 20 mil. “Fomos colher mel e as abelhas estavam
todas mortas. Tenho certeza que foi por causa de veneno. Geralmente,
quando acaba o ciclo de vida de uma abelha ela voa longe, não morre
perto da colmeia. Tivemos que destruir tudo, pois não deu pra aproveitar
o mel”, lembra.
O assentado Elio Francisco Anschau
trabalha com produção de mel há mais de dez anos e também está na lista
das vítimas dos venenos e da soja transgênica. Recentemente, ele perdeu
dez caixas de abelhas. A produção perdida também servia para o consumo
da família.
“As mortes são consequências do plantio
da soja, que tem aumentado de forma alarmante nos últimos anos aqui na
Campanha. As abelhas ainda convivem com os venenos contrabandeados, que
são proibidos no Brasil, mas entram facilmente na região por estar
localizada perto da fronteira. Por esses fatores, o cultivo de mel não é
mais rentável e não dá mais retorno”, lamenta.
http://verdademundial.com.br/2018/07/chuva-de-veneno-mata-abelhas-e-destroi-producao-de-mel-no-interior-do-rs/