Solidão

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Segundo o filósofo escocês Thomas Hobbes, no estado natural das coisas, antes do surgimento duma autoridade que pudesse exercer o controle, estávamos todos em guerra "um contra os outros". 

Homo homini lupus, o homem é o lobo do homem tinha já dito Plauto (254-184 d.C.) e Hobbes deu popularidade à expressão.


Todavia, ao mesmo tempo, o homem é um animal social: desde o início foi um criatura que necessitava dos outros para sobreviver. E agora? Somos mais lupus ou mais sociais? Nem uma nem outra coisa: estamos sozinhos.

A doença da solidão

Um estudo do britânico The Independent observa que a doença da solidão grave aflige 700.000 homens e 100.000 mulheres por cada milhão de pessoas com mais de 50 anos, e a coisa está a desenvolver-se a um ritmo impressionante. Também porque os jovens adultos sofrem do mesmo mal.

A solidão mata duas vezes mais do que a obesidade: demência, hipertensão arterial, alcoolismo, acidentes, depressão, paranóia, ansiedade e suicídio ocorrem mais frequentemente quando os relacionamentos com os outros ficam interrompidos. Não somos capazes de ficar sozinhos, esta é a verdade.

Culpa de internet? Dos telemóveis? Sim, as fábricas fecharam, as pessoas viajam mais de carro em vez de que nos transportes públicos, clicam nos links de YouTube em vez de ir ao cinema, trocam mensagens e conversam nos chat dos smartphones, comunicam via Facebook: estas mudanças são suficientes para explicar a velocidade do nosso colapso social? Não, não são, há algo mais.

Estamos perante mudanças estruturais que foram acompanhadas por uma espécie de ideologia do
medo e da negação da vida, que fortalece e reforça o nosso isolamento social.

A guerra do "homem contra o homem", a competição e o individualismo, são a religião do nosso tempo, justificadas por uma mitologia que elogia os combatentes solitários: o que importa é ganhar, o resto são danos colaterais.

Os rapazes já não aspiram a tornar-se trabalhadores ferroviários, mais de um quinto diz que "só quer ficar rico": em 40% da amostra considerada, as únicas ambições são a riqueza e a fama. O resultado é uma matilha de cães que luta para dividir-se os sacos de lixo.

O reflexo desta mudança encontra-se no idioma também: o mais cruel dos insultos é "perdedor". Ao mesmo tempo, a expressão "povo" é utilizada com cada vez menos frequência, porque tem em si algo de velho, ligado ao passado, que já não reflecte a realidade. Agora falamos do "direito à auto-afirmação", das "liberdades do indivíduo": a liberdade de mudar o nosso corpo, até o nosso sexo, são as "conquistas" da nossa sociedade.

A cura

Tratamento? A televisão, óbvio. Dois quintos das pessoas mais idosas afirmam que a principal companhia deles é o aparelho televisivo. É a cura que mata o paciente. Porque uma pesquisa feita por economistas da Universidade de Milano indica que a televisão incentiva as aspirações competitivas. Assim, para fugir dum mundo feito de solidão e competitividade extrema, os idosos só podem refugiar-se em alguém que lhes fala de solidão e competitividade. A quadratura do círculo.

A televisão acelera o hedonismo, empurra-nos para manter elevados os níveis de satisfação (que é sempre individual e material), transmite a obsessão da fama e da riqueza, vende, vende tudo. E o solitário fica ainda mais convencido de viver num lugar que não é o mesmo dos outros.

Consolação: pelo menos quem for ricos estará feliz e satisfeito. O tal 1% da população mundial. É possível ser ricos e preocupados? Sim, é possível.

Uma pesquisa do Boston College, realizada entre pessoas com uma riqueza média de 78 milhões de
Dólares (não propriamente trocos), descobriu que também eles sofrem de ansiedade, insatisfação e solidão.

Muitos confessam sentir-se financeiramente inseguros: para sentir-se mais seguros precisariam, em média, de mais 25% de dinheiro (e não há dúvida de que, uma vez obtido este 25%, a seguir precisariam de outro 25%). Um dos entrevistados declarou que iria ficar quieto só depois de ter um bilião de Dólares no banco: dá a ideia do mal-estar?

Certeza de que o problema sejam apenas internet e os smartphones? Temos destruído a natureza, degradado o nosso modo de vida, abdicado da nossa verdadeira liberdade em troca de quê? Duma vida mais comprida e solitária.

As alternativas

Vale a pena continuar ou será a altura de mudar? Mas mudar como?
Há alternativas.

Em primeiro lugar uma sociedade menos competitiva e mais igualitária. Reduzir ou anular as diferenças sociais.
É possível numa sociedade que descende do Capitalismo? Não. O Capitalismo é por sua natureza competitivo e se isso tem aspectos positivos (é estimulante, contrariamente a uma sociedade sem desenvolvimento vertical), também implica riscos enormes (como aquele de acabar numa sociedade como a nossa).

Mas há mais além do Capitalismo.
Há as teorias post-socialistas do economista egípcio Samir Amin.
Há as teorias do economista indiano Prabhat Ranjan Sarkar., baseadas no lucro da maioria.
Há a sociedade baseada em recursos sociais, tecnologicamente muito evoluída do engenheiro Jacques Fresco.
Há a teoria MMT que ajuda a usar o dinheiro para criar emprego, desenvolvimento pessoal (não só enriquecimento!), social, sempre apoiado por políticas de igualdade e respeito pela natureza.

Alternativas possíveis existem. Tratar da sociedade significaria tratar também da solidão para ré-descobrir uma maneira diferente de viver.
Mas quem pode desejar uma alternativa e tem força para aplica-la?
Com certeza não aqueles psicopatas que afirmam representar os eleitores.


Ipse dixit.

Fontes: The Guardian (1, 2, 3), The Telegraph (1, 2), The Times, The Atlantic, Independent Age, Campaign to End Loneliness (1, 2 ficheiro Pdf, inglês), Universidade de Milano Bicocca - Income Aspirations, Television and Happiness: Evidence from the World Values Surveys (ficheiro Pdf, inglês), Monbiot
http://informacaoincorrecta.blogspot.com.br/

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