Olfato e Sexualidade
Introdução
A vivência sexual das criaturas é algo consolidado pela evolução como premissa maior para a perpetuação de uma espécie.
Tal situação é permeada por diversos
fatores que influenciam na forma, frequência e momento em que a
sexualidade irá se manifestar através de uma interação com outro
indivíduo. E as vias disponibilizadas pela Natureza aos seres sexuados
no planeta para chegarem até ao contato com o próximo de maneira
sexualmente específica são delineados por processos físico-químicos, que
se utilizam dos sentidos de cada um para serem interpretados e se
transformarem em respostas claras e efetivas pelos organismos.
Dentre tais sentidos, nos depararemos
com o Olfato, responsável pela captação e intepretação de odores
oriundos do ambiente, outras criaturas e do próprio corpo. Diversos
estudos sugerem que um papel central é desempenhado pelo olfato no que
tange a sexualidade e sua manifestação, existindo vertentes de pesquisas
que apontam para a participação de certos tipos de feromônios exalados
por machos e fêmeas no despertar da libido e na promoção ou não da
ovulação¹.
A função olfativa
O sentido do olfato depende do
epitélio olfativo, que contém receptores neurais, células olfativas
especializadas, que projetam cílios olfativos responsáveis pela detecção
de diferentes odores, embora os mecanismos de ativação desses cílios
olfativos sejam pouco conhecidos.
A adaptação olfativa, proveniente do
próprio sistema nervoso central, é grande, sendo o cheiro percebido em
um primeiro momento e, após, não mais sentido. Assim, a qualidade e a
intensidade da percepção do cheiro dependem do estado anatômico do
epitélio nasal bem como do sistema nervoso central e do periférico.
Os odores são memorizados a partir do
próprio processo de aprendizado, sendo fatores importantes na seleção
alimentar e em processos e experiências emocionais. Assim, podemos dizer
que existe um aprendizado de odores, relacionado diretamente às
experiências individuais podendo eles, inclusive, alterar estados
afetivos, sendo relacionados com comportamentos social e sexual.
Existem, assim, dados importantes a partir dos quais podemos dizer que
as memórias evocadas pelos odores são distintas de outras evocações
devido a sua potência emocional.
O olfato e o sistema nervoso
O processamento dos estímulos captados pelas células olfativas ocorre, basicamente, em duas regiões distintas no encéfalo: a Área Olfatória Medial e a Área Olfatória Lateral. 66
A área olfatória medial compõe-se por um grupamento de núcleos imediatamente anterior ao hipotálamo e abriga o Sistema Olfatório Muito Antigo,
responsável por repostas primitivas, como a salivação ou impulsos
emocionais primitivos ligados à olfação. Por sua vez, a área olfatória
lateral, constituída principalmente pelocórtex pré-piriforme, córtex piriforme e pela porção cortical do núcleo amigdaloide, é a sede de dois outros sistemas, o Sistema Olfatório Antigo e o Sistema Olfatório Recente. O
primeiro mostra-se responsável por respostas menos primitivas do que as
do sistema muito antigo, manifestando-se em, por exemplo, uma aversão
absoluta a certo alimento que provoque náusea e vômito. Já o segundo, o
sistema recente, tem sua atividade relacionada às análises conscientes
de odores, como identificação e distinção de substâncias 66.
Em relação à disposição destes sistemas dentro do Sistema Límbico,
nota-se que o sistema muito antigo está localizado, mais
especificamente, na porção mediobasal do encéfalo – região do sistema
límbico relacionada a comportamentos mais básicos -, que o sistema
antigo atinge partes menos primitivas do sistema límbico – como o
hipocampo – e que o sistema recente alcança regiões mais corticais, as
quais processam percepções e análises conscientes tanto da olfação
quanto dos outros sentidos. 66
A memória olfativa e a sexualidade
O ser humano possui dois tipos básicos de memória, a de curta duração e a de longa duração. A
primeira remete-se a processos onde pouca quantidade de informação é
armazenada e por tempo limitado, como lembrar-se do cardápio no café da
manhã. A segunda, a memória de longo prazo, guarda quantidades bem
maiores de informação e por tempo67-69. A transformação de memórias
curtas em memórias longas acontece através de um referencial formado,
essencialmente, por dor e prazer, de modo que, quando uma determinada
experiência proporciona ao indivíduo uma sensação prazerosa ou dolorosa,
o sistema nervoso dele registra os eventos que o levaram até tal
sensação.66.
Uma subdivisão importante das memórias de longo prazo são as memórias explícita e implícita. A
explícita é responsável por uma evocação consciente de alguma
informação, como a recordação da comemoração de um aniversário, por
exemplo. A região cerebral utilizada para a construção deste tipo de
memória é o hipocampo. Em seu turno, a memória implícita agrupa
as lembranças que vêm à tona inconscientemente, como a sequência de
movimentos necessária para se caminhar. Seu processamento se dá,
principalmente, na amígdala 71.
O fato de a memória explícita ser
processada no hipocampo, mesma região onde se processa o sistema
olfatório antigo, e da memória implícita ser processada nas amígdalas,
bem próximo dos núcleos onde se processa o sistema olfatório muito
antigo, no sistema límbico, leva a crer que odores que provocam
respostas menos instintivas – como, por exemplo, a recusa a um prato com
camarão por este ter causado desconforto intestinal em situação
pretérita – nos seres humanos são armazenados na memória explícita e que
os odores quais desencadeiam reações mais primitivas – como sentir o
cheiro de determinado alimento e, a partir disso, ter salivação -, por
sua vez, são armazenados na memória implícita. Estudos de
desenvolvimento e pesquisa transcultural também apontam para esta
conclusão9. Tendo este contexto em vista e também o de que o estímulo
sexual caracteriza-se como um dos mais primitivos nos seres vivos, é
possível assumir que o armazenamento de odores relativos à sexualidade
se relaciona à memória implícita. Assim, quando um odor específico de
caráter sexual é identificado pelo epitélio olfativo toda a resposta
fisiológica decorrente ocorre em um nível inconsciente.
O órgão Vomeronasal
O órgão vomeronasal é uma estrutura
quimiorreceptora localizada na base da cavidade nasal que é responsável
pela transdução de feromônios em sinais elétricos com a finalidade de
regular as funções sexuais, hormonais e reprodutivas nos mamíferos7.
Kang, Baum e Cherry8 mostraram em estudos que a remoção do órgão em Cavia Porcellus diminuiu
a atração sexual mediada por sinais químicos contidos na urina das
fêmeas nas semanas subsequentes ao procedimento, sugerindo que tal
constatação dá suporte à leitura de que a inexistência do componente
vomeronasal nos mamíferos interfere na atividade sexual dos mesmos8.
Diferenças de sexo na detecção de odor
Com raras exceções 33-34 as
investigações publicadas de diferenças sexuais no limiar olfativo de
sensibilidade relataram maior sensibilidade feminina ou não diferenças
sexuais na sensibilidade, dependendo do odorante. Estudos como de
Toulouse e Vaschide 35verificaram que as mulheres são mais sensíveis do
que os homens para o odor de cânfora, no qual, para homens, a
concentração mínima perceptível em água foi de 9 partes por 100.000,
enquanto que para mulheres esse valor foi de 1 parte por 100.000 .Com
resultado semelhante, Exaltolide 37descobriu uma maior sensibilidade da
fêmea para uma ampla gama de compostos, incluindo a acetona, o
1-butanol, 2 – metilo, 3-mercapto-butanol, etanol, citral, 1-hexanol,
sulfureto de hidrogénio, 1-octanol, pentilo etanol, acetato de fenilo,
piridina, e m-xileno 38-46.
Punter31 examinou 58 compostos de
publicações, e observou (p. 233), “Os dados sugerem que as mulheres são
mais sensíveis (embora não estatisticamente significativo)”. Assim, a
avaliação razoável da literatura citada sugere que as mulheres, em
média, são mais sensíveis do que os homens para alguns odores, embora as
diferenças entre sexos não sejam grandes.
Influências do ciclo menstrual na sensibilidade olfatória
Le Magnen36 foi o primeiro a analisar
sistematicamente as influências do ciclo menstrual na sensibilidade
olfativa humana. Em um experimento, ele testou limites para Exaltolide
(fragrância) através de 10 ciclos menstruais de cinco mulheres. As
medições foram feitas a cada dois ou três dias. Embora um aumento na
sensibilidade fosse notado em todos os ciclos, nos dias seguintes, as
menstruações sofreram considerável variabilidade no início,
deslocamento, velocidade e mudança onde este aumento estava presente. Em
alguns casos, a sensibilidade atingiu logo após a menstruação, enquanto
que em outros, ocorreu muito mais tarde. Em três de nove casos, um
segundo pico de sensibilidade ocorreu durante a fase lútea tardia.
Além disso, os picos de sensibilidade
média foram observados no meio do ciclo e durante a segunda metade do
ciclo menstrual em mulheres a tomar e não tomar contraceptivos orais
(Figura 1). Uma descoberta nos desempenhos de detecção de odor nas
mulheres que tomam contraceptivos orais sugeriu a possibilidade de que
as flutuações sensoriais normalmente observadas no ciclo são de que as
mulheres não podem ser diretamente dependentes dos níveis circulantes de
hormônios gonadais ou gonadotrofinas hipofisárias, apesar de serem
correlacionados com eles. As flutuações observadas nas variáveis do
estudo para as mulheres que não tomam contraceptivos orais são mostradas
nas Figuras 2 e 348-49,51. Ainda descobriu-se que essa influencia não é
específica para o olfato, mas ocorrem em audição também 47.
Percepção de odor durante a gravidez
Muitas mulheres relatam ter maior
sensibilidade ou outras alterações na sua capacidade de percepção de
cheiro durante a gravidez, como evidenciado por relatos e inúmeros
estudos. Por exemplo, a Nordin et al.53 administrou um questionário
extenso sobre cheiro e gosto a 187 gestantes e 80 mulheres não grávidas
em momentos diferentes durante a gravidez, pós-parto, ou a equivalentes
períodos de tempo, perguntando sobre a auto percepção da sensibilidade
olfativa e a experiências de distorção e sensações cheiro fantasmas.
Mais de dois terços (67%) das gestantes mulheres relataram ter um
aumento na sensibilidade cheiro em algum ponto durante a gravidez.
Distorções cheiro qualitativas foram observadas em 17%, e cheiro
fantasma em 14%. Tais experiências ocorreram mais frequentemente durante
o início da gravidez. Apesar destes relatórios, os dados sobre
alterações na função olfativa durante a gravidez não revelam um imagem
clara, e não se sabe se as alterações sensoriais mensuráveis
acompanham as ânsias e aversões que são comumente vivenciadas 54-58.
Sobre o cheiro fantasma,
Grouios73 identificou que mesmo após a perda de entrada de receptores
olfativos, a representação neural da percepção olfativa ainda pode
recriar sensações olfativas sem qualquer lembrança consciente deles.
Isto indica que a representação neural de sensações olfativas permanece
funcional e implica que a atividade neuronal no olfato ou em outras
estruturas cerebrais dá origem a experiências olfativas percebidas como
sendo proveniente de percepção de substâncias de odores originais. O
relatório indica a possibilidade intrigante de que a percepção
olfativa não é um processo passivo que reflete simplesmente a sua
entrada normal do sistema olfativo mas é continuamente gerada por uma
representação neural no olfato, ou em outras estruturas cerebrais
relacionadas ao olfato, com base em ambos a genética e determinantes
sensoriais.
Tem sido consistentemente relatado que
a gravidez afeta avaliações hedônicas, principalmente por diminuir a
agradabilidade dos odores. Esse fenômeno parece estímulo dependente. Por
exemplo, em um estudo retrospectivo de 500 mulheres que completaram
pelo menos um gravidez56, cerca de três quartos das mulheres relatou que
havia odores que cheirava menos agradável durante a gravidez (por
exemplo, cigarros, café, carne, alimentos em geral, diesel, suor). Menos
de um quarto relatou que havia odores que cheiravam mais agradáveis
(frutas, flores, bosques, perfumes).
No estudo, Na ET AL Kölble60, as
mulheres grávidas classificaram o prazer da maioria dos odores de forma
diferente do que os controles, embora três odores (Rum, cigarros e café)
fossem relatados como sendo mais aversivos. Recentemente, Cameron et
al59 constataram que, em comparação com controles não grávidas, as
mulheres no primeiro trimestre da gravidez tendem a taxar a maioria dos
40 odores de um inventário padrozinado (UPSIT- The University of
Pennsylvania Smell Inventory Test) como menos agradável. No entanto, a
significância estatística foi alcançada por apenas para três odores:
laranja, uva e gás natural. Curiosamente, ponche de frutas foi
classificado como significativamente mais agradável.
Claramente a literatura sobre olfato e
gravidez não é conclusiva. Parece que muitas mudanças que ocorrem
durante este tempo são idiossincráticas e específicas para apenas alguns
odores. Pesquisas adicionais, empregando grandes quantidades de odores,
são necessárias para uma melhor compreensão a natureza das influências
da gravidez na função olfativa.
Orgasmo e odor
Novakova72 avaliou noventa mulheres,
com idades entre 20 anos e 30 anos, que não usavam pílula e que estavam
em relacionamentos amorosos por pelo menos seis meses. Elas preencheram
uma bateria de questionários sobre sua vida sexual e cheiraram vários
tubos, contendo uma substância em diferentes diluições. Entre os
compostos estava um feromônio da família das androstenedionas. Esse
esteroide é secretado pelas glândulas sebáceas e na urina e é um dos
maiores responsáveis por conferir cheiro ao nosso corpo. As
participantes capazes de identificar odores mesmo quando eles estavam
mais diluídos foram exatamente as que relataram ter mais orgasmos com
seu parceiro, indicando assim que possivelmente mulheres que têm mais
excitação, desejo e satisfação sexual mostram maior sensibilidade aos
feromônios.
Influências de administração de esteroides sexuais sobre a função olfativa
Apenas um punhado de estudos
examinaram os efeitos da ooforectomia, orquiectomia, ou terapia de
reposição hormonal (TRH) sobre a função do olfato humano. A maioria
destes estudos sofreu com as pequenas dimensões de amostras51, a falta
do duplo-cego, placebo ou procedimentos de controle e teste de confusão
com tratamentos hormonais.
Recentemente, Doty ET al. administrou
um teste de odor e memória padronizado de 12 itens 61 e avaliou 14
mulheres pós-menopausa que recebem terapia de substituição de
estrogénios (TRE) e 48 mulheres pós-menopausa que não receberam essa
terapia 62. Apesar de não haver influência do TRE foi observado nos
resultados dos testes globais, que as mulheres sob reposição hormonal
apresentaram um melhor desempenho na narina esquerda, e mais pobres na
narina direita, um fenômeno ausente naquelas que não recebem TRE. Este
efeito foi independente da destreza, idade limiar de sensibilidade e de
diferenças de volume nasal Esquerdo-Direita ou de área transversal,
medidos por rinometria acustica. Estes dados sugerem que a TER pode
influenciar diferencialmente os lados esquerdo e direito do cérebro, uma
vez que as projeções olfativas são em grande parte ipsilaterais do
bulbo às estruturas que compõem o córtex olfativo.
Conclusão
Ainda que a evolução cultural humana
tenha permeado as ações dos indivíduos com concepções próprias de cada
época a cerca da sexualidade, é inegável o fato de que grande parte – se
não a maior – dos fatores que determinam o comportamento sexual é
oriunda de percepções inconscientes, resultantes de complexas interações
entre as vias sensoriais olfatórias, os circuitos emocionais, os
circuitos associados à formação da memória e fatores neuroendócrinos
individuais.
Autores:
Vinicius O. Andrade, Guilherme O.
Magalhães, Carlos Eduardo M. Fontes e André Soffiatti-graduandos do
curso de Medicina-UFGD-XIIa turma.