Mensagem ao Diabo
É preciso criar abismos, para a humanidade que os não sabe saltar se engolfar neles para sempre.
Criar todos os prazeres, os mais artificiais possível, os mais estúpidos possível, para que a chama atraia e queime.
O
problema da sobre povoação, o problema da sobre produção eliminam-se
criando-se focos de eliminação humana (por meio de todos os vícios),
criando focos de inércia humana (por meio de todas as seduções). Fazer
suicidas, eis a grande solução sociológica.
É
facil ouvir de qualquer megera limpa que «não crê na Lei de Cristo», é
animá-la em seguir a não-lei de Cristo. Em três anos está gasta e finda,
e então descobre que o pior de não seguir a lei de Cristo é que os
outros a não seguem também. E o caixote do lixo recebe-a como às teorias
dos mestres a quem ela ensinou.
É nosso dever de sociólogos untar o chão, ainda que seja com lágrimas, para que escorreguem nele os que dançam.
E
comunistas, batonnières dos beiços, humanitários, cultos do
internacionalismo - tudo isso colabora ardentemente na eliminação deles
mesmos que se precisa. Depois, dos recantos das províncias, onde tomam
chá com a família, ou lavram as terras sem teorias nem desejos, os
fortes surgem e a civilização continua.
Porque sempre a Realidade é um bocado de sol simples, um quintal herdado e a certeza de ser um indivíduo.
[Mensagem ao Diabo]
Álvaro de Campos, (heterónimo de F. Pessoa) in 'Espólio de Fernando Pessoa'
Helena Blavatsky