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Imagem: Reprodução / TV Cultura |
Desembargador
aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e ex-secretário nacional
antidrogas, o jurista Wálter Fanganiello Maierovitch, de 66 anos, é um
dos principais estudiosos brasileiros sobre o crime organizado. Quando
era juiz, nos anos 1990, foi o primeiro não-italiano condecorado pelo
governo da Itália pela sua atuação no combate à máfia.
Mesmo
aposentado, ele continua estudando o tema e diz que o Governo paulista
não sabe combater a maior facção criminosa do país, o Primeiro Comando
da Capital (PCC) e permite que ela cresça, inclusive se expandindo,
ainda que timidamente para a área política, com o suposto envolvimento
de um deputado estadual.
O temor de
Maierovitch é o mesmo que de boa parte dos analistas do assunto, de que
essa facção ganhe força e se torne uma organização transnacional. “O PCC
hoje é uma pré-máfia”, diz ele.
O PCC já chega a um nível próximo da máfia?
Ainda não. O
PCC hoje é uma pré-máfia. Ele se equipara às máfias siciliana, calabresa
e outras pela questão territorial, mas ele ainda não é uma organização
transnacional. O PCC é uma organização transfronteiriça, ele se comunica
com o Paraguai, onde tem plantios de maconha, tem algumas atividades,
mas ele não tem aquilo que na convenção de Palermo, em que se discute o
crime transnacional, uma atuação transnacional em rede. Ele ainda não
tem capacidade para reciclar o dinheiro. Falo de reciclagem, não de
lavagem.
O que seria essa reciclagem?
Seria pegar o
dinheiro já lavado e transformá-lo em outra atividade lícita. Por
exemplo, pegar o dinheiro já lavado e investir na bolsa de Frankfurt,
como fez a N’drangheta calabresa. Seria lavar o dinheiro em postos de
gasolina e ter uma atuação mais forte economicamente. Algo como ter
controle das ações da Petrobras. O PIB do PCC é ainda muito fraco. Ao
contrário do que o que representa o PIB da Cosa Nostra na economia
italiana. Ou o que representa o PIB do narcotráfico colombiano, dos
cartelitos colombianos, na Colômbia. Ou o que representa o narcotráfico
com organizações transnacionais no Marrocos, que tem o controle da
maconha, do haxixe e envolve milhões de famílias. Repito, o PCC é uma
pré-máfia.
E o componente político? O PCC já obteve?
É a primeira
vez que se tem a infiltração de um órgão de poder com o deputado [Luiz
Moura]. Mas ainda não temos uma condenação definitiva. E essas grandes
organizações criminosas se infiltram no poder. Elas influenciam
eleitoralmente, é algo que o PCC ainda não fez, embora já tenha tentado
lançar uma candidata à vereadora de São Paulo.
E como evitar que o PCC supere esse estágio e chegue ao mesmo nível de uma máfia?
Eu não tenho
filiação política partidária. Até por isso posso dizer que em São Paulo o
problema é a incompetência dos governos do PSDB no Estado e,
principalmente, do atual governador Geraldo Alckmin. Ele não tem nenhum
preparo para cuidar disso, com uma polícia despreparada.
Internacionalmente, o caminho para se combater essas organizações é
combater economicamente, desfalcar o bolso delas.
E o senhor acha que esse governo não tem feito isso?
Ao contrário. O
governo não consegue manter isolamentos, os presos do PCC continuam
fazendo contato com o exterior. Além disso, fez acordos com o PCC,
lembre-se do grande acordo quando a organização criminosa resolveu
guerrear na cidade de São Paulo [em 2006]. E até hoje há um acordo em
manutenção segundo o qual o PCC controla tranquilamente grande parte da
periferia de São Paulo.
Como é esse controle?
A polícia não
entra, não ataca e o PCC fica calmo na periferia. Há o caso de um padre
da região leste de São Paulo que comunicou seus superiores da
Arquidiocese alertando pela influência do PCC nas igrejas. Era para
avisar os padres desse risco que ele identificou, do PCC dando dinheiro
para quermesses, festas. Aí começa um envolvimento forte socialmente.
Esse é um grande risco.
O governo não tem conseguido cortar esse poder econômico nem mesmo em pequena escala?
Sim,
exatamente. O ideal é cortar esse poder até mesmo para evitar que ele se
torne um agente corruptor e evitar que ele cresça, que ele obtenha
vantagens. Agora não se faz o mínimo. A polícia do governador Alckmin
resolveu, ao invés de combater o PCC, fazer escutas telefônicas para
saber o que os presos estavam conversando e tentar fazer alguma coisa. O
que se viu é que eles conversavam em códigos que não resultou em quase
nada. É uma maneira absolutamente equivocada e isso abre caminho para
extorsões praticadas pelos policiais. A política é tão errada que, se
agente olhar para os movimentos sociais, vai ver que há duas pessoas
presas [Fábio Hideki Harano e Rafael Marques Lusvarghi] no momento,
acusadas e porte de instrumentos incendiários, coquetel molotov, quando
se viu que um dos produtos apreendidos era um pote de achocolatado. Isso
mostra o nível dessa polícia.
El País
Editado por Folha Política