Caos atual no Iraque mostra que os EUA têm de lutar novamente contra um monstro (ISIS) que eles próprios criaram e armaram
Financiado pelos EUA, Estado Islâmico cresceu e se tornou problema para os próprios norte-americanos
Durante a última semana, o Pentágono lançou declarações triunfantes sobre o esforço militar dos EUA contra o Isis. Mas o que não é mencionado por eles é que aqueles iraquianos andando em veículos armados portando armas e artilharias provavelmente foram abastecidos por contribuintes norte-americanos. As armas que o Isis possui são outra amostra do fracasso que foi a invasão dos EUA em 2003. Isso é similar ao que aconteceu na intervenção norte-americana na Líbia, em 2011, que derrubou o ditador Muammar Qadafi, mas também desestabilizou o país – resultando então em um fornecimento de armas para os militantes do Mali, mais ao sul, que por sua vez levou a uma intervenção da França e dos EUA no país africano em 2013.
Ao passo que o Isis, junto de sunitas insatisfeitos e cansados da discriminação e marginalização que sofrem há anos, avançaram pelo Iraque e capturaram armas fabricadas nos EUA. Iniciada em junho, o Isis capturou grandes porções de território no norte do Iraque. O exército iraquiano, treinado pelos EUA, entrou em colapso frente aos avanços do Isis. Em uma combinação de fraco treinamento, equipamentos quebrados e moral baixa, eles deixaram para trás armas, munições e equipamento que foram produzidos e pagos pelos EUA, que usou de 25 bilhões de dólares para treinar e armar o exército do Iraque desde 2003.
Então, agora o Isis possui centenas de veículos armados, caminhonetes, tanques, humvees, assim como munições e armas, que eles utilizam enquanto continuam a marchar pelo país para ajudar a sua luta em outro país: a Síria, onde o Isis está lutando contra o governo de Bashar al-Assad – ironicamente, também inimigo dos EUA.
Histórico
A história de como as armas dos EUA acabaram nas mãos daqueles que muitos descrevem como o mais temido movimento islâmico no mundo data de 2003. Esse foi o ano em que a administração Bush, baseada em informações maquiadas, mentiu para o seu povo a fim de justificar um ataque militar contra o Iraque e sua subseqüente ocupação. Os EUA debandaram grande parte dos militares iraquianos, compostos em sua grande maioria por muçulmanos sunitas. Isso fez com que aumentasse a insurgência anti-ocupação no país, mas então buscou reagrupar tal exército sem a influência daqueles que trabalharam com Saddam Hussein.Em 2006, o homem comandando o show de reformar as forças armadas do Iraque era Nouri al-Maliki, o atual primeiro-ministro e muçulmano xiita. Escolhido a dedo pelos EUA, a ascensão de Maliki ao poder foi um símbolo de como a estrutura de poder do Iraque foi revirada do avesso. Sob o comando de Saddam Hussein, a minoria sunita tinha muito mais poder, apesar de o partido de Hussein, o Baath, incluir xiitas. Mas a invasão norte-americana entregou todo o poder aos xiitas, resultando em um grave sectarismo entre as duas alas islâmicas. Além disso, Maliki não fez esforço algum para criar uma estrutura governamental mais inclusiva.
O governo de Maliki alienou os muçulmanos sunitas, que organizaram maciços protestos contra ele, que foram recebidos sob intensa violência, matando centenas de civis. Ele ordenou, inclusive, a prisão de seu vice-presidente sunita, em 2011. As forças de segurança prenderam milhares de homens sunitas sem qualquer acusação, classificando-os como terroristas. Muitos foram torturados. Maliki também realizou um expurgo de sunitas dentro da máquina burocrática. E os EUA ajudaram Maliki em sua busca para marginalizá-los, financiando seu governo e fornecendo armas a suas forças de segurança.
Em 15 de agosto, sob intensa pressão dos EUA e do Irã – país que passou a ter grande influência no país, Maliki saiu de cena. O novo primeiro-ministro, Haidar al-Abadi, vem do Partido Dawa, o mesmo de Maliki. A esperança é que al-Abadi governará de modo mais inclusivo, apesar de tal decisão já receber críticas.
Os EUA estão agora aumentando seus bombardeios aéreos e armando as milícias curdas, no norte do país, em uma tentativa de derrotar um monstro que eles mesmos criaram e que, paradoxalmente, está sendo financiado por aliados norte-americanos, como a Arábia Saudita e o Kuwait.
Mas se a história da política dos EUA para com o Iraque mostra alguma coisa, é que bombardeios não serão suficientes para resolver a crise no país.
(Imagem: Pragmatismo Político)
Alex Kane, Alternet. Tradução: Vinicius Gomes, Fórum