Tela de René Cabodi |
Jiddu Krishnamurti
Assim há que começar, assim há que partir à descoberta da vida. Com a liberdade, intacta e imaculada, como única bagagem.
Mas
são poucos os que assim modestamente ataviados põem pés a caminho pela
vida fora. Os outros, os muitos, esses enchem-se de bagagem. Malas e
maletas, sacos e sacas, até baús que trazem a reboque de um passado que
nem sequer é deles.
Desde
tenra idade que os enchem de bagagem. “Ouviste rapaz? O meu clube é o
maior! Tens de ser do meu clube!” repete o pai entusiasticamente quase
até à exaustão. “Meu filho, já disseste as tuas orações? Olha que nosso
senhor castiga-te!” admoesta a mãe a um ritmo diário.
À
medida que o tempo decorre, a liberdade vai sendo mutilada de diversas
maneiras. “Grande vitória, a do nosso partido, hein pá?! Temos que lutar
pela liberdade!” exclama o pai enquanto dá ao rapaz uma orgulhosa
palmada nas costas. “Sabes filha, tens de ter estatuto social se queres
que te respeitem!” aconselha ciosamente a mãe.
Entre
conselhos e deveres, entre tradições e obrigações, entre crenças e
dogmas, entre patriotismos e idolatrias, o indivíduo consente
placidamente em que lhe encham malas e baús. E quanto mais bagagem lhe
acrescentam, mais liberdade lhe retiram. A vida transforma-se-lhe num
contínuo e ensurdecedor ruído exterior, num movimento dirigido e
condicionado, num incessante emalar de conceitos, preconceitos, ideias e
ideologias prontos a consumir, nunca tocados pelo questionamento, nunca
abordados pela dúvida, nunca explorados sob ângulos distintos.
Arrasta-se o indivíduo penosamente pela vida fora, vergado pelo peso da
bagagem, e em vão procurando por entre a tralha acumulada, que sempre
lhe serviu de prisão, a liberdade que um dia possuiu sem se dar conta.
Milhões de indivíduos procuram fora o que dentro de si truncaram.
Mas
alguns, muito poucos, tendo-se apercebido da inigualável importância da
liberdade, pegaram nela quando ainda quase intacta, e lançando fora as
poucas tralhas que todavia carregavam, com ela pavimentaram o caminho da
sua vida.
Enquanto
ao homem de excessiva bagagem, a cada passo que dá, parece
afunilar-se-lhe o caminho, ao homem imbuído de liberdade, perde-se-lhe a
vista, qual vertigem, num horizonte infinito e sempre mais amplo.facedaletra.blogspot.com.br