Para o pessoal de memória curta que alerta que a Venezuela está descredenciando a CNN do território nacional (Detalhes aqui), segue notícia que, eventualmente, pode interessar: “Estados Unidos aprovam medida para interferir no sinal da TV Sul” (Veja aqui).
Além de tentar interferir no sinal da Telesur na
própria Venezuela, os EUA tentam impedir a atuação da emissora no país
(bem como já fez o presidente do México), por meio de diversos
artifícios conhecidos dos colegas, como o não credenciamento em
coletivas.
Pelo simples princípio da reciprocidade, já seria mais do que o
suficiente para o presidente venezuelano Nicolás Maduro adotar a medida,
soberana. Lembremos que a CNN é uma espécie de emissora queridinha da Administração Obama, em contraposição a outras emissoras locais, bem mais críticas.
A justificativa para o atropelo à soberania do país latino-americano em relação ao sinal da Telesur: a “necessidade de contrapor o anti-americanismo” do então novo canal, fundado por Uruguai, Argentina, Cuba e Venezuela.
Curioso também o “esquecimento” geral sobre a briga entre Obama e a FoxNews.
Naquela ocasião, em 2009, a Administração Obama chegou a chamar a
emissora de “braço do Partido Republicano” (o que, ora bolas, é
verdade). Detalhes aqui.
Nesse período, a Casa Branca chegou a parar de receber a FoxNews e os descredenciou de diversas coletivas importantes.
Claro que não se justifica um ato de restrição à liberdade de
expressão, evidentemente, porém igualmente claro está, para mim, que uma
coisa é fazer mídia com posicionamento político. Outra, totalmente
diferente, é fazer política por meio da mídia.
Não é esse o papel da imprensa, pelo menos segundo o discurso oficial
da própria imprensa. Mas sempre foi, na verdade, ao longo de todos
esses séculos, o papel dos principais meios de comunicação, como
sabemos: fazer política (vide o posicionamento da Folha
sobre “como ela pensa”, em que se disse fã do liberalismo, e não de
qualquer outra corrente econômica). Quem lê jornais ao longo da História
sabe muito bem disse: não existe e nunca existiu “imparcialidade” no
jornalismo.
Interessante observar, independente deste debate, que o mesmo tipo de
acontecimento continua a receber tratamentos bastante distintos, o que
por si só é notável. Do Norte industrial para o Sul subdesenvolvido
(porém cheio de recursos), uma notinha ou outra, quando muito. Do Sul
para o Norte, ALERTA VERMELHO.
Notável, também, que 99% das pessoas que reclamam da medida nunca assistiram, nem de curiosidade, a CNN por lá. Ou mesmo deram uma passada pelas emissoras de TV e rádio, 90% privadas e de oposição sistemática ao chavismo.
Apoiadora convicta do “quanto pior melhor”, contexto que já levou a oito mortos no país, a CNN
diz para os norte-americanos (e para quem quiser ver, pois está na
Internet) que Leopoldo López, um opositor com uma retórica tão violenta
que não conta com o apoio político nem sequer de setores da próprio
oposição (como Capriles, mais moderado, detalhes aqui) –, é tido como “el estudiante estrella de personalidad carismática” (Veja aqui).
Com isso, sob qualquer hipótese, eu insisto que não desejaria um
mundo com menos liberdade de expressão — e o governo da Venezuela
parece, ao meu ver, um dos menos hábeis para lidar com o tema na América
Latina. E eu honestamente acho lamentável mais esse erro político de
Maduro. No entanto, esse tipo de cobertura, enviesada e desinformada,
gera um nível de ignorância surpreendente.
Até hoje, por exemplo, continuam a me chegar supostos relatos de que
já morreram entre mil e 3 mil pessoas na Venezuela — quando os números
reais chegam, se muito, a 10 fatalidades, sem qualquer notícia ou
evidência sobre a identidade dos encapuzados que estão atirando a esmo
na multidão. A não ser, claro, a palavra de William Waack — o único
jornalista no mundo que parece ter esta informação de que foi, de fato,
Maduro que encomendou as mortes… Uma pena ele não compartilhar a prova
do crime.
Fica para mim uma questão no ar: quem difunde este tipo de
informação? Quem compra? E, mais, quem tem interesse em vendê-la? Talvez
o senador Álvaro Dias, do PSDB do Paraná, pelas interessantes “matérias
investigativas” (Veja aqui) publicadas em seu site ligando diretamente Dilma aos atentados na Venezuela, seja uma das pessoas que tenha a resposta.
Haja paciência para lidar com tantos políticos jogando com a vida das
pessoas com o único objetivo de obter eleitores. E haja eleitores
desavisados, cada vez mais numerosos nas democracias contemporâneas.
*Herivelto Quaresma é jornalista e blogueiro carioca.
http://www.debatesculturais.com.br