Escrito em 1894, por Robert G. Ingersoll
Alguém
precisava dizer a verdade sobre a Bíblia. Os padres não ousariam, pois
seriam expulsos de seus púlpitos. Os professores nas faculdades não
ousariam, pois perderiam seus salários. Os políticos não ousariam, pois
seriam derrotados. Os editores não ousariam, pois perderiam seus
leitores. Os comerciantes não ousariam, pois perderiam seus clientes. Os
homens de prestígio não ousariam, temendo perder seus admiradores. Nem
mesmo os balconistas ousariam, pois poderiam ser despedidos. Então
resolvi fazer isso eu mesmo.
Há milhões de
pessoas que creem que a Bíblia é a palavra inspirada por Deus — milhões
que pensam que este livro é um báculo e um guia, um conselheiro e um
consolador; que preenche o presente com paz e o futuro com esperança —
milhões que creem que é a fonte da lei, da justiça e da clemência, e que
o mundo deve sua liberdade, riqueza e civilidade aos seus sábios e
benignos ensinamentos — milhões que acreditam que este livro é a
revelação da sabedoria e do amor de Deus ao cérebro e coração do homem —
milhões que consideram este livro como uma tocha que sobrepuja a
escuridão da morte e derrama seu brilho em outro mundo — um mundo sem
lágrimas.
Entretanto,
esquecem-se de sua ignorância e selvageria, de seu ódio à liberdade, de
sua perseguição religiosa; lembram-se do céu, mas esquecem-se do
calabouço da dor eterna. Esquecem-se de que aprisiona a mente e corrompe
o coração. Esquecem-se de que é um inimigo da liberdade intelectual. A
liberdade é minha religião. Liberdade das mãos e da mente — no pensar e
no trabalhar. Liberdade é uma palavra odiada pelos reis e amaldiçoada
pelos papas. É uma palavra que despedaça tronos e altares — que deixa a
coroa sem súditos e as mãos estendidas da superstição sem esmolas.
Liberdade é a consequência, o fruto da justiça — o perfume da clemência.
Liberdade é a semente e o solo, o ar e a luz, o orvalho e a chuva do
progresso, o amor e a alegria.
1 - A Origem da Bíblia
Algumas
famílias errantes — pobres, esfarrapadas, sem educação, arte ou poder;
descendentes daqueles que foram escravizados por quatro séculos;
ignorantes como os habitantes da África Central — haviam acabado de
escapar de seus senhores ao deserto do Sinai. Seu líder era Moisés, um
homem que havia sido criado pela família do faraó e que havia aprendido a
lei e a mitologia do Egito. No intuito de controlar seus seguidores,
fingiu ser instruído e assistido por Jeová, o Deus desses andarilhos.
Tudo que
acontecia era atribuído à interferência desse Deus. Moisés disse que
encontrou esse Deus face a face; disse que no topo do Monte Sinai
recebeu das mãos desse Deus as tábuas de pedra nas quais, pelas próprias
mãos de Deus, os Dez Mandamentos foram escritos, e que, além disso,
Jeová o informou sobre quais sacrifícios e cerimônias lhe eram
agradáveis e quais leis deveriam governar esse povo.
Deste modo a religião judaica e o Código Mosaico foram estabelecidos.
Agora se alega que essa religião e essas leis foram reveladas e estabelecidas para toda a humanidade.
Naquele tempo
esses andarilhos não possuíam comércio com outras nações, não possuíam
linguagem escrita, não podiam ler nem escrever. Não possuíam meios para
fazer com que outras nações tomassem conhecimento daquela revelação, que
assim permaneceu enterrada no linguajar de umas poucas tribos
ignorantes, empobrecidas e desconhecidas por mais de dois mil anos.
Muitos séculos
após Moisés — o líder — ter morrido, muitos séculos após todos seus
seguidores terem morrido, o Pentateuco foi escrito — uma obra de muitos
escritores —, e para lhe conferir força e autoridade, afirmou-se que era
de autoria de Moisés.
Hoje sabemos que o Pentateuco não foi escrito por Moisés.
Nele são mencionadas cidades que nem existiam na época em que Moisés viveu.
Nele é mencionado dinheiro que só foi cunhado séculos após sua morte.
Assim, muitas
das leis não eram compatíveis com viajantes do deserto — leis sobre
agricultura, sobre o sacrifício de bois, ovelhas e pombas, sobre
tecelagem de roupas, sobre ornamentos de ouro e prata, sobre o cultivo
da terra, sobre a colheita, sobre o debulhamento de grãos, sobre casas e
templos, sobre cidades de refúgio e sobre muitos outros assuntos que
não possuíam qualquer relação possível com uns poucos viajantes
famintos.
Não apenas os
teólogos inteligentes e honestos admitem que Moisés não foi o autor do
Pentateuco; todos admitem que ninguém sabe quem foram os autores ou quem
escreveu qual daqueles livros, capítulo ou linha. Sabemos que os livros
não foram escritos na mesma geração; que não foram todos escritos por
uma única pessoa; que estão repletos de erros e contradições. Admite-se
também que Josué não escreveu o livro que leva seu nome, pois nele há
referências a eventos que ocorreram muito tempo após sua morte.
Ninguém conhece
ou finge conhecer o autor de Juízes; todos sabemos que foi escrito
séculos após os juízes terem deixado de existir. Ninguém conhece o autor
de Rute, nem o Primeiro ou o Segundo de Samuel; sabemos apenas que
Samuel não escreveu os livros que têm seu nome. No 25o capítulo de I
Samuel é narrada a criação de Samuel pela feiticeira de Endora.
Ninguém sabe quem foi o autor de I e II Reis ou de I e II Crônicas; tudo que sabemos é que tais livros não têm qualquer valor.
Sabemos que os
Salmos não foram escritos por Davi. Neles fala-se da escravidão, a qual
somente ocorreu por volta de cinco séculos após Davi ter “dormido” com
seus pais.
Sabemos que
Salomão não escreveu os Provérbios nem os Cânticos; que Isaías não foi o
autor do livro com seu nome; que ninguém conhece o autor de Jó,
Eclesiastes, Éster ou qualquer outro livro do Novo Testamento, com
exceção de Esdras.
Sabemos que
Deus não é citado nem aludido em qualquer aspecto no livro de Éster.
Sabemos também que o livro é cruel, absurdo e impossível.
Deus não é mencionado no Cântico dos Cânticos, o melhor livro no Velho Testamento.
E sabemos que Eclesiastes foi escrito por um incrédulo.
Sabemos também
que os próprios judeus não haviam decidido quais livros eram inspirados —
ou seja, autênticos — até o segundo século após Cristo.
Sabemos que a
ideia de inspiração difundiu-se lentamente, e que a inspiração era
determinada por indivíduos que tinham certos fins a serem atingidos.
(Continua...)
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