Como
nosso tempo está à procura do nome que melhor poderia exprimir seu
espírito, muitos termos foram propostos, e todos afirmando ser o bom.
Para qualquer lado que nos voltemos, a época atual apresenta o
espetáculo mais caótico dos tumultos partidários, e os grandes homens do
momento se reúnem, tais como abutres, ao redor da herança caduca do
passado. Em toda parte abundam os despojos políticos, sociais,
eclesiásticos, artísticos, morais e outros, e enquanto eles não forem
consumidos, o ar não será puro e os seres vivos permanecerão oprimidos.
Sem nossa intervenção, nosso
tempo não dará origem ao termo adequado; devemos todos juntos trabalhar
com esse fim. Todavia, se essa obra depende de nós, é bom que nos
perguntemos o que fizeram e o que se propõem a fazer de nós; qual é,
então, essa educação graças à qual tentam fazer de nós os criadores
desse termo? Cultivam, em consciência, nossa predisposição à Criação ou nos tratam apenas como criaturas unicamente
suscetíveis de adestramento. Esse problema é tão importante quanto
qualquer problema social; em verdade, é o mais importante pois, em fim
de contas, os problemas sociais repousam sobre essa base. Se temos
valor realizaremos coisas de valor: se cada um de nós é perfeito em si, a
sociedade e a vida social serão, elas também, perfeitas. O que importa,
portanto, de início, é o que fizeram de nós na idade em que ainda somos
maleáveis; o problema escolar é um problema vital. Isso salta aos olhos
hoje; luta-se nesse terreno há muito tempo com um ardor e uma franqueza
que ultrapassam de longe aquelas exibidas no campo da política, pois lá
não se combate as obstruções do poder arbitrário.
Um venerável veterano, o
Professor Theodor Heinsius, que, como falecido Professor Krug, conserva
em sua velhice seu vigor e seu proselitismo, tentou recentemente atiçar o
interesse dado à sua causa por um breve ensaio intitulado Concordância entre a escola e a vida, ou conciliação entre Humanismo e Realismo, encarada do ponto de vista nacional.
Dois clãs disputam a vitória e cada um quer apresentar seu princípio de
educação como o melhor e o mais bem adaptado às nossas necessidades:
são os humanistas e os realistas. Preocupados em não merecer desprezo de
nenhuma das duas facções, Heinsius, em seu opúsculo, fala com uma
benevolência e um espírito de conciliação que provam seu desejo de dar a
cada um o que lhe é devido, e faz, ao mesmo tempo, o maior mal à
própria causa, que só um resoluto espírito de decisão pode servir.
Em verdade, esse pecado contra o
próprio espírito da causa constitui a herança inalienável de todos os
mediadores timoratos. As "Concordatas" não oferecem senão um covarde
expediente:
Simples e francamente, como um homem: a favor ou contra!
Como palavra de ordem: escravo ou livre!
Mesmo os deuses desceram do Olimpo
Para combater nas muralhas de seus aliados.(3)
Antes de formular suas próprias
proposições, Heinsius faz um breve resumo do curso que a história seguiu
desde a Reforma. O período que vai da Reforma à Revolução é — o que
afirmarei aqui sem prova, pois tenciono detalhar minha opinião em outra
ocasião — aquele das relações entre adultos e crianças, senhores e
servidores, poderosos e fracos, em resumo, o período da sujeição. Fora
de qualquer outra base que possa justificar uma superioridade, a cultura
enquanto força elevava seu detentor acima dos humildes que eram dela
desprovidos, e o homem culto desempenhava em seu meio, fosse amplo ou
restrito, o papel do forte, do poderoso, daquele que impunha, pois se
tratava de uma autoridade. Nem todos podiam obter esse
poder e essa autoridade, assim, a educação não era destinada a todos, e a
ideia de um ensino para todos vinha contradizer esse princípio. A
educação cria a superioridade e faz de vós um senhor; era, então, nesses
tempos autoritários um meio de ascender ao poder. Mas a Revolução estilhaçou essa economia de senhor a servidor, e instalou-se esse princípio "Que cada um seja seu próprio senhor". A conclusão que necessariamente se impôs foi que a educação, que cria, com efeito, a autoridade, devia então se tornar universal,
e foi aí que se experimentou a necessidade de aplicar um verdadeiro
ensino para todos. Esse desejo de ensino universal acessível iria
empurrar à luta contra o ensino tornado obstinadamente exclusivo, e
nesse campo também a Revolução teve de empunhar a espada contra a
dominação exercida quando da Reforma. O conceito de cultura para todos
entrou em conflito com o de cultura reservada a uma minoria, e, depois
de muitas peripécias e sob nomes diversos, a contestação e a luta
chegaram até nós. Levando em conta as contradições apresentadas pelos
campos inimigos que se confrontavam, Heinsius escolheu os nomes de
Humanismo e Realismo e, malgrado sua inexatidão, nós os adotaremos pois
eles são os mais comumente utilizados.
Até que a filosofia pôs-se a disseminar suas luzes sobre o século XVIII, o que se pode denominar ensino superior estava
sem contestação nas mãos dos Humanistas, e fundamentava-se quase
unicamente sobre a compreensão dos antigos clássicos. Existia,
paralelamente, um outro ensino que também tinha por modelo a Antiguidade
e cujo objetivo principal era o conhecimento aprofundado da Bíblia. Que
ambos tenham escolhido como único objeto de estudo a flor da cultura do
mundo antigo prova muito bem o quanto nossa própria existência parecia
desprovida de importância, o quanto estávamos ainda longe de poder
criar, por nossa própria originalidade, novas formas de beleza, e
extrair, de nossa própria razão, a essência da verdade. Era-nos preciso,
de início, estudar a forma e o conteúdo; éramos
aprendizes. E assim como a Antiguidade, por intermédio dos clássicos e
da Bíblia, reinava sobre nós como senhora, assim também — o
que se pode provar historicamente — o motor de toda a nossa atividade
consistia realmente nessa relação de senhor a servidor; é graças a essa
característica da época que podemos compreender por que se aspirava tão
abertamente ao "ensino superior" e por que se estava tão desejoso de
distinguir-se do vulgar. A cultura fazia de seu detentor um senhor para
os indivíduos incultos. O conceito de educação popular teria entrado em
conflito com essa situação, pois se presumia que o povo deveria
permanecer ignorante em relação a esses "senhores instruídos",
limitar-se a admirar e a venerar estupidamente esse extraordinário
esplendor.
Assim, o Romanismo
— e seus dois pilares, o grego e o latim — permanecia sinônimo de
erudição. Além disso, esse ensino só podia persistir numa educação formal,
porque, estando a Antiguidade morta e enterrada, subsistiam apenas as
formas tais quais, assim como as normas literárias e artísticas, e
sobretudo porque não se podia simplesmente adquirir e conservar o poder
sobre o povo senão por uma superioridade formal; basta um certo grau de
agilidade intelectual para adquirir uma superioridade sobre os
indivíduos menos flexíveis. O que se chamava ensino superior era, então,
uma educação elegante, um sensus omnis elegantiae, a
educação do gosto, o sentido das formas; ela quase se afundou num ensino
gramatical, e impregnou a língua alemã de um perfume bem latino; assim,
ainda hoje, se for preciso citar um exemplo, é em L'histoire des États brandebourgeois et prus-sien, ouvrage pour tous, recém-publicado, no qual podemos admirar as mais belas estruturas sintáxicas latinas.
Neste ínterim, o espírito de
oposição contra o formalismo do século das Luzes surgiu pouco a pouco;
reivindicou-se um ensino verdadeiramente humano, em concordância com o
reconhecimento dos direitos universais do homem. A maneira como os
Humanistas tinham agido, até então, mostrou vivamente a ausência de toda
instrução sólida que levasse em conta a realidade, e exigiu-se um
ensino terminal prático. Assim, todo Saber seria a vida, o Saber sendo
vivido, pois o Saber só é real em sua perfeição. Se dar lugar à
realidade nas escolas pudesse mostrar-se útil a todo o mundo, e
conseguisse ao mesmo tempo convencer a todos da necessidade dessa
preparação à vida, atraindo todos à escola, não mais se invejaria os
senhores instruídos por seus conhecimentos raros e as pessoas do povo
não seriam mais ignorantes. O realismo, que deve suplantar o
humanismo, tem por tarefa abolir o sacerdócio dos eruditos e o noviciato
do povo. Reduziu-se o domínio das formas clássicas da Antiguidade, e,
simultaneamente, a autoridade soberana perdeu sua auréola. O tempo combateu o respeito tradicionalmente creditado aos eruditos, como ele combate em geral toda espécie de respeito.
Era preciso que a vantagem essencial dos eruditos, a cultura geral,
pudesse beneficiar a todos. Podemos perguntar-nos, contudo, o que é a
cultura geral senão, em termos vulgares, a capacidade de "poder falar de
tudo", ou, mais seriamente, dominar qualquer assunto. Percebeu-se que a
escola estava em atraso com relação à vida, não apenas porque ela
mantinha-se afastada do povo, mas porque negligenciava a cultura geral
dos estudantes em proveito de urna cultura especializada, e porque
abstinha-se de desenvolver, em sala de aula, o estudo dos numerosos problemas que a vida nos impõe.
À escola, diz-se, deve reconciliar-nos efetivamente com a vida, e
preocupar-se bastante com ela para que os assuntos que um dia nos
interessarão não nos sejam totalmente estranhos, nem impossíveis de
compreender. Foi então com mais seriedade que tentaram familiarizar-nos
com as situações e com os acontecimentos atuais, e elaboraram programas
pedagógicos que deviam aplicar-se a todos, porque eles satisfariam a
necessidade, comum a todos os indivíduos, de conhecer seu lugar no mundo
e no século. Foi assim que os princípios fundamentais dos direitos do
homem tornaram-se vivos e reais nas esferas educativas: a igualdade, pois essa educação concernia a todos, e a liberdade, pois cada um aprendia a conhecer , suas próprias necessidades, o que o tornava independente e autônomo.
De qualquer modo, se ele assimila os aspectos positivos do Humanismo (nós não lhe contestamos a capacidade), por que o Realismo deve, apesar de tudo, perecer também? Ele pode certamente assimilar o que o Humanismo tem de inalienável e autêntico, a cultura formal, assimilação tanto mais fácil pelo método científico tornado possível e pelo tratamento racional de todas as matérias de ensino (a título de exemplo, chamo a atenção para a contribuição trazida por Becker à gramática alemã); esse aperfeiçoamento permite-lhe desalojar seu adversário de seu pedestal. Realismo e Humanismo têm uma mesma idéia-mãe, a saber-, que a educação tem por objetivo proporcionar ao homem a habilidade e ambos concordam em pensar que é preciso, por exemplo, conhecer a fundo todos os torneios idiomáticos e todas as finezas das demonstrações em matemática, e que é preciso, portanto, adquirir o domínio no manejo de uma matéria e dominá-la. Assim, também o próprio Realismo acabará inevitavelmente por tomar como objetivo último a formação do gosto e dará prioridade à atividade formal, como já é o caso, ao menos, em parte. Com efeito, no campo do ensino, todo assunto ensinado só tem valor na medida em que as crianças aprendem a dele tirar partido, a utilizá-lo. Sem dúvida, só se deve inculcar, como o desejam os realistas, o útil e o utilizável, mas não se deverá buscar a utilidade senão na mise en forme, na generalização, na exposição, e não se pode desprezar essa exigência humanista.