Imaginemos o melhor dos mundos. Fim da
desigualdade social, erradicação da pobreza, queda radical dos
homicídios dolosos, acesso a educação de qualidade, sistema de
transporte urbano eficiente e confortável, pleno emprego, moradia para
todos, bairros com rede de esgoto, serviço de atendimento hospitalar
elevado ao que é oferecido em países desenvolvidos, áreas de lazer
espalhadas pelas cidades, ruas bem cuidadas e belas, fim da poluição
urbana, erradicação de doenças transmissíveis, jornada de trabalho não
desumana, investimento na produção artística, progresso tecnológico,
avanço nos mais diversos campos de pesquisa. Acrescente o que você
quiser. Vá longe. Pense e responda: em que espécie de mundo viveríamos?
Um mundo em que as pessoas teriam tempo
para o amor, a literatura, a prática de um hobby, o contato com a
natureza, a busca pelo sentido da sua existência. Livres da batalha sem
trégua pela sobrevivência e da “guerra de todos contra todos”, os
cidadãos desse Brasil abençoado passariam a ter mais tempo para pensar.
Boa política é aquela que nos permite filosofar. Isso tem valor. “A vida
não examinada não é digna de ser vivida”.
O problema com esse colosso de país é o
tédio que poderia causar na vida dos seus cidadãos. Ter tempo para
pensar pode causar angústia, uma vez que remete o ser humano a
considerar a fragilidade de todas as coisas. A condição humana é
trágica.
A vida breve, cheia de incertezas e
penosa que todos vivemos carece de uma esperança que nenhum sistema de
governo pode oferecer. O Estado some quando estamos num leito de
hospital enfrentando o transe da morte. Ali, pouco nos importa viver num
modelo político de direita, esquerda ou centro. Locke, Rousseau,
Montesquieu, Adam Smith, Karl Marx, não têm mais o que nos comunicar.
Neste mundo não há consolação para aquele que se vê na iminência de ter
que se separar para sempre de tudo o que ama.
Mesmo assim, esse país de justiça,
igualdade, liberdade, fraternidade, paz, poderia fazer com que tantas
outras pessoas aprofundassem o que lhes trouxe esperança à vida. Porque
há daqueles que crêem que em Jesus Cristo o ser humano encontra muito
mais do que tudo quanto um dia sonhou. “Deus é poderoso para fazer
infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos conforme o seu
poder que opera em nós”, diz o grande apóstolo Paulo. Sendo assim,
esses que conheceram a razão para viver e morrer teriam mais tempo para
orar, ler as Escrituras, adorar a Deus na igreja, servir ao próximo,
anunciar o evangelho, amar, celebrar a vitória da ressurreição de Cristo
sobre a morte. O ócio santo. O tempo livre que permite ao ser humano
reflexionar sobre o Estado, a vida, o amor, a esperança, a liberdade,
com toda a alegria e espanto de quem descobriu o sentido da existência
do que foi criado.
Pelo quê o cristão luta, portanto, ao
combater a injustiça social? Luta, entre outras coisas, para que as
pessoas tenham tempo para pensar. Pensar no seu desespero ou pensar na
sua esperança.
Em suma, não podemos conceber deixar de
pregar o evangelho. É ele que nos dá o maior dos motivos para lutar pela
justiça social. Mais do que isso, é a esperança do cristianismo que nos
livra do tédio de viver num Estado no qual as condições sociais
permitem às pessoas examinar a vida. Como disse Pascal, “Nada pode ser
mais miserável do que se sentir intoleravelmente deprimido quando se é
forçado à introspecção por não haver meios de distração”.
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O Pastor Antonio Carlos Costa é Teólogo
calvinista e fundador do Rio de Paz (Filiado ao DPI da ONU), há meses
atrás teve o seu filho preso arbitrariamente nas manifestações do Rio de
Janeiro. Escreve no blog Palavra Plena. Divulgação: Púlpito Cristão.