"A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos
desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social,
proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da
igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com
igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real".
Ruy Barbosa
MITO DA IGUALDADE
Por Raphael M.S.
“A pior forma de
injustiça é tentar tornar iguais coisas desiguais” –
Aristóteles
Toda sociedade se estrutura
ao redor de Mitos fundadores. Mito não é, como pressupõe o
vulgar vernáculo racionalista, sinônimo de ‘mentira’. Não
é uma ‘mentira’ porque não é uma narrativa de um fato
histórico, e não sendo narrativa de um fato histórico não pode
ser dito nem ‘verdadeiro’, nem ‘falso’, a partir de uma
perspectiva historicista.
Um Mito é um continente
(no sentido de uma forma que contém um conteúdo, não no sentido
geográfico, obviamente…) de relações entre entes, dotado de
máxima significação por uma valoração realizada pela Vontade de
um Povo.
Um Mito é uma
representação simbólica do impulso fundador e condutor de uma
sociedade, justificando o surgimento daquela sociedade e
estabelecendo todas as pautas culturais, as quais a mesma deverá
obedecer em seu desenvolvimento.
O fato de não ser uma
narrativa de um fato histórico, porém, não isenta um Mito de ser
objeto de um juízo de ‘verdade’. Apenas altera o âmbito no qual
tal juízo deve ser realizado.
A ‘verdade’ de um Mito
está contida em sua capacidade de ‘afirmar a Vida’ do Povo no
seio do qual ele surgiu, ou seja, de promover a expansão e
fortalecimento das potencialidades criativas de um Povo e de sua
vitalidade.
Um Mito incapaz de afirmar
a Vida, ou que faça o contrário, é necessariamente
auto-contraditório e, portanto, falso.
O Mito, portanto, para ser
válido deve ser eminentemente realista enquanto Ideia. A negação
das verdades existenciais eternas do Homem, dos seus fundamentos
existenciais, constitui propriamente ‘negação da Vida’ e já
identifica intuitivamente um Mito como absolutamente falso.
Um Mito é uma realidade
simbólica eternamente presente em todas as sociedades,
independentemente de seu ‘nível tecnológico’, de seu ‘progresso
material’, ou de seu posicionamento frente à religiosidade.
Existirá tanto em tribos primitivas e supersticiosas quanto em
sociedades cientificistas e ateias.
Entre os muitos Mitos que
ocupam uma posição central nas sociedades ocidentais modernas, o
principal e o mais nefasto de todos é o Mito da Igualdade. Nenhum
outro Mito é mais fanaticamente defendido, e nenhum pode ser tão
ridiculamente falso e prejudicial às sociedades nas quais ele
virulentamente se instala, como este.
Esse Mito pode ser
formulado de duas maneiras. Ou ‘todos os Homens são iguais’, ou
então, ‘todos os Homens não são iguais, mas deveriam ser.’ A
primeira é simplesmente uma formulação míope e selvagem, a
segunda é uma formulação covarde dos que, tendo sido forçados a
reconhecer a surrealidade da crença na Igualdade, tentam salvar o
Mito transplantando-o retoricamente para o âmbito do ‘dever-ser’.
Esse afastamento metafísico
da Igualdade, que constitui verdadeira sacralização, possui o
interessante condão de nos revelar as autênticas origens desse
curioso Mito.
Tendo sido apresentado
‘filosoficamente’ ao Ocidente por meio da tradição iluminista,
a qual supostamente deveria ser superior à tradição medieval por
ser ‘racionalista’ e ‘ateia’, o Mito de Igualdade parece
possuir algum tipo de ‘aura de respeitabilidade’, como se o fato
desse Mito se originar de uma tradição racionalista o tornasse
‘real’, ou ‘mais real’.
O Mito da Igualdade,
desconhecido na Antiguidade, está originariamente enraizado, porém,
exatamente na tradição teológica da cristandade medieval e são
exatamente as ciências empíricas as fontes dos principais
‘embaraços’ constrangedores dos seguidores dessa teologia
contemporânea. Aparentemente, os iluministas e todos os seus
herdeiros simplesmente rejeitaram aquilo que há de mais acessório
no Cristianismo, a crença em Deus, permanecendo profundamente
supersticiosos e cristãos em tudo aquilo que é filosoficamente
relevante.
Constantemente, porém,
nós somos colocados frente à realidade da profunda e radical
desigualdade entre todos os homens em suas aptidões, e com o
‘problema’ de que, inevitavelmente, haja homens mais capazes do
que outros.
Não digo apenas homens
capazes em certa atividade, e outros homens capazes em outras, mas
sim homens absolutamente mais capazes do que muitos outros em todas
as áreas. Poucos exemplos são tão simples e claros, como o da
criança que consegue notas excelentes sem estudar, enquanto seu
colega se esforça profundamente em seus estudos conseguindo no
máximo apenas resultados medianos.
Como subterfúgio covarde,
os igualitários então são obrigados a recorrer a uma variação da
‘igualdade metafísica’ da teologia cristã. Segundo a teologia
cristã, os homens são ‘iguais diante de Deus’, possuem
exatamente ‘almas idênticas’, e, portanto, todas as diferenças
entre os homens são apenas contingentes, relativas e efêmeras. Os
homens seriam iguais no Paraíso, na Eternidade.
Analogamente, os
igualitários que reconhecem a desigualdade natural entre os homens,
afirmam que por sua vez existe algum nebuloso tipo de ‘igualdade
moral’, que reside em algum ‘plano abstrato’ e, por isso, os
homens deveriam ser ‘tratados’ com igualdade, formulações
metafísicas estas que eles são incapazes de explicar e justificar.
Em verdade, dificilmente alguém verá um (pseudo) filósofo ou
pensador igualitário até mesmo se dispor a justificar suas crenças.
Nem Rousseau, nem qualquer dos iluministas fizeram algo similar, para
além de balbuciarem algumas semi-explicações insatisfatórias.
Em geral, tais
justificativas tentam se apoiar na noção de uma ‘Razão’ como
faculdade abstrata e universal. Ocorre que a tal ‘Razão’ como
faculdade abstrata tampouco existe. O que existe é a ‘Razão’
como instrumento cognitivo prático, a qual é tão universal aos
homens quanto sua ‘Altura’. Todos possuem alguma ‘Altura’.
Também, todos possuem algo como uma ‘Razão’. Porém, assim como
os homens possuem alturas variáveis, a qualidade desse instrumento
cognitivo chamado ‘Razão’, também é absolutamente individual e
variável entre os homens.
Não há, portanto,
qualquer parâmetro possível para um estabelecimento de uma
Igualdade entre os homens, a não ser recorrendo-se às superstições
teológicas. Repetindo mais claramente: A Igualdade é uma mentira,
uma farsa, um engodo, uma trapaça, uma tramoia. Não possui
qualquer fundamento real, jamais teve, nem jamais poderá ter. Quem
crê na ‘Igualdade’, ou está fingindo, ou simplesmente sofre de
dissonância cognitiva. As sociedades modernas estão, então,
fundadas numa farsa e são, consequentemente, eminentemente
decadentes e filosoficamente ‘más’.
A ‘Igualdade’ é uma
impossibilidade ontológica. Um ente é ele mesmo por conta de suas
características individuais. Eu sou ‘eu’, por conta daquilo que
me diferencia de tudo que é ‘não-Eu’.
Toda a multiplicidade de
entes se realiza como multiplicidade pela Diferença, pela
Individualidade. Assim, retirando-se os elementos individuais, a
‘Diferença’, que é o meio de alcançarmos a ‘Igualdade’, a
partir do momento que tivermos dois entes idênticos, não teremos
mais dois entes, mas apenas um.
Se a Diferenciação é o
que gera a multiplicidade de entes, ou seja, aquilo a que chamamos
‘Universo’, ‘Realidade’, a desconstrução das diferenças
entre os entes só pode ser vista como uma tentativa de se engajar em
um processo de destruição do Universo. O ‘Igualitarismo’, é
uma teologia ‘Anti-Vida’, uma teologia da destruição.
Não possuindo base
natural, ou seja, real, o Mito da Igualdade só pode se sustentar por
meio da coação oficial do Estado, ou por meio das formas difusas de
coação, originadas da infraestrutura social, principalmente dos
meios de comunicação e da educação. A principal demência
derivada do Mito da Igualdade consiste exatamente na crença de que
‘se não há igualdade, isso é um erro, pois deveria haver’, e
agir com base nesse preceito teológico, sustentando e tentando impor
a ‘Igualdade’ frente a uma Realidade indiferente e hostil aos
retardos supersticiosos dos homens.
‘Se não há igualdade,
deveria haver’. Por quê? Por quê deveria haver igualdade? De onde
se pode retirar a legitimidade para se estabelecer como Juiz da
Natureza? Não se pode. Isso não existe onde há qualquer tipo de
reflexão autêntica. E como se pode derivar um ‘dever ser’, de
um ‘não ser’? Não se pode. Não há qualquer elo de
necessidade, seja lógico, ontológico ou existencial, entre esses
dois juízos.
Inevitavelmente, a única
fundação possível, a única fonte de legitimidade para esse juízo
falso, é novamente a teologia cristã, a superstição bárbara. Se
os homens possuem uma ‘essência’ igual.
Se todos os homens são
iguais em um plano abstrato, seja teológico, seja racional, então
se deve fazer o possível para atualizar essa potência igualitária
metafísica na realidade, como se estivesse a criar um ‘Paraíso na
Terra’, como se quisesse promover a materialização da ‘Jerusalém
Celeste’.
Vê-se, portanto, que o
‘Mito da Igualdade’ possui fortes características messiânicas e
escatológicas, principalmente por estar intimamente associado a
outro Mito, o do ‘Progresso’.
As consequências sociais
dessa teologia anti-humana são evidentes. Todos os entes só podem
ser aquilo que são, e nada mais. Sendo as diferenças entre os entes
ontológicas e essenciais, qualquer tentativa de se gerar igualdade
só pode ser efetuada nos entes que se diferenciam nos graus de uma
mesma qualidade.
Ocorre, porém, que o que é
inferior em grau em uma certa característica, não pode se elevar
para além dos limites da própria capacidade. Ao contrário, o que é
superior em grau, pode se rebaixar, pois já guarda consigo, a
priori, todas as gradações que lhe são inferiores.
Isso significa basicamente
que todo processo de equalização se realiza exclusivamente mediante
uma ‘nivelação por baixo’, por uma mediocrização imposta ao
que é superior, para que ele se aproxime do que é inferior.
Pensemos um cavalo de
corrida e um ‘burrico’. Queremos torná-los iguais. ‘É injusto
que o cavalo de corrida possa correr mais que o burrico! O burrico
não merece isso!’. Que faremos então?
Poderemos tentar ‘educar’
o burrico a correr como um cavalo de corrida.
Logo perceberemos, porém,
que isso é impossível.
O ‘burrico’ poderá
correr um pouco mais do que já corre, mas apenas dentro das
limitações já contidas nas próprias potencialidades dele mesmo.
Se ao invés de nesse
momento percebermos que a ‘Igualdade’ é um engodo e resolvermos
sabiamente que o cavalo de corrida e o ‘burrico’ devem ser
utilizados naquilo que cada um tem de seu, ao invés de equalizados,
quisermos continuar nesse projeto igualitário demente, qual será a opção
restante? Aleijar o cavalo de corrida. Apenas assim será conquistada
a Igualdade.
Parece, porém, que a
maioria das pessoas crê em algo que não só é impossível, como
também prejudicial para a sociedade. As razões para essa crença
são duas apenas.
A primeira é a soma do
ressentimento e da inveja daqueles que enxergam a si mesmos como
incapazes frente a semelhantes mais afortunados. O desejo pela
‘Igualdade’ nesse caso não passa de manifestação de um
medíocre sentimento vingativo.
A segunda, o desejo por
‘Igualdade’ dos que não são incapazes, surge a partir de um
autodestrutivo senso de ‘piedade’, e de uma deficiência mental,
uma ‘dissonância cognitiva’.
Inevitavelmente, esse Mito
levará o Ocidente à ruína. Será uma ruína merecida, porém.
Restará, para os que sobrarem, a missão de construir uma nova
civilização sobre fundações mais sólidas.
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