Fé, Ideologia e Impiedade

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Por Jairo da Matta
Frequentemente me deparo com artigos que, independente da pertinência de seu teor bíblico, da fidelidade com o Evangelho e a coerência de princípios cristãos, escorregam em banais e desnecessárias acusações ideológicas.  Com a preocupação, talvez, de desqualificar o oponente, para além da interpretação e a refutação dos argumentos destes, buscam identificar no espectro ideológico o posicionamento de seu autor como um atributo característico de sua pessoa.

Via de regra, dentre outros rótulos demarcadores de estigma, estes são classificados na consigna de “esquerdistas”. Ora, desconheço esta categoria entre os escritos bíblicos ou de teologia. Sua origem é histórica e política, datando de 1789, na França, à época em que os Estados Gerais foram transformados em Assembleia Nacional Constituinte, quando os deputados, representantes do clero e da nobreza, favoráveis ao rei, ocuparam os lugares à direita da sala e os contrários a suas prerrogativas sentaram-se à esquerda. Desde então se consagrou a dicotomia entre os favoráveis a manutenção do status quo (direita) e os partidários das mudanças (esquerda).

Sendo os dois conceitos, esquerda e direita, sempre relativos a alguma coisa, diante da qual se toma posição, tem-se por referência a possibilidade de mantê-la tal qual ela é (direita) ou de muda-la em outra coisa (esquerda). A bem da verdade, em se tratando da política mais contemporânea, pode-se complicar um pouco mais as coisas, com a utilização do conceito de “reação”, que é um movimento – e até uma mudança – no sentido de preservar as coisas como são, ou retorná-las ao modo em que eram antes.

De qualquer forma, politicamente, remetendo-nos aos partidos existentes em Israel, à época de Cristo, Saduceus, Herodianos e Fariseus compunham a direita e os Zelotes, opositores ao regime, situavam-se a esquerda da estrutura de poder constituída por Roma. O Senhor contou em sua caminhada tanto com pessoas ligadas ao status quo, Mateus (Publicano), como ao extremo oposto, Simão, conhecido como o Zelote. E Jesus veio para mudar, para transformar o homem: "se alguém está em Cristo nova criatura é, as coisas velhas já passaram e eis que tudo se fez novo" (2 Corintios 5;17).

Embora longe de ser um defensor do estado de coisas na Israel sob o domínio romano e considerando-se sua militante atuação na transformação do homem, classificar Jesus como um esquerdista de seus dias seria no mínimo um crasso equívoco. Ele se situava – e se situa – fora do espectro político de seu tempo – e do atual, inclusive. A política é ação humana; a ação divina é a Redenção: “dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt. 22.17-21). A política está no campo do devir humano, a Redenção no fruir da Eternidade. 

A mistura entre política e religião é sempre explosiva e são abundantes os exemplos históricos que o comprovam. Confundir discursos, bíblico e político, ideologizando a fé, além de pernicioso é perigoso. Leva a enganos históricos que vão desde a Teologia da Libertação até aos obscuros e, por vezes, obscenos acordos e manipulações protagonizados pelas pretensas bancadas evangélicas, no nosso caso e, em outras situações, suscita guerras e genocídios até. 

O que importa é que tudo isto, à direita e à esquerda, coloca-se no campo do agir humano, necessariamente, limitado e equívoco.  Falar das coisas de Deus não se iguala a isto. Estar à direita do Senhor é ocupar um lugar metafórico, privilegiado ao Seu lado. Não é possível colocar-se em um ponto relativo com referência a um Absoluto, como Deus. Nesse sentido, posso afirmar que não há “esquerdismos” ou “direitismos” teológicos, ou doutrinários, porém enganos e distorções, que devem e precisam ser combatidas, independente do espectro político e, por isso, humano onde seu autor possa estar situado.

É importante sempre lembrarmos as sábias palavras de John Newton, ao aconselhar um pastor que participava de uma contenda doutrinária: “O Senhor tolera igualmente a você e espera que demonstre ternura para com os outros, motivado pelo senso de perdão de que você mesmo tanto necessita”. No mesmo texto, mais adiante ele arremata: “se você o considera uma pessoa não convertida, em um estado de inimizade contra Deus e a graça d’Ele, ele é mais um objeto de sua compaixão do que de sua ira”

Qualificar as verdades não significa desqualificar as pessoas, muitas vezes utilizando nossos próprios preconceitos. Não é demais lembrar que Deus não faz acepção de pessoas, pois somos alertados através do apóstolo para o fato de que “como crentes em nosso glorioso Senhor Jesus Cristo, não faça(mos) diferença entre as pessoas, tratando-as com parcialidade” (Tg. 2;1). Isto vale para ricos e pobres, poderosos e despossuídos, mas, também, para “esquerdistas” e “direitistas”.
- Sobre o autor: Jairo da Matta tem 60 anos, é cristão batizado na Igreja Presbiteriana de Botafogo-RJ, atualmente congregando na Comunidade Cristã S8 também no Rio, Sociólogo de formação, trabalha no Instituto Nacional de Câncer.
Artigo enviado por e-mail ao Blog Bereianos
Divulgação: Bereianos

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