Os Complexos na Psicologia Analítica de Jung

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É até bastante comum ouvirmos de profissionais que utilizam como abordagem terapêutica a Psicologia Analítica, que a clínica Junguiana é a “clínica  dos complexos”, ou seja, o trabalho, manejo e até mesmo as ferramentas, por assim dizer, são os próprios complexos. Como o próprio nome nos revela, os complexos são espécies de conglomerados de conteúdos psíquicos temáticos construídos a partir de tonalidades ideo-afetivas, ou seja, a partir do valor afetivo – “positivo” ou “negativo” – atribuído ao conteúdo. São imagens, perspectivas próprias, um modo de conceber um dado conteúdo da realidade psíquica numa distorção própria da equação pessoal, isto é, da personalidade que contém o complexo. Pelo menos, assim o é no nível dos complexos pessoais.

Todos nascemos e somos cuidados, alimentados, nutridos, física e simbolicamente. Temos todos, portanto, um complexo materno, posto que a experiência com o materno é um dado arquetípico, comum a toda a espécie. Importante salientar que a função arquetípica não pode ser dividida rigidamente pelo gênero, portanto, um homem também cumpre uma função materna, ao passo que uma mulher também cumpre a função paterna. Podemos até mesmo encontrar casos em que o complexo, seja ele qual for, acaba sendo construído em torno de algo mais impessoal, uma instituição, como por exemplo, os Alcoólicos Anônimos. O arquétipo é a forma da experiência, o contorno sem o preenchimento vivencial das próprias experiências que criam as ideias e afetos e que atualizam os arquétipos. Um complexo é a atualização arquetípica da experiência, ou seja, uma elaboração de experiências em torno de um centro arquetípico temático.

O ego, segundo a psicologia analítica, é na maioria das vezes, o centro da consciência, isto porque consegue distribuir a energia psíquica para objetivos específicos de acordo com a vontade. O assunto começa a ganhar mais complexidade quando afirmamos que o Eu – ego – não é o senhor de sua morada. O Eu não é a totalidade psíquica justamente porque é, também, um complexo de tonalidade afetiva, uma das várias “personalidades” autônomas que habitam a psique individual. Uma das características interessantes do complexo, é que dificilmente o indivíduo se vê quando é possuído por eles, enquanto fica nítido para o outro que há um complexo latente à tona. Quantos de nós não conhecemos pessoas que acabaram cometendo atos, dos mais simples ao mais surpreendentes e aterrorizantes, que não correspondiam ao funcionamento ‘normal’ dos seus respectivos ‘Eus’? Até nós mesmos. Principalmente nós mesmos. Passado um momento conturbado, de grande emotividade, paramos e pensamos: “Como pude fazer isso?”, “Alguma coisa me tomou, não era eu”. E de fato, não somos nós, ou pelo menos não o centro da consciência.

Tomemos como exemplo uma experiência compartilhada entre todos da espécie, mas que se desenvolve de forma muito particular: todos nós nascemos dependentes, frágeis, impotentes e inferiores, ao menos em capacidade de exercer a vontade. Se todos nós passamos por uma fase assim, ela tendo mudado completamente em direção a seu oposto, ou se arrastando por infindáveis anos, atesta a condição arquetípica desta experiência. A experiência arquetípica, portanto, é narrada a partir dos conteúdos da história pessoal do indivíduo. O complexo de inferioridade, especificamente, possui características típicas, experiências e sentimentos que perpassam a história de vida de todo ser humano, tais como: auto depreciação, baixa auto estima, falta de engajamento, medo, entre outros. Mesmo assim, a forma como ela se manifesta, o ambiente físico e psíquico, os participantes, a época, o conteúdo da manifestação, entre outros, variam de pessoa para pessoa.

O conteúdo do complexo, continuando o exemplo acima, é construído a partir dos símbolos que constituem a instância psíquica. A imagem psíquica, isto é, a forma de se ver, acaba sendo composta por elementos simbólicos que transcrevem esta atividade autônoma. E, inevitavelmente, um complexo que possua uma grande carga emocional, acabará por influenciar ou até mesmo tomar o lugar do Ego, de centro regulador da vontade. As próprias construções sentimentais, atribuição de valor, de pensamento, tentar chegar à ‘coisa em si’, e as sensações e intuições, aspectos perceptivos da psique, acabam por serem moldados mediante as imagens simbólicas dos complexos. A experiência de incapacidade, inferioridade, dependência, dão corpo ao núcleo arquetípico desta inferioridade. Seu desdobramento, porém, pode acabar levando desde uma crônica baixa autoestima, como a um movimento compensatório, complexo de superioridade. O espectro entre as duas possibilidades aqui apresentadas, não é um vácuo, portanto, não estamos falando de um ou outro, ou mesmo de um e outro apenas. Tanto a inferioridade existe na superioridade, quanto o contrário, bem como os matizes entre eles são infinitos, dados os contrastes específicos da ontogênese.

O que é o complexo de Édipo, se não uma elaboração pessoal de um drama arquetípico contido num mito? Analisando a narrativa edípica, quantas pessoas não procuram em seus conjugues características originárias da relação com o materno ou paterno? Existem infinitos complexos, tal qual infinitos arquétipos.

O arquétipo possui um caráter filogenético, o complexo possui um caráter ontogenético, a medida em que é composto também pela história pessoal do indivíduo. Enquanto o arquétipo diz respeito a essência, forma, o complexo abarca a experiência individual vivida a partir dessa essência, o conteúdo que preenche a forma. Sendo assim, o núcleo de um complexo é um arquétipo. Como exemplo, o Complexo Materno possui como núcleo o Arquétipo Materno. Enquanto o Arquétipo Materno diz respeito à potencialidade impessoal de experiências com o materno, o complexo diz respeito à experiência e vivência pessoal com o materno.

Por se tratarem de conglomerados que possuem carga energética ideo afetiva, os complexos estão sempre interagindo com outros complexos. O complexo paterno, por exemplo, em sua manifestação, acaba remetendo também ao complexo materno, e outros mais. Isso é de extrema importância, pois, no senso comum, – com muita influência do cartesianismo -, tendemos a compreender fatos isolados,  o que não é um problema a nível didático, porém, não abarca a complexidade e o dinamismo psíquico. Por esta característica de atratividade dos complexos, tocar em um fator gatilho para a manifestação desses últimos é algo um tanto quanto perigoso. Quando constelados, o Ego possui uma tendência a generalizá-los. Tocar em uma ferida, pode, e vai, tocar em outras feridas. Quanto maior a interação neurótica com o complexo, maior a autonomia do mesmo em nossos comportamentos, julgamentos e percepções.

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