Amigos, a maior parte das pessoas
que são pelo menos ponderadas desejam descobrir se há alguma coisa que
seja mais duradoura, na qual a vida seja mais plena, completa, e
descrevem essa realidade como Deus, a verdade, ou a própria vida. Ora,
para mim, existe uma realidade assim; uma coisa que é duradoura,
completa, eterna, mas como tenho estado a dizer nas minhas duas últimas
palestras, a própria busca da verdade nega-a, porque essa realidade é
para ser uma descoberta, não para ser seguida. Espero que vejam a
diferença. Se forem atrás da verdade, dessa realidade, têm que saber o
que é, têm que ter uma ideia pré-concebida, mas se a começarem a
descobrir, então essa descoberta é real e não a procura da verdade,
portanto quero na minha breve palestra desta manhã ajudá-los antes a
descobri-la, e não a segui-la.
Em primeiro lugar a verdade, ou
essa realidade, não é para ser encontrada correndo atrás dela, porque
quando procuramos alguma coisa isso indica que a nossa mente, todo o
nosso ser está a tentar evadir-se desse conflito em que mente e o
coração estão aprisionados. Ao passo que, se nos tornarmos conscientes,
conscientes dos muitos obstáculos que criamos através do medo, e então
libertarmos a mente desse medo, desses obstáculos, descobriremos o que é
a vida eterna. Isto é, em vez de tentar descobrir o que é a verdade,
descubramos quais são os obstáculos que criamos através do medo, e
compreendendo a causa do medo e os seus muitos obstáculos descobriremos
então o que é essa coisa que é indescritível.
Não adianta falar sobre liberdade
a um prisioneiro, a um homem que está preso; ele saberá o que é a
liberdade no momento em que sair da prisão. Mas a maior parte de nós
está desejosa de descobrir o que é a liberdade antes de estar consciente
do que são as prisões; e enquanto estivermos apenas à procura de
liberdade, da realidade, da riqueza da vida, não podemos compreender,
ela tem que ser imaginativa, irreal, conformada a partir de uma mente
limitada e intencional. Ao passo que, se pudermos descobrir quais são as
paredes da prisão que encerram a mente e o coração, e depois libertar a
mente dos seus obstáculos, com toda a certeza, então, seremos capazes
de descobrir aquilo que é.
Portanto quais são os obstáculos
que criamos? Não é em primeiro lugar a autoridade nascida do medo? A
mente é aprisionada por uma qualquer autoridade; conduzida, conformada,
moldada por uma qualquer autoridade externa, seja uma autoridade
religiosa ou social, ou então vocês desenvolveram uma autoridade
interna. Sabem, em primeiro lugar aceita-se a autoridade externa, a da
religião, a de um professor, a de um sistema social; e depois pensamos
que rejeitamos essa autoridade externa, e desenvolvemos uma autoridade
interna, uma lei interna, que é somente a reação da externa. Isto é, em
vez de descobrirmos qual é a autoridade externa que estabelecemos para
ser nossa guia, rejeitamo-la e pensamos que temos que descobrir uma lei
para nós próprios, individualmente, e assim viver de acordo com essa
lei. Isso é o que a maior parte das pessoas faz. Há uma autoridade
externa, objetiva, que rejeitam ou compreendem, e desenvolvem uma
autoridade interna, uma autoridade subjectiva.
Ora, para mim, a autoridade, seja
objectiva ou subjectiva, é a mesma coisa, porque autoridade implica uma
conformação, uma imitação, um controlo, um condicionamento, seja
imposto externamente ou pelo esforço e exercício internos. Portanto,
isso, para mim, é o primeiro obstáculo. Um homem que compreende não
precisa de autoridade. Só existe a percepção, e essa percepção não
requer a imitação da autoridade. Espero que entendam isto. Em primeiro
lugar é-se escravo de uma autoridade social, de uma autoridade
religiosa, e gradualmente vocês desenvolvem pelo conflito, pelo
dissabor, aquilo a que chamam uma autoridade subjectiva, e dizem, “É a
minha compreensão. Tenho que obedecer a essa lei que descobri por mim
mesmo.” Enquanto a mente for apenas o instrumento de obediência, por
certo que uma mente assim não pode compreender. A compreensão é
percepção, não uma imposição, seja externamente ou internamente.
Mais uma vez, repetindo a mesma
coisa de forma diferente, nós temos ideais externos que nos são impostos
através da educação, através da política, através da influência social,
do meio. Depois sentimos que nos confinam, que são limitativos,
controladores, dominadores, que usurpam o nosso pensamento individual,
portanto desenvolvemos os nossos próprios ideais – pensamos que
desenvolvemos os nossos próprios ideais, crenças, aos quais tentamos
conformar-nos. Foi isso que fizemos; rejeitamos o externo e estamos a
obedecer a um ideal interno que estabelecemos para nós próprios, e
pensamos que fizemos um tremendo progresso. O que fizemos foi apenas
rejeitar o externo, estabelecer as nossas próprias crenças, e estamos a
tentar imitar, a tentar seguir essas crenças. Ora esta ideia de
seguimento, de imitação, de ser orientado, controlado, dominado, é, para
mim, precisamente o primeiro obstáculo que impede a percepção clara de
qualquer experiência, ou aquela realização em perfeita compreensão,
porque toda a nossa mente, quando está a obedecer, a ser controlada, é
dominada pela ideia de obtenção. Pensamos na sabedoria, na compreensão,
na plenitude, em termos de acumulação, não como uma infinita
flexibilidade, e por isso, eterna. Aquilo que é flexível é duradouro,
mas aquilo que está sobrecarregado, o resultado de muitas, muitas
acumulações, e por isso susceptível de resistência, é transitório e não
pode compreender.
Receio ver pelas vossas caras que
há pouca compreensão do que estou a dizer. Esperem um momento,
senhores; receio que ouvindo uma ou duas palestras não vão compreender o
que estou a dizer. O que ocasiona a compreensão não é escutar, apenas
escutar, mas antes tentar realizar na ação.
Portanto pondo as coisas de forma
diferente, a mente e o coração são o resultado do meio, e então o vosso
meio controla a maneira como pensam e a maneira como sentem. Não digam:
“Isso é tudo – mente? Tem que haver mais qualquer coisa, qualquer coisa
que seja mais duradoura.” Eu disse que para descobrir isso, vamos
começar pelas coisas que conhecemos, e pelo princípio – não a partir de
uma coisa misteriosa que não conhecemos, sobre a qual podemos apenas
romancear. Portanto a mente e o coração, pensamento e sentimento, são o
resultado do meio, e enquanto forem escravos desse meio, não pode haver
compreensão; não podem pois dominar o meio, e dominar o meio é
compreendê-lo.
Isto é, o meio é afinal o sistema
social e esse sistema a que chamamos religião, feito de muitas
doutrinas, crenças, dogmas, inúmeros preconceitos, e a mente é escrava
desse meio. Por exemplo, se dependerem da mente para a vossa
subsistência, como a maior parte das pessoas depende, como toda a gente
tem que depender, vocês são controlados em grande parte pelas crenças
que sustentam. Suponham que são Católicos Romanos, e querem encontrar um
trabalho num local Protestante, ou se são Protestantes, querem
encontrar um trabalho numa instituição ou num escritório Católico
Romano; se eles descobrirem as vossas crenças, poderá não ser muito
fácil encontrar um trabalho, portanto vocês põem as vossas crenças de
lado ou aceitam momentaneamente o que os outros dizem, porque desejam
ganhar dinheiro, porque têm que ter dinheiro. Através do meio externo,
mentalmente, vocês estão sob controlo, portanto as vossas crenças são
apenas o resultado do meio, são condicionadas pelo meio; e enquanto não
deitarem abaixo o falso meio da sociedade e da religião, as vossas
crenças e os vossos ideais não têm valor, porque são apenas o resultado
do meio nascido do medo.
Portanto para compreender isso
que é duradouro, eterno, tem que haver conflito entre o indivíduo e o
meio, e somente nesse conflito podem trespassar as paredes da limitação.
Aceitamos irrefletidamente ou inconscientemente tantas condições
impostas pela sociedade ou pela religião, aceitamo-las como sendo
verdadeiras. Tradicionalmente a nossa mente é conduzida a um molde, e
nós inconscientemente aceitamos essas coisas, e por isso somos escravos
delas; e é somente pelo questionamento contínuo, pela consciência
constante, que podemos libertar a mente do meio, e por consequência ser
senhores do meio.
Pergunta: A virtude
não parece ser uma característica proeminente nos seus ensinamentos.
Porquê? A vida virtuosa tem um papel tão pequeno assim na realização da
verdade?
Krishnamurti: O que
quer dizer com virtude? Com virtude quer referir-se a um contraste ao
vício? Isto é, chama à coragem, à bravura, uma virtude em contraste com o
medo? Em primeiro lugar, tem-se medo, e você acha que tem que
desenvolver a ideia de coragem, e portanto procura a coragem; isto é,
está fugir do medo, e a este processo de fugir de medo chama-lhe
bravura, coragem, que se torna virtude. Para mim, um homem que procura a
virtude já não é virtuoso; ao passo que, se começar a descobrir o que
causa o medo, não a encobri-lo pela ideia do que você pensa que é a
coragem, mas tentar descobrir qual é a causa fundamental do medo, então
nessa descoberta da causa você não é nem corajoso nem temeroso, está
livre de ambos os opostos.
Afinal, a virtude é apenas o
resultado de um falso meio, não é? Para resistir ao meio, vocês têm que
ter, hoje em dia, um grande carácter. Pelo menos é a isso que chamam
carácter. Isto é, a sociedade criou, ou antes nós ajudamos a criar uma
sociedade na qual ser não-possessivo é considerado uma grande virtude.
Não é? Estabelecemos uma sociedade onde a possessividade indica uma luta
constante com o próximo, consciente ou inconscientemente, uma batalha
constante, assertividade, um contínuo eliminar de outros; e chamam a um
homem que não quer fazer isso virtuoso, nobre. Para mim isso nada tem a
ver com nobreza ou virtude. Se o meio for alterado, se as condições
sociais forem alteradas, então ser possessivo ou não-possessivo é a
mesma coisa, então não chamam á possessividade nem uma virtude nem uma
coisa má. Ao passo que, tal como a sociedade está constituída,
afastar-se destes falsos padrões é considerado ou uma virtude ou um
pecado. Mas se começarmos a alterar o meio em a mente e o coração estão
presos, então toda esta ideia de virtude e pecado têm um significado
totalmente diferente; porque, para mim, a virtude não é para ser
procurada, para ser obtida, para ser possuída, ou o pecado para ser
execrado ou para se fugir dele – seja o que for que signifique pecado.
Portanto para mim, viver
naturalmente exige muita inteligência, não uma vida brutal, selvagem,
irrefletida, uma vida primitiva – não me refiro a isso quando uso a
palavra “naturalmente”. Só podem viver uma vida natural, plena,
espontânea, criativa, inteligente quando compreenderem os falsos padrões
e os verdadeiros padrões da sociedade e se tiverem separado deles
porque compreenderam o seu significado; em consequência, já não estão
limitados por esta procura do oposto a que chamamos virtude.
Colocando a questão com
brevidade, quando têm medo procuram coragem, e chamamos a essa coragem
virtude; mas, realmente, o que estão a fazer? Estão a fugir do medo.
Estão a tentar encobrir o medo com uma ideia a que chamam coragem, mas o
medo continuará a existir e a mostrar-se em diferentes formas; ao passo
que, se tentarem descobrir qual é a causa fundamental do medo, então a
mente não é aprisionada no conflito dos opostos.
Pergunta: Acha que o
método da psicoanálise, trazer os motivos da mente inconsciente ao
conhecimento do consciente, ajudará o indivíduo a libertar a mente dos
complexos e das ânsias primitivas e egotistas, e assim permitirá que o
seu pensamento o leve a essa felicidade de que fala?
Krishnamurti: Isto
é, a mente tem muitos complexos, e a questão é se pode libertar a mente
deles pela auto-análise. Não é essa a questão? A mente e o coração têm
muitos bloqueios, obstáculos a que chamamos complexos – inconscientes,
escondidos. Podemos libertá-los; podemos extirpá-los através de
processos de auto-análise, e em consequência libertar a mente da sua
opinião egotista e limitada?
Receio que tenham que acompanhar
isto um pouco cuidadosamente, porque pode ser a primeira vez que ouvem
isto, e podem achá-lo bastante complicado, mas não é. Para mim, a mente
só se pode libertar desses obstáculos em plena consciência, quando todo o
vosso ser está ativo, consciente. Ora, no processo da auto-análise, o
vosso ser total não está a funcionar; somente essa parte de vocês a que
chamam mente, pensamento, intelecto. Com essa única parte da mente
tentam descobrir os complexos escondidos; enquanto que, digo eu, só
podem trazer esses obstáculos escondidos para a ação consciente e plena,
quando estiverem plenamente conscientes no presente.
Colocarei a questão de maneira
diferente. Ora suponham que têm um complexo de snobismo. Muita gente o
tem. Como vão descobrir? Descobrir, para mim, não reside neste processo
de auto-análise; isto é, examinar intelectualmente as ações que tiveram
lugar, e assim descobrir esta ideia de snobismo. Em primeiro lugar,
vocês querem descobrir se são snobes ou não. Não querem alterar isso,
mas sim descobrir, não é? Esperem um momento, por favor. Acompanhem
isto. Quando o descobrem, então agirão de uma maneira ou de outra. Em
primeiro lugar, têm que descobrir se são snobes, portanto, como vamos
descobri-lo? Somente quando tiverem plena consciência, quando estiverem
completamente conscientes do que estão a dizer e a sentir no momento de o
dizer e de o sentir – não depois que o tenham dito ou sentido. Não é
assim? Isto é, se estiverem completamente conscientes do que estão a
dizer e do que estão a pensar, então nessa total consciência descobrirão
por vocês próprios se são snobes ou não; não sentando-se e analisando o
acontecimento intelectualmente. Sei que estão a surgir daqui inúmeras
questões, mas não posso respondê-las todas. Mas se pensarem nisso, verão
que desta maneira, estando continuamente alerta, totalmente conscientes
do que estão a fazer, trarão o inconsciente, o escondido à consciência
total, e assim criarão a perturbação que é necessária, e por intermédio
dessa perturbação libertarão a mente desse complexo, desse obstáculo.
Pergunta: Parece considerar a persecução de ideais como uma evasão da vida. Não há uma essência da verdade nos ideais mais elevados?
Krishnamurti: Porque
querem ideais? Não digo que não sejam verdades; mas porque os querem?
Dizemos que precisamos deles porque não podemos, sem um padrão, uma
medida, um ideal, orientar as nossas vidas através das batalhas e lutas
constantes da vida. Não é isso? Portanto queremos um padrão, uma medição
contínua pela qual julgar as nossas ações na vida diária. O que é que
isso indica? Indica que estamos mais interessados no ideal, na medição,
que nos conflitos, nas lutas, nos sofrimentos que nos confrontam.
Portanto, como são tão grandes, tão contraditórias, tão imensas, estas
lutas, estabelecemos ideais como um meio de nos evadirmos deles. Ao
passo que, para mim, para compreender o conflito, os infortúnios, os
sofrimentos, a mente tem que estar livre para os compreender como eles
são, não com uma medida, não com um padrão. Certamente que, quando estão
realmente em grande conflito, em grande sofrimento, nesse momento não
estão a pensar no ideal, no que deveriam ou não fazer. Estão tão
consumidos pelo sofrimento que querem descobrir. Então não estão à
procura de um ideal que os faça sair disso. É somente quando o
sofrimento diminui, quando se acalma, que se voltam para um ideal que os
ajude a sair desse sofrimento.
Para mim, todos os ideais têm que
ser um meio de alívio do sofrimento, e, por isso, não podem
explicar-lhes a razão do sofrimento. Imaginem uma pessoa típica, e verão
que tem inúmeros ideais, crenças, e tenta viver durante todo o dia de
acordo com eles, se é que pensa nisso; portanto ela faz da vida uma
batalha contínua entre o que são factos e o que ela quer ser. Agora, se
ela perceber, essencialmente, o que são os factos, e reconhecer o seu
significado, então descobrirá a própria raiz do consolo, e em
consequência liberta-se destes falsos padrões, destas falsas medidas,
que estão continuamente a tentar conformar a sua mente a um padrão
específico.
Pergunta: Acredita no Comunismo, conforme compreendido pelas massas?
Krishnamurti: Não sei o
que as massas compreendem, portanto não o posso explicar. Então o que é
isso, afinal? Vamos olhar para isso, não do ponto de vista de qualquer
“ismo”, mas do ponto de vista da condição humana comum. Como pode
existir verdadeira compreensão dos povos quando se consideram Novo
Zelandeses, e eu me considero um Hindu? Como podemos contactar uns com
os outros? Como pode haver uma relação vital entre nós, uma compreensão
humana entre nós? Ou, se nos dividirmos por rótulos, vocês
denominando-se Cristãos e eu Hindu, com determinados preconceitos,
dogmas, credos, como poderá haver verdadeira fraternidade? Podemos falar
de tolerância, que é uma invenção intelectual para os manter onde estão
e para me manter onde estou, e tentarmos ser amistosos. Isto não
significa que eu esteja a falar de uniformidade; agora há uniformidade.
Vocês são todos de uma crença, de um ideal, de um dogma, embora possam
variar nessa prisão, pintando cada barra diferentemente; mas é uma
prisão, e vocês querem preservar a vossa prisão com as suas decorações, e
os Hindus querem conservar as suas prisões com as suas decorações, e
tentam ser fraternos, e a esta fraternidade chama-se tolerância. Ao
passo que, para mim, toda esta ideia é a própria negação da verdadeira
compreensão, da unidade humana. Portanto através do processo do tempo,
podem ser levados, como tantos escravos, a aceitar o Comunismo, conforme
aceitam agora o Capitalismo; e nessa força de serem conduzidos, não
pode haver ação voluntária, tal como agora não pode haver ação
voluntária. Portanto, se aceitarem meramente qualquer um dos dois, e
viverem em qualquer um dos dois, certamente que não estão a ser
criativamente individuais. São apenas como cordeiros, sejam cordeiros
capitalistas ou cordeiros comunistas, conduzidos pelo meio, pela
situação, forçados a aceitar. Com certeza que uma coisa assim não é
moral; uma coisa assim não é rica ou espiritual, verdadeira. E eu afirmo
que a verdadeira condição humana só pode acontecer quando vocês, como
indivíduos, fizerem estas coisas voluntariamente, porque vêem nisto a
necessidade, a imensa profundidade – não apenas a excitação superficial.
Então haverá a possibilidade de os indivíduos viverem criativamente,
completamente; não quando são conduzidos.
Pergunta: Qual considera ser a causa do desemprego?
Krishnamurti: Vocês
sabem que construímos durante muitos séculos, durante muitas gerações,
uma estrutura baseada na competitividade individual, na auto-segurança
implacável, onde os mais espertos, os mais astuciosos, chegam ao topo, e
têm todos os meios diretivos nas mãos. É óbvio. Vemos isto em todo o
lado, e naturalmente, estando o mundo dividido em nacionalidades, que
são a culminação dessa possessividade e da ganância dos indivíduos,
naturalmente tem que haver uma distribuição desigual, e por isso,
naturalmente, desemprego. Sabem, para mim, é muito simples ver isto.
Talvez para vocês seja muito complicado, embora possam ser mais
instruídos que eu, embora possam ter lido muito. A causa, para mim, é
muito simples. Portanto o que vamos fazer? Isto é, vocês dir-me-ão:
“Porque não fala das condições comuns de trabalho, porque não trabalha
para a mudança das condições econômicas, então tudo estaria bem;
portanto porque não concentrar toda a sua mente neste assunto
específico, e depois alterá-lo?” Como posso alterar a totalidade da
sociedade da qual vocês e eu fazemos parte? Como podemos alterá-la? Em
primeiro lugar tendo uma atitude inteligente, e em consequência uma
ação, para com a totalidade da vida. Isto é, não podem pegar no problema
econômico em si e dizer, “Resolva isso, e todo o resto estará
resolvido.” O problema econômico é apenas um sintoma de todo o problema
humano, portanto se pudermos criar uma opinião inteligente e por isso
uma ação inteligente como um todo, relativamente a todos os seres
humanos, então agiremos definitivamente com respeito às condições
econômicas.
Portanto sinto que o que tenho
que fazer é criar uma opinião, não apenas uma opinião intelectual, mas
uma opinião nascida da ação; e então, quando houver tal opinião, então,
sendo inteligentes, usarão qualquer sistema, qualquer sistema
inteligente para provocar uma mudança completa no sistema econômico.
Pergunta: Não acredita nem na posse nem na exploração; mas sem uma ou sem outra como poderia viajar e dar conferência ao mundo?
Krishnamurti: Dir-lhes-ei
muito simplesmente. Para viver no mundo sem exploração, têm que se
retirar para uma ilha deserta. Tal como é o sistema – como é agora –
para viver, se viverem nesse sistema, têm que o explorar.
Compreendamos o que quero dizer
com exploração. Ora, para mim, se não descobrirem por vocês próprios
inteligentemente quais são as vossas necessidades, então tornam-se
exploradores. Se descobrirem por vocês próprios, inteligentemente, quais
são as vossas necessidades, então não são exploradores; mas isso requer
muita inteligência. Em primeiro lugar, nós temos muitas coisas porque
pensamos que pela posse de muitas coisas, seremos felizes. Portanto para
possuir essas muitas coisas temos que explorar; ao passo que, se
tiverem realmente considerado quais são as vossas necessidades
essenciais, nisso não há exploração, de facto, se chegarem a pensar
nisso. E eu descobri por mim quais são as minhas necessidades. No que
respeita às minhas viagens, os amigos pedem-me para ir a diferentes
lugares, e eu vou. Se não mo pedirem, não viajo; e mesmo que não fale ou
ensine, posso perfeitamente fazer qualquer outra coisa. Agora, se eu
quisesse convertê-los a todos a uma forma específica de pensamento, e se
os forçasse, e recebesse fundos para o alterar – a isso chamar-se-ia
exploração. Aquilo de que falo é o inevitável, quer gostem ou não, e o
homem inteligente aceita inteligentemente o inevitável. Portanto não
sinto que estou a explorar, e sei que não estou, nem sou possessivo.
Mais uma vez esse sentido de
possessividade – para se estar realmente livre de tudo isso, tem que se
estar tão alerta, tão consciente, para não se enganar a si próprio,
porque no pensamento de que se está livre da possessividade pode residir
muita auto-ilusão. Pensa-se tantas vezes que se é livre, mas vive-se
realmente no manto da auto-ilusão. No momento em que a vossa necessidade
está satisfeita, não se apegam a ela; não sentem direitos de
propriedade sobre ela.
Pergunta: Ficaria surpreendido se o Cristo dos Evangelhos aparecesse de repente, para que todos o vissem?
Krishnamurti: Sabem,
a mente quer milagres, ideias românticas, fenômenos sobrenaturais
extraordinários. Não que não haja milagres, não que não haja fenômenos
sobrenaturais; mas nós procuramo-los porque as nossas mentes e corações
são tão pobres, tão vazios, tão miseráveis, tão feios, que pensamos que
podemos dominar essa pobreza de espírito e de coração procurando esses
milagres, correndo atrás de fenômenos, perseguindo-os. E quanto mais
procurarem fenômenos e milagres, menos ricos serão, menos plenitude de
mente terão, menos afeto. Quando existe plenitude de mente e coração,
então haja ou não milagres ou fenômenos suprafísicos, isso terá muito
pouca importância. Ora nós criamos tais divisões, tais distinções entre o
físico e o suprafísico, porque o físico é tão intolerável, tão feio.
Queremos fugir, e vocês seguem qualquer pessoa que os possa conduzir ao
suprafísico, e chamam a isso espiritual; mas nada mais é que outra forma
de autêntico materialismo grosseiro. Ao passo que a verdadeira
espiritualidade consiste em viver harmoniosamente, com perfeita harmonia
no vosso coração e na vossa mente, porque há compreensão, e nessa
compreensão há o prazer de viver.
A Arte de Escutar - Jiddu Krishnamurti -
2ª palestra nos jardins da Escola de Vasanta 31 de março, 1934.*Pensar Compulsivo
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