Como se converte amor em palavras? Quem sabe um texto de Vinicius de Moraes, uma poesia, um som daqueles clássicos dos anos 70 ou antes ainda, um Francisco Alves, empolado, empostado na gravidade da década de 50, quem sabe?
Não sinto que eu seja capaz. Pessoalmente não gosto de palavras "chavão", de adoçar demais, usar frases feitas na esperança de serem suficientes. Tem coisa mais sem graça do que "conte os grãos de areia da praia, as estrelas do céu e saberá o quanto te amo"? Até porque amor não se limita aos amantes, vai além disso.
Se não cabe em palavras, nem em melodias, como se expressa o amor? Há quem diga que amor é ser caridoso, é cuidar dos necessitados, é fazer o bem, mas quem conhece as próprias motivações? Quantas vezes a culpa nos transforma em uma espécie de Madre Tereza de Calcutá, ou pior, a necessidade de aprovação, de reconhecimento, como se todo bem que faço tivesse de ser alardeado, se não publicamente, tantas vezes interiormente. É aquele que na intimidade se gaba por tanta humildade, por "fazer o bem sem ver a quem". Por melhor que seja, por mais que diante do agasalho ou do prato de comida, para o beneficiado, não faça a menor diferença quem ou por quê deu, aquele que se engana pensa que ama, só que não.
Que tarefa ingrata essa de expressar o amor que não se converte em palavras, não se limita em melodias, não pertence aos amantes ou caridosos!
Um último recurso: As religiões pregam o amor! Ouço isso tantas vezes. Basta chegar um pouco mais perto, conhecer as condições, letras minúsculas de um contrato que vincula amor à moral, à crenças, à fé, à frequência, à comportamento coerente com cartilhas: "amamos as pessoas, mas odiamos o pecado", mesmo que o combate ao "pecado" aconteça enquanto combato o "pecador". Amor? Acho que não.
Talvez o amor seja silencioso. Sutileza que não cabe em tons, em sons, eloquência que não encaixa em letras, maior do que nossa presunção de capturá-lo, pássaro que não permite viver em gaiolas, não pertence à ninguém.
Amor é uma dimensão. Terra para pisar, ar, vento, céu, amplitude, liberdade. Amor é consciência. Reconhecer-se ambivalente, mortal que abriga o universo, expressão de Deus que teme, que chora, que perde, que deixa de ser. Fragmento de absoluto com saudade de casa e, por isso mesmo, tenta sem sucesso cantar o velho hino da pátria distante no canto da mãe, no abraço da esposa, no beijo do filho, amantes que se tocam, suspiros para a lua, poesias, músicas, atitudes caridosas, tentativas de apreender o que está além. Amor, mistério, graça, consciência, silêncio... Como se converte amor em palavras?
Flávio Siqueira
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