Onda de demissões assusta empresários e trabalhadores às vésperas do segundo turno

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Imagem: Stringer / Brazil
Poucas horas após o fechamento das urnas, no domingo 5, já estava definida a nova arma que o PT usaria contra o PSDB: despertar o medo no eleitorado. “O povo não quer um fantasma do passado”, afirmou a presidenta Dilma Rousseff naquela noite, em Brasília, ainda sob o efeito da votação surpreendente que o tucano Aécio Neves obtivera. A estratégia, no entanto, pode transformar-se em um tiro no pé. Segundo especialistas, a tática só faria sentido se a situação econômica estivesse boa, pois o medo de uma mudança estimularia o eleitorado a manter o partido governante no poder. Não é o caso.


A inflação acumulada em 12 meses está acima do teto da meta, em 6,75%, e o PIB apresenta um crescimento quase nulo neste ano. E pior: a geração de empregos, que era um dos grandes trunfos dos governos petistas, terá neste ano o pior resultado desde 1999, com 73 mil demissões líquidas (descontadas as contratações) na indústria nacional, segundo previsão da LCA Consultores com base em dados do Ministério do Trabalho. “Os brasileiros estão muito preocupados com os monstros do presente: inflação alta, recessão e corrupção”, afirmou Aécio, na segunda-feira 6.

No mercado financeiro, a incerteza tem nome e sobrenome, Dilma Rousseff, que, na avaliação dos investidores, não está disposta a reduzir a intervenção nas empresas estatais. O principal receio dos empresários é que o próximo governo não faça os ajustes necessários para a economia voltar a crescer. E para os trabalhadores, o risco de ser demitido já existe hoje e pode influenciar a sua decisão na hora do voto. Com o objetivo de mensurar a intensidade do medo que os assalariados têm de perder o emprego, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) realiza uma pesquisa a cada trimestre.

O último levantamento, referente ao período de julho a setembro, constata que os brasileiros estão tão apavorados quanto estiveram durante a crise internacional, em 2009. “O medo do desemprego cresce há seis trimestres”, diz Marcelo Azevedo, economista da CNI. “A formalização da mão de obra nos últimos anos tinha reduzido esse temor, mas a menor criação de vagas e a situação financeira mais difícil agravaram esse sentimento nos últimos meses.” Os números mostram ainda que a preocupação é maior nas classes sociais de renda mais elevada. A pesquisa da CNI entrevista trabalhadores de todos os setores da economia.

Se fosse realizada apenas na indústria, Azevedo acredita que o quadro seria muito mais calamitoso, pois o setor produtivo vem demitindo há vários meses e deverá fechar o ano com menos vagas pela primeira vez desde 1999. “Em São Paulo, que apresenta o quadro mais grave, serão demitidos 100 mil trabalhadores”, afirma Paulo Francini, diretor do departamento de pesquisas e estudos econômicos da Fiesp. Para o setor calçadista, as demissões já são uma realidade. Entre maio e agosto, último dado disponível, foram fechadas 11.392 vagas.

“As encomendas de calçados caíram muito a partir de janeiro”, diz Heitor Klein, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). “Num primeiro momento, as fábricas deram férias coletivas ou adotaram jornada semanal mais curta. Mas há um limite e daí vem a demissão.” Para Klein, não há dúvidas de que o atual modelo econômico, que se restringe a incentivar o consumo, se esgotou (leia reportagem aqui). “Na crise, o modelo funcionou, mas agora não gera mais efeito”, diz o executivo, que constata uma perda da capacidade de consumo da população.

Para que a economia volte a andar, o setor produtivo cobra ajustes do próximo governante, que incluem maior transparência fiscal e investimentos em infraestrutura. Embora relutem em admitir publicamente, os empresários preferem o modelo econômico proposto pela equipe do candidato tucano Aécio Neves. Em reuniões de diretoria de importantes entidades patronais, circula a informação de que uma eventual reeleição de Dilma desencadearia uma leva de demissões neste fim de ano. “Tem gente graúda dizendo que, se não vislumbrar mudanças, vai cortar na carne”, disse à DINHEIRO um dos participantes desses encontros. Com 25% de participação no PIB industrial, o setor automotivo vive um ano difícil, com queda nas vendas (-9,1%) e na produção (-16,8%).
As principais montadoras, como Volkswagen, Renault, Ford e GM, vêm promovendo férias coletivas ou enxugando gradativamente seu quadro de funcionários – foram 11,9 mil demissões desde novembro do ano passado. “Nós evitamos ao máximo demitir porque o custo de treinamento é muito alto”, diz Luiz Moan, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). “Cada empresa está ajustando seu contingente de empregados de acordo com o cenário traçado para 2015.” DINHEIRO apurou que algumas montadoras estão aproveitando a oportunidade para desligar trabalhadores antigos que recebem salários mais altos, por meio de Programas de Demissão Voluntária (PDVs), que preveem benefícios atraentes para quem participa.

O efeito cascata nas indústrias de autopeças é inevitável. Após 35 anos de trabalho – os quatro últimos na alemã Keiper Tecnologia de Assentos Automotivos, em São Paulo –, o metalúrgico Marco Antônio Chioratto Delgado foi demitido juntamente com um grupo de funcionários. “Ainda estou assimilando a demissão”, disse Delgado, na quinta-feira 9. “Temos de aguardar o próximo governo. Enquanto não tomarem medidas para ajudar a indústria automobilística, mais pessoas perderão o emprego.” No setor de motocicletas, o cenário também é delicado. De janeiro a setembro, a produção caiu 8% e as vendas recuaram 5,3% no varejo e 10,7% no atacado.

“O medo dos consumidores de perderem o emprego está afetando nossas vendas”, diz Marcos Fermanian, presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas (Abraciclo). Além disso, os modelos de baixa cilindrada estão encalhados nas concessionárias por falta de crédito, o que levou as principais fabricantes, como Honda e Yamaha, a não repor vagas nas linhas de produção, num processo de “demissão silenciosa”, na definição do presidente da Abraciclo. Já a fabricante americana de máquinas agrícolas John Deere demitiu 170 funcionários no Rio Grande do Sul e atribuiu as dispensas à volatilidade do mercado brasileiro. Outra multinacional de origem americana, a Caterpillar já enviou o bilhete azul a 900 trabalhadores.

SERVIÇOS SEM FÔLEGO Na semana passada, a reportagem da DINHEIRO visitou o Centro de Apoio ao Trabalho (CAT), em São Paulo. Pelo local, passam diariamente milhares de desempregados, como o comerciário André da Silva, 24 anos, que exibia, na terça-feira 7, um currículo com serviços prestados na construção civil e em supermercados. Seu último emprego, há nove meses, foi numa lanchonete. “A instabilidade econômica do País nos deixa com medo, ainda mais com a inflação subindo”, diz. “Acho que no ano que vem a tendência é piorar.”

A angústia de Da Silva, que não completou o ensino médio, é fruto da desaceleração no setor de serviços, que representa quase dois terços da economia brasileira, e vinha absorvendo todo tipo de mão de obra. Embora o setor ainda seja um grande empregador, o volume de vagas está caindo e os salários são, na média, inferiores aos oferecidos pela indústria. A falta de um horizonte promissor está afetando até mesmo a geração de empregos temporários de fim de ano. Segundo a Federação Nacional dos Sindicatos de Empresas de RH, Trabalho Temporário e Terceirizado (Fenaserhtt), cerca de 163 mil postos serão criados no comércio e na indústria até dezembro.

O volume é apenas 1% superior ao do ano passado, a menor taxa de crescimento da série histórica, iniciada em 2006. O dado mais preocupante, no entanto, é que apenas 5% desses funcionários serão efetivados, enquanto a média histórica é de 21,1%. “A criação de vagas permanentes está diretamente ligada à economia”, diz Vander Morales, presidente da Fenaserhtt. “A incerteza quanto ao futuro levará a uma efetivação menor dos temporários.” A notícia é particularmente preocupante para os jovens de 18 a 24 anos, que normalmente têm nas vagas de fim de ano a sua primeira oportunidade profissional.

PLENO EMPREGO? A desaceleração econômica – o PIB deve crescer apenas 0,3% neste ano, segundo o FMI (leia quadro ao lado) – sem a respectiva piora na taxa de desemprego tem intrigado os especialistas. A explicação mais plausível para esse fenômeno, que teoricamente contraria a lógica econômica, é que menos pessoas estão procurando emprego. Pela metodologia do IBGE, quem não busca trabalho não é um desempregado e, consequentemente, deixa de fazer parte da População Economicamente Ativa (PEA). Pelos cálculos da LCA Consultores, a PEA vai cair 0,5% neste ano, o que favorecerá a redução média do desemprego de 5,4% em 2013 para 4,9% em 2014. É esse número que a campanha do PT vai martelar na propaganda gratuita.

Cabe ao PSDB mostrar que o quadro já está piorando. O desafio mais complexo, então, é entender por que uma parcela da sociedade simplesmente decidiu não procurar emprego. Alguns economistas avaliam que a explicação está no crescimento da renda das famílias e no maior tempo de estudo dos jovens, que adiam a entrada no mercado de trabalho. Outros especialistas salientam que o desalento diante do mercado de trabalho mais difícil e a farta distribuição de benefícios sociais pelo governo federal desestimulam as pessoas a procurar emprego.

“Os 40 milhões de pessoas que recebem o Bolsa-Família não querem trabalhar para poder manter o benefício”, afirma Gilberto Guimarães, professor e consultor em mercado de trabalho. “Ainda que o salário proposto seja maior que o benefício, muitas pessoas preferem não trocar o certo pelo duvidoso.” Um ponto, no entanto, é consenso entre os especialistas. Em algum momento, ao longo dos próximos meses, essa mão de obra vai tentar entrar no mercado de trabalho, piorando a taxa de desemprego. “Não dá para imaginar que a geração ‘nem-nem’ vai continuar crescendo”, diz Fábio Pina, assessor econômico da Fecomercio-SP, referindo-se aos jovens de 18 a 25 anos que não estudam nem trabalham.

Nesse contexto, a única forma de evitar a alta do índice seria o País voltar a crescer e gerar mais vagas. Segundo o economista Fábio Romão, da LCA, se o PIB avançar 1,7% no ano que vem, ainda assim a média de desemprego vai aumentar para 5,4%. “Num cenário mais pessimista, em que a economia não se recupere, o desemprego pode chegar a 6,5%”, diz Romão. Recentemente, o professor da USP José Pastore, um dos maiores especialistas em mercado de trabalho do País, escreveu um artigo intitulado “O desemprego em 2015”. Nele, Pastore destaca a fragilidade na criação de vagas, a “anemia” dos investimentos, o baixo crescimento do PIB e a elevada inflação, que deteriora a renda das famílias.
“Os que hoje estão fora do mercado de trabalho, apesar de terem idade para trabalhar (jovens, mulheres e idosos), passarão a buscar emprego, o que forçará a taxa de desemprego para cima”, escreveu, em parceria com seu colega de USP José Paulo Chahad. “Em suma, para nosso desgosto, como pesquisadores do mercado de trabalho e cidadãos brasileiros, vemos com tristeza uma iminente elevação da desocupação, neste final de ano e ao longo do próximo.” De fato, o desemprego já bateu à porta de milhares de pessoas, como o comerciário André da Silva e o metalúrgico Marco Antônio Chioratto Delgado, retratados nesta reportagem. Se o atual modelo econômico não for alterado, outros Da Silva e Delgados deverão receber a desagradável visita do velho e aterrorizador fantasma.

Luis Artur Nogueira
IstoÉ Dinheiro
Editado por Folha Política


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