A baixa qualidade da formação dos nossos políticos enseja que conceitos fundamentais da teoria política e da própria história sejam massacrados no ritual da retórica manipulatória construída pelo marketing político, à qual os candidatos e partidos se submetem. No Brasil, a substância da política vai se degradando cada vez mais no formalismo das técnicas do marketing que coisificam o discurso e os candidatos num rol de imagens e propostas pasteurizadas, no qual o que menos conta é o conteúdo significativo do que se fala e se mostra. O que se quer é a manipulação do eleitor no jogo farsesco onde este é sempre suposto passivo e, em grande medida o é por conta de um sistema político excludente da cidadania. Ao menos dois conceitos fundamentais da política estão sendo sacrificados pelo esforço despolitizar do marketing verbalizado por determinados candidatos. Trata-se dos conceitos de promessa e de temor.
A necessidade e a capacidade de prometer
Alguns candidatos sustentam que não fazem promessas, mas firmam compromissos. Outros recusam as promessas, declarando-se realizadores e planejadores. Os dois casos expressam ou um equívoco ou uma manipulação intencional. A promessa é uma necessidade do interagir humano desde que se tem notícia da história da oralidade. A Bíblia, por exemplo, é um livro pleno de promessas. Tanto Deus quanto os homens prometem em praticamente todas as partes bíblicas. A própria morte de Jesus é uma promessa de redenção. A função fundamental da promessa é a de provocar confiança, seja na relação dos homens para com Deus, seja na relação entre os próprios humanos. O discurso político não consegue, não pode e nem deve fugir da dimensão da promessa. A promessa implica fé, pois somente esta é capaz de estabelecer os vínculos de confiança entre aquele que promete e aquele que ouve. A confiança é uma necessidade do convívio comunitário.
Descurar o discurso político da dimensão da promessa significa remetê-lo apenas para o âmbito da técnica, na falsa suposição de que a apresentação de propostas, por si só, implica na certeza de sua concretização. Na verdade, a suposição da certeza técnica da realização de propostas apresentadas por candidatos não consegue fugir da dimensão de fé. O fato é que em política não há certezas. Foi a partir da percepção do caráter imprevisível do agir em geral e do agir político em particular que Hannah Arendt tratou do poder de prometer, em A Condição Humana.
Arendt nos revela que a promessa tem força estabilizadora das relações humanas, dado estas têm um caráter de imprevisibilidade. O ato de prometer não elimina a imprevisibilidade, mas a reduz, justamente pela imbricação de fé e confiança que ele estabelece. A promessa, assim, precede a própria noção de compromisso e mesmo de pacto. Ambos só podem ser firmados mediante a existência de uma promessa. O ato de prometer como suscitador de confiança é necessário, dada a inconfiabilidade inerente à natureza humana. Arendt assevera que os seres humanos não podem garantir hoje o que serão amanhã. Ou seja, ninguém pode contar sequer consigo mesmo e nem ter fé absoluta em si mesmo. As relações humanas cairiam no abismo do ciclo natural, perecendo a todo o momento, se não tivéssemos a faculdade de prometer, estabelecendo vínculos de confiança na vida comunitária e a possibilidade de continuidades e recomeços.
Em regra, a promessa é uma declaração de vontade unilateral – pública ou privada. A promessa política tem sempre um caráter público com a qual o agente do discurso se obriga com os ouvintes, com a sociedade e com o povo. O caráter obrigacional da promessa independe do consentimento do público e é disto que decorre um duplo compromisso do candidato: de um lado, com aquilo que ele promete; de outro, com os eleitores.
A promessa tem também o poder de suscitar outro elemento fundamental da vida política: a esperança na recompensa de uma vida melhor. Um agente político deve ser um estimulador permanente de esperança. Ela é uma das principais forças mobilizadoras de vontades, de projetos, da busca de grandeza e glória. A esperança pode impulsionar para a luta pela liberdade aqueles que não a têm; pode desencadear a impetuosidade dos conquistadores ou dos empreendedores e pode potencializar a coragem, primeira e cardeal virtude política.
As promessas podem não se concretizar, por duas razões: 1) Quando elas são feitas por motivos manipolatórios e enganosos. Toda a história política vem marcada por políticos sicofantas, demagogos e corruptos, que visam ganhar a confiança do povo para realizar seus interesses particulares e seus desígnios escusos. Mas as promessas podem não se concretizar também porque as circunstâncias mudam e impedem o agente promitente de realizá-las. Neste caso, em se tratado de um governante ou líder, trata-se de restabelecer um novo início, com a manifestação de novas promessas e com a renovação das esperanças. Cabe, porém, ao eleitor, ao liderado, depositar fé no discurso promitente renovado ou desacreditar dele, buscando uma nova relação de confiança num novo líder ou em outro partido.
A função política do temor
A função política do temor não é unívoca. Tal como a promessa (esperança), de modo geral, ela está relacionada ao exercício do poder. Maquiavel enfatizava que existem dois modos preeminentes de exercer o poder: através do temor e da esperança. De um lado, o temor pode gerar o respeito necessário a quem governa ou a quem lidera. É neste contexto que o autor florentino adverte que se é necessário escolher entre ser amado ou temido, é preferível escolher ser temido. O temor tem uma inarredável relação com o conceito de força. Quem não tem força, seja ela política ou militar (ou de outra natureza), não conseguirá ser temido.
Mas existe outra dimensão do temor, também imbricada com o exercício do poder, mas que se relaciona a uma dimensão discursiva e se vincula ao par ambivalente da advertência e da promessa. O sociólogo alemão Niklas Luhmann foi o que mais explorou teoricamente esta dimensão. A rigor, essa relação entre temor, advertência e promessa também estava na Bíblia, de modo particular no antigo testamento. O profeta Jeremias foi o maior mestre deste tipo de discurso.
De acordo com Luhmann, aquele que exerce o poder ou lidera deve emitir advertências aos liderados, visando gerar insegurança nos mesmos. A relação de poder se completa quando o líder formula a promessa, exigindo determinada conduta dos liderados, para que ela possa gerar a recompensa prometida. Assim, por exemplo, é legitimo que determinado candidato gere insegurança nos eleitores sugerindo que a eleição de outro candidato pode suscitar perda de conquistas e de direitos. Evidentemente, tal discurso não pode revestir-se de mero engodo ou de intenção manipuladora apenas para obrigar a fidelidade do eleitor ou do par de uma relação. O discurso que emite advertências para gerar insegurança e temor de perdas, para ser legítimo, deve ser fidedigno, fundado em possibilidades críveis e factíveis.
Escrito por: Redação
http://www.entrefatos.com.br