Artigos adultos para o público mirim estão à venda em sites e lojas. O que está por trás da "adultização" infantil?

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Sutiãs e saltos altos para crianças, oi?

Adultização. Procurei e não encontrei essa palavra no meu velho e bom dicionário Houaiss impresso, tampouco nas versões online do Aurelio e do Michaelis. Não consta como vocábulo no sistema de busca da Academia Brasileira de Letras, mas se você digitar no Google pipocarão artigos sobre o assunto. Ou seja, é um termo novo. Tão recente quanto a onda globalizada de querer transformar as crianças em miniadultos. Sutiãs com bojos para meninas recém-saídas das fraldas, saltos altos para desfilarem por aí feito moças que ainda não são, linhas de esmaltes e maquiagens infantis, tem de tudo no mercado e a um clique. 

Estímulos não faltam. Mídia, celebridades e a marcas andam de mãos dadas inventando moda. Há poucos dias, em Nova Iorque, Leni Samuel, filha da top Heidi Klum (ex-Angel da Victoria´s Secret) foi clicada usando saltos altos iguais aos da mãe. Os scarpins pretos são lindos, não haveria problema não fosse a idade da menina: 10 anos. Sapato adulto, ossatura infantil. Será que a mãe não sabe o mal que um salto de 10 centímetros faz a uma criança? Será que sabe e não se importa? Será que sabe, se importa, mas abre exceções de vez em quando? São perguntas que me faço. E deixo um questionamento: com quais desses “serás” nos identificamos?

 
Sutiãs com bojo para crianças também figuram na wish list das meninas. E com certeza a razão não é a necessidade do produto. Numa breve busca na internet, encontrei pelo menos dez sites que anunciam a peça. E se anunciam é porque há público consumidor. Coloquei uma tarja branca na menina da foto porque, vamos combinar, a pequena não cometeu crime algum. Agora, a marca que lucra com a venda do artigo, os pais que a deixaram posar para a foto, os publicitários que criaram a campanha, o fotógrafo do catálogo e toda a cadeia de pessoas envolvidas no processo... tarja preta neles!

Na minha época era ao contrário, quando ouvíamos da mãe “você já está ficando mocinha, precisamos providenciar um sutiã”, a reação era “ai, que saco, vou ter que usar aquele troço me apertando”. Usar lingerie significava não poder mais fazer um monte de coisas que criança fazia: subir em árvore, virar estrelinha, fazer guerra de bexiguinha com água. O que diferencia uma criança hoje de um adulto? Elas têm uma agenda tão apertada quanto a dos pais, passam o dia plugadas no computador, vivem enjauladas em apartamentos sem terem com quem brincar. O que da infância ficará pra trás se elas crescerem? Talvez as linhas andem demais tênues.

Fico conjecturando sobre a que se deve esse fenômeno de querer adiantar o tempo. Tenho uma teoria. Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, sobra muito pouco tempo para cuidar de crianças. Não conseguimos sequer dar atenção a nós mesmos! Repetir mil vezes a mesma informação, levar, buscar, banhar, ensinar, alimentar, vestir e desfie aí toda a extensa e infindável lista de verbos de uso diário que nascem com o bebê e se reproduzem ao longo da infância é desgastante e consome física, mental e emocionalmente os pais. É evidente a ausência, nas famílias contemporâneas, deste quesito fundamental para educar um filho: paciência.

Somos uma geração de impacientes. Não suportamos esperas telefônicas, internet lenta, filas em supermercado, se mandamos um email e a resposta não vem no mesmo dia, pensamos mal da pessoa. Nossa comida é instantânea, o bronzeamento artificial, damos hormônios aos frangos para antecipar o abate, vivemos uma constante guerra contra o relógio. Não queremos nem mais esperar os nove meses para parir. Marca-se a cesariana, tira-se o bebê antes, agrada-se a agenda corrida da mãe e do médico.

Queremos que nossas crianças amadureçam logo. Desmamem logo. Falem duas línguas logo. E nos devolvam (logo) nossa tão sonhada independência, afinal, a vida é curta e importante é fazer o que se gosta e ser feliz, não é mesmo? Então, o que tem de mais fazê-las se acostumarem com a ideia de que já são adultinhas? Ao que parece, são os pais que não querem crescer.

http://estilo.br.msn.com/demaepramae/blog/ana-kessler/post.aspx?post=5f338b1b-7dbf-40d0-a362-28f9ddd1511e

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