A maioria
das pessoas é incapaz de entender como uma personalidade antisocial
e criminosa, tal como a de um "serial killer" (assassino serial),
é possível, em um ser humano como nós.
Não são apenas os assassinos seriais, mas
uma grande proporção de criminosos violentos em nossa sociedade
(em torno de 25% dos prisioneiros) mostram muitas características
do que a psiquiatria chama de "sociopatia", um termo melhor e
mais preciso do que psicopatia. A DSM-IV, o importante manual de diagnóstico
usado por psicólogos e psiquiatras, define um distúrbio mais
geral, denominado mais apropriadamente, "distúrbio
da personalidade antisocial" (DPA)
e lista suas principais características, que podem ser facilmente
reconhecidas em indivíduos afetados. A Organização
Mundial de Saúde também definiu sociopatia em sua classificação
de doenças CID-10,
usando o termo "distúrbio da personalidade dissocial".
Os sociopatas são caracterizados pelo desprezo
pelas obrigações sociais e por uma falta de consideração
com os sentimentos dos outros. Eles exibem egocentrismo patológico,
emoções superficiais, falta de auto-percepção,
pobre controle da impulsividade (incluindo baixa tolerância para
frustração e limiar baixo para descarga de agressão),
irresponsabilidade, falta de empatia com outros seres humanos e ausência
de remorso, ansiedade e sentimento de culpa em relação ao
seu comportamento anti-social. Eles são geralmente cínicos,
manipuladores, incapazes de manter uma relação e de amar.
Eles mentem sem qualquer vergonha, roubam, abusam, trapaceiam, negligenciam
suas famílias e parentes, e colocam em risco suas vidas e a de outras
pessoas. O pesquisador canadense Robert Hare, um dos maiores especialistas
do mundo em sociopatia criminosa, os caracteriza
como "predadores intra-espécies que usam charme, manipulação,
intimidação e violência para controlar os outros e
para satisfazer suas próprias necessidades. Em sua falta de consciência
e de sentimento pelos outros, eles tomam friamente aquilo que querem, violando
as normas sociais sem o menor senso de culpa ou arrependimento."
Os sociopatas são incapazes de aprender com a punição,
e de modificar seus comportamentos. Quando eles descobrem que seu comportamento
não é tolerado pela sociedade, eles reagem escondendo-o,
mas nunca o suprimindo, e disfarçando de forma inteligente as suas
características de personalidade. Por isso, os psiquiatras usaram
no passado o termo "insanidade moral" ou "insanité
sans délire" para caracterizar esta psicopatologia. Um
sociopata clássico foi Donatien-Alphonse-François de
Sade (1740-1814), um nobre francês cuja preferências sexuais
perversas e novelas (tais como Justine)
originaram o termo sadismo.
O indivíduo sociopata geralmente exibe um charme
superficial para as outras pessoas e tem uma inteligência normal
ou acima da média. Não mostra sintomas de outras doenças
mentais, tais como neuroses, alucinações, delírios,
irritações ou psicoses. Eles podem ter um comportamento tranqüilo
no relacionamento social normal e têm uma considerável presença
social e boa fluência verbal. Em alguns casos, eles são
os líderes sociais de seus grupos. Muito poucas pessoas, mesmo após
um contato duradouro com os sociopatas, são capazes de imaginar
o seu "lado negro", o qual a maioria dos sociopatas é
capaz de esconder com sucesso durante sua vida inteira, levando a uma
dupla existência. Vítimas fatais de sociopatas violentos percebem
seu verdadeiro lado apenas alguns momentos antes de sua morte.
O mais assustador é o fato que entre 1 e 4% da
população é sociopata em maior ou menor escala. Claro,
a maioria das pessoas com DPA não é criminosa e é
capaz de se controlar dentro dos limites da tolerabilidade social. Eles
são considerados somente como "socialmente perniciosos",
ou têm personalidade odiosas, e cada um de nós conhece alguém
que se ajusta a esta descrição. Políticos corruptos
e cínicos, que sobem rapidamente na carreira, líderes autoritários,
pessoas agressivas e abusadoras, etc., estão entre eles. Uma característica
comum é que eles se engajam sistematicamente em enganação
e manipulação de outros para ganhos pessoais. De fato, muitos
sociopatas não-violentos e adaptados podem ser encontrados em nossa
sociedade. Um estudo epidemiológico do NIMH registrou que somente
47% daqueles que eram caracterizados como tendo DPA tinham uma história
de processo criminal significativo. Os eventos mais relevantes para estas
pessoas ocorrem na área de problemas de trabalho, violência
doméstica, tráfico e dificuldades conjugais severas. Muitas
pessoas evitam indivíduos com este distúrbio de personalidade
porque eles são irritáveis, argumentadores e intimidadores.
Seu comportamento frequentemente é rude, impredizível e arrogante.
A sociopatia é reconhecida precocemente em um indivíduo:
ela começa na infância ou adolescência e continua na
vida adulta (o diagnóstico é possível em torno de
15 a 16 anos). Crianças sociopatas manifestam tendências e
comportamentos que são altamente indicativos de seu distúrbio.
Por exemplo, eles são aparentemente imunes a punição
dos pais, e não são afetados pela dor. Nada funciona para
alterar seu comportamento indesejável, e consequentemente os pais
geralmente desistem, o que faz a situação piorar. Os sociopatas
violentos mostram uma história de torturar pequenos animais quando
eles eram crianças e também vandalismo, mentiras sistemáticas,
roubo, agressão aos colegas da escola e desafio à autoridade
dos pais e professores.
No
entanto, apenas uma pequena fração dos sociopatas se desenvolve
em criminosos violentos, estrupradores e assassinos seriais. Em casos mais
severos, a doença pode evoluir para canibalismo e rituais sádicos
de tortura e morte, frequentemente de natureza bizarra. Há um amplo
consenso que estas formas extremas de sociopatia violenta são intratáveis
e que seus portadores devem ser confinados em celas especiais para criminosos
insanos por toda a vida.Um sociopata típico deste tipo foi retratado
por Dr. Hannibal "O Canibal" Lecter no filme e livro "O
Silêncio dos Inocentes".
Os próprios sociopatas se descrevem como "predadores"
e geralmente são orgulhosos disto. Eles não têm o tipo
mais comum de comportamento agressivo, que é o da violência
acompanhada de descarga emocional (geralmente raiva ou medo) e nem ativação
do sistema nervoso simpático (dilatação das pupilas,
aumento dos batimentos cardíacos e respiração, descarga
de adrenalina, etc). Seu tipo de violência é similar à
agressão predatória, que é acompanhada por excitação
simpática mínima ou por falta dela, e é planejado,
proposital, e sem emoção ("a sangue-frio"). Isto
está correlacionado com um senso de superioridade, de que eles podem
exercer poder e domínio irrestrito sobre outros, ignorar suas necessidades
e justificar o uso do que quer que eles sintam para alcancar seus ideais
e evitar consequências adversas para seus atos. Por exemplo, em Justine,
o personagem que incorpora o Marquês de Sade diz que tudo é
justificado quando o objetivo é a gratificação de
seus sentidos, e que a ele é permitido usar outros seres humanos
da forma como ele desejar para aquele propósito.
O fato dos sociopatas possuirem pouca empatia para o sofrimento
dos outros tem sido demonstrado experimentalmente em muitos estudos, os
quais têm mostrado que eles exibem um processamento anormal de aspectos
emocionais da linguagem, e que geralmente eles possuem resposta fisiológica
fraca (no sistema nervoso autônomo) a imagens, palavras e situações
de alto conteúdo emocional. Como acontece com os predadores, os
sociopatas são capazes de uma atenção extremamente
alta em certas situações.
O distúrbio sociopático também está
altamente associado com a incidência de abuso de drogas e alcoolismo.
De fato, esta associação piora os aspectos do comportamento
sociopático, assim considera-se que eles são mutuamente reforçadores.
O
DPA é relativamente fácil de diagnosticar. O mesmo Dr. Hare
desenvolveu uma escala de avaliação,
chamada Psychopathy Checklist-Revised (PCL-R), que é útil
para este propósito, particularmente na avaliação
de criminosos (a população forense). Você pode testar
a si próprio usando uma escala
on-line disponível no Internet Mental Health.
Sociopatas violentos ocasionam um alto preço para
a sociedade humana. Nos EUA, mais da metade dos policiais mortos por
criminosos eram vítimas de sociopatas. O DPA é comum entre
dependentes de drogas, mulheres e crianças, gangsters, terroristas,
sádicos, torturadores, etc. Além disso, "os psicopatas
são aproximadamente três vezes mais propensos a recidivar
- ou quatro vezes mais propensos a recidivar violentamente do que os não
sociopatas", de acordo com um estudo
recente. Citando novamente o Dr Robert
Hare: "É enorme o sofrimento social, econômico
e pessoal causado por algumas pessoas cujas atitudes e comportamento resultam
menos das forças sociais do que de um senso inerente de autoridade
e uma incapacidade para conexão emocional do que o resto da humanidade.
Para estes indivíduos - os psicopatas - as regras sociais não
são uma força limitante, e a idéia de um bem comum
é meramente uma abstração confusa e inconveniente".
Além disso, sob situações de stress,
tais como em guerras, pobreza geral e quebra da economia, surtos epidêmicos
ou brigas políticas, etc., os sociopatas podem adquirir o status
de líderes regionais ou nacionais e sábios, tais como Adolf
Hitler, Stalin, Saddam Hussein, Idi Amin, etc. Quando eles alcançam
posições de poder, eles podem causar mais danos do que como
indivíduos.
Qual é a causa da sociopatia? Como o cérebro
está envolvido? Como isto pode ser prevenido e tratado?
Estas são questões importantes para a humanidade,
para a lei e medicina. A curva ascendente da violência sem sentido,
frequentemente por pessoas jovens (a medida que o tempo passa, mais e mais
jovens...), impõe um senso de urgência em obter respostas
para elas.
Neste artigo exploraremos o que a neurociência sabe sobre
este distúrbio misterioso.