Fotógrafo está em Aleppo e relata que bombardeios têm piorado.
Na área dos rebeldes, ninguém deve votar na eleição desta terça (3), diz.
 "Imagina você estar em uma casa sem energia e escutar o barulho muito 
forte de uma turbina de caça passando no céu, por cima da sua cabeça. 
Você ouve as bombas estourando, 'bum, bum, bum', treme tudo, você tenta 
olhar, mas não sabe onde foi. Você só fica esperando a hora da morte. É 
essa a situação. Esperar a hora da morte."
O fotógrafo brasileiro Gabriel Chaim em sua
segunda viagem à Síria durante a guerra civil
(Foto: Gabriel Chaim/Arquivo pessoal)
segunda viagem à Síria durante a guerra civil
(Foto: Gabriel Chaim/Arquivo pessoal)
 Assim o fotógrafo Gabriel Chaim descreve o seu dia a dia – e o de 
milhares de pessoas – em Aleppo, a segunda maior cidade da Síria, às 
vésperas da eleição no país, que ocorre nesta terça-feira (3). Há um mês e meio, o brasileiro deixou a mulher grávida e a filha pequena em São Paulo para documentar a guerra civil que já dura mais de três anos.
 É a segunda vez que o profissional cobre o conflito. Em setembro de 2013, Chaim também esteve em Aleppo (leia o relato da viagem e veja fotos feitas por ele).
 Nas duas ocasiões, o brasileiro ficou do lado da cidade controlado pela
 oposição ao governo do presidente Bashar al-Assad. Agora, ele diz que 
Aleppo está muito pior que antes. "A situação é desesperadora. Todos os 
minutos eu penso que vou morrer. Antes não era assim", diz.
 Segundo o fotógrafo, a frequência dos bombardeios aumentou, as bombas 
usadas são piores – chamadas "bombas de barril", cheias de TNT e pedaços
 de metal – e são jogadas por helicópteros, que antes não sobrevoavam a 
cidade. "É para dilacerar, destruir tudo. Um número enorme de pessoas 
está deixando a Síria por causa dessas bombas. Aleppo está muito mais 
vazia que antes", conta.
 Chaim afirma ainda que presenciou bombeiros abrindo bombas cheias de 
gás clorino – um tipo de arma química. "Aquilo queima a pessoa por 
dentro. Vi várias vítimas dessa bomba nos hospitais."
 O brasileiro revela que os alvos são, em sua maioria, civis – muitos 
deles, mulheres e crianças. "Antigamente, se eu estivesse em uma casa de
 família, em um prédio residencial, me sentia mais seguro e pensava que 
eles não jogariam uma bomba ali em cima. Hoje é o lugar mais provável de
 ser atingido. O que estão dizendo aqui é que eles querem atingir as 
famílias dos militares que estão no front", diz.
 Dentro do front de guerra
À
 esquerda, adolescente de 15 anos que virou soldado com a guerra civil 
na Síria. À direita, menino de 14 que foi atingido e foi parar em uma 
cadeira de rodas agora vive armado para se proteger (Foto: Gabriel 
Chaim/G1)
 Segundo Chaim, cerca de 70% de Aleppo é dominada por rebeldes, 
especialmente pelo FSA (Free Syrian Army, ou Exército Livre Sírio), o 
principal grupo de oposição ao governo. Ele diz que, na última semana, o
 governo intensificou os combates para aumentar o cerco à cidade e 
recuperar o domínio sobre a área.
Porta cheia de buracos de balas
(Foto: Gabriel Chaim/G1)
(Foto: Gabriel Chaim/G1)
 Com isso, acabou a comunicação entre os dois lados de Aleppo, e pessoas
 que antes moravam no lado controlado pela oposição e trabalhavam na 
área do regime não conseguem mais se deslocar entre os dois lugares.
 Da outra vez em que esteve na região, o brasileiro ficou na sede de uma
 ONG local. Como o edifício foi destruído por bombas, ele agora está 
hospedado dentro de uma das bases do FSA na cidade.
 Desde que chegou, no meio de abril, o fotógrafo vem acompanhando o dia a
 dia dos rebeldes, de profissionais como bombeiros e de famílias que 
continuam em Aleppo. Seu guia é um jovem soldado de 18 anos, um dos 
poucos que falam inglês.
Cadeira infantil em um dos prédios que foram
destruídos por bombas (Foto: Gabriel Chaim/G1)
destruídos por bombas (Foto: Gabriel Chaim/G1)
 Chaim acompanhou alguns combates – a maioria, em apartamentos 
abandonados, ainda ocupados por objetos dos antigos moradores, como 
teclados de computador, roupas e brinquedos.
 Em muitos desses prédios, os rebeldes improvisaram túneis quebrando as 
paredes dos cômodos, o que permite que se locomovam de uma ponta à outra
 sem precisar sair para a rua, onde ficariam expostos.
 Já o lugar considerado o mais perigoso da cidade fica em um galpão em 
uma área industrial. Lá, os dois exércitos se enfrentavam a 2 metros de 
distância. Chaim esteve lá. "É rajada de metralhadora para todo lado. 
Toda hora tinha que correr de 'snipers' [atiradores de elite]. É você 
correndo e as balas passando, um negócio de doido", lembra.
 Ele também diz ter acompanhado um grupo de cinco mulheres soldados que 
combatem sozinhas em um dos fronts. A líder, que era professora antes da
 guerra, virou atiradora de elite após o início do conflito.
 Outro momento marcante foi a ida até uma fábrica de bombas, onde os 
rebeldes fazem por US$ 300 morteiros que custariam US$ 3 mil no mercado 
internacional.
 Coração acelerado
 Como os bombardeios ocorrem principalmente à noite, a população evita 
sair na rua depois das 18 horas. Chaim, que nos primeiros dias em Aleppo
 não dormia nem 30 minutos por noite por causa da adrenalina de ouvir as
 bombas caindo, conta que hoje já consegue descansar mais. "A cada bomba
 que estoura, treme tudo. A gente dorme com o coração acelerado, mas 
dorme."
 O fotógrafo se alimenta principalmente de kebabs que compra em uma das 
poucas lojas abertas na cidade. Segundo ele, cerca de 30% dos comércios 
que não foram destruídos continuam funcionando. Os demais fecharam as 
portas.
 O brasileiro também diz que os civis que ficaram em Aleppo só estão lá 
porque não têm dinheiro para fugir. "Todos os que estão aqui são 
pobres."
 Na opinião de Chaim, o futuro da Síria ainda é incerto, e a eleição 
presidencial no país não vai mudar nada, já que não haverá votação nas 
áreas controladas por rebeldes. "Todo mundo tem certeza de que o Assad 
vai ganhar. Só vai votar quem é a favor do governo", afirma.
Crianças em sala de aula improvisada em Aleppo
(Foto: Gabriel Chaim/G1)
(Foto: Gabriel Chaim/G1)
 O profissional revela que não foi fácil para sua mulher, que está 
grávida, aceitar outra viagem do marido à Síria. "Ela acha que estou 
doido. Está quase tendo o bebê antes da hora por conta disso", brinca.
 O fotógrafo ainda não sabe quando voltará ao Brasil. Ele revela que 
sempre fica afetado pelas tragédias que presencia, mas acabou fazendo 
disso uma rotina e tenta não se abalar demais para que isso não 
interfira no seu trabalho. "Ontem, por exemplo, fui a um prédio que 
tinha sido bombardeado minutos antes e achei pedaços de corpos pelos 
escombros. As histórias são sempre as piores, mas tem que ir em frente."
G1 

