Imagem: Arquivo Pessoal |
Com
pós-doutorado em Matemática, a jornalista irlandesa Helen Joyce fez um
curso de imersão na realidade brasileira durante os três anos e meio em
que viveu no país, chefiando o escritório de uma das publicações mais
influentes do planeta, a revista inglesa The Economist. Baseada em São
Paulo, cruzou o país várias vezes e decifrou mais que números. Passou da
condição de quem sabia apenas três coisas primárias sobre o Brasil –
“ficava na América do Sul, tinha praias e as pessoas falavam português” –
para se tornar uma analista respeitada, e por vezes incômoda para o
governo, da economia nacional. Virou também uma observadora atenta da
realidade social brasileira.
Em setembro do
ano passado, a jornalista escreveu uma reportagem de 14 páginas sobre a
situação da economia brasileira que irritou a presidenta Dilma Rousseff.
A capa da edição da revista Economist trazia a imagem do Cristo
Redentor como se fosse um foguete em queda. E deixava no ar uma pergunta
sugestiva: será que o Brasil estragou tudo?
O texto
concluía que o eleitor brasileiro não tinha muitos motivos para dar a
Dilma um novo mandato e apontava os equívocos que, segundo a revista, a
petista tinha cometido nos seus primeiros três anos de mandato na
condução da economia, como excesso de intervenção no mercado, falta de
reformas estruturantes e inchaço da máquina pública. “Eles estão
desinformados. O dólar estabilizou, a inflação está sob controle e somos
o único grande país com pleno emprego”, rebateu uma contrariada Dilma,
pelo Twitter.
“Mas em que
ponto estamos desinformados? Ela não apontou”, contesta Helen, alegando
que jamais se colocou em dúvida um dado sequer publicado pela revista.
Exageros
A capa de 2013
fazia alusão a outra dedicada pela Economist ao país, em 2009, que
mostrava o mesmo Cristo Redentor como um foguete, sob o título “O Brasil
decola”, embalado pelo crescimento que alcançaria expressivos 7,5% no
ano seguinte. Helen, que não participou da primeira reportagem nem da
discussão das duas capas, diz que os brasileiros exageraram na
interpretação que fizeram das duas edições.
“Mostramos que
estava decolando, não que estava chegando. Os brasileiros exageraram no
entendimento do que escrevemos. Ao longo dos anos, escrevemos várias
coisas positivas e negativas, equilibradas, sobre o Brasil. Mas os
brasileiros só ouviram, em 2010, as coisas positivas. E agora, em 2013,
só as negativas”, afirma Helen Joyce.
Para ela, a
imagem mais fiel ao país é a de um foguete, tentando decolar, mas preso
ao chão por uma série de amarras, como os pesados sistemas tributário e
previdenciário, a intrincada legislação trabalhista, os baixos níveis de
educação e, sobretudo, a “absurda” burocracia. “Há muitas jabuticabas
no Brasil, coisas que só o Brasil faz. Se pararem de fazer essas coisas,
vocês decolam. É uma frustração ver o Brasil com tanto potencial
complicar tudo”, lamenta.
Brasis
No final de
dezembro, a jornalista, de 45 anos, voltou a Londres para editar uma
seção de assuntos internacionais da revista. Levou uma bagagem repleta
de impressões inquietantes sobre os “muitos Brasis” que conheceu. Um
país que encantou a irlandesa pelo potencial de seus recursos naturais e
pela receptividade com que abraça o estrangeiro. Mas que também a
desapontou pelas oportunidades de crescimento desperdiçadas, pelo
excesso de burocracia, pela incapacidade de enfrentar questões como o
gigantismo dos gastos previdenciários, pela passividade de seu povo e
pela forma preconceituosa com que os brasileiros tratam os próprios
brasileiros.
“O melhor lugar
do mundo para qualquer correspondente internacional trabalhar”, na
avaliação da jornalista, é também um país cujos cidadãos têm pouco
conhecimento de sua própria realidade. “Tem pessoas que acham que são
pobres com salário de R$ 10 mil. É uma coisa absurda”, espanta-se.
“Os brasileiros
não têm preconceito com estrangeiros, mas com outros brasileiros, que
eles chamam de preguiçosos. Você ouve muito essa palavra em São Paulo,
por exemplo, em relação às pessoas de regiões mais pobres que eles nunca
visitaram. Eles não têm conhecimento do que estão falando”, observa
Helen, que foi substituída no Brasil pelo seu colega Jan Piotrowski na
incumbência de acompanhar os rumos da nação.
Tropeçar com a
desigualdade social nas ruas foi o que mais chocou Helen ao desembarcar
no Brasil em julho de 2010, acompanhada do marido inglês e dos dois
filhos do casal, hoje com sete e 12 anos. Com o tempo, a irlandesa diz
que se acostumou a conviver com os contrastes sociais no país. Mas não a
ponto de perder a capacidade de se indignar, principalmente com a
passividade do brasileiro em geral.
“Os brasileiros
não querem dizer não. Não querem o confronto, o conflito. Mas quando
uma coisa está ruim, você tem de dizer que está ruim”, diz a jornalista,
ao comentar a onda de manifestações de 2013. “O país seria melhor se
os brasileiros começassem a reclamar em voz alta de tudo. É uma
mudança”, acredita.
Edson Sardinha
Congresso em Foco
Editado por Folha Política