Imagem: Marcos Alves/O Globo |
Diante da piora
nas expectativas e da previsão de crescimento da economia cada vez
menor, setores dinâmicos da economia dão como perdido o ano de 2014.
Incapazes de
vislumbrar de onde virá o aquecimento da atividade econômica e com a
alta disseminada no nível dos estoques, empresários industriais reveem
para baixo suas estimativas, que vão de queda até uma leve alta na
produção. Enquanto a Confederação Nacional da Indústria (CNI) prevê
avanço de 1,5% na indústria da transformação, a Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo (Fiesp) passou a projetar queda de 0,8% na
produção nacional este ano, sem boas perspectivas para 2015. A previsão
anterior da Fiesp era de crescimento de 1%.
O longo ciclo de alta de juros, a reversão de desonerações tributárias e
a provável alta no custo de produção, sobretudo em função do
encarecimento da energia elétrica e dos insumos importados, estão entre
os fatores que dificultam a vida dos fabricantes. Segundo o diretor do
Departamento de Economia da Fiesp, Paulo Francini, o chamado carry-over
(efeito estatístico que informa quanto do crescimento do ano anterior
foi transferido para o seguinte) foi muito negativo para o setor, que
virou o ano passado com queda de 3,7%. Além disso, 2014 começou pouco
promissor, com redução do consumo das famílias e do crédito, associado a
outros fatores “complicados”, como Copa do Mundo e eleições.
— A sensação que temos é que 2014 será mesmo um ano perdido — afirma Francini.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica
(Abinee), Humberto Barbato, disse que, em 2014, não haverá crescimento
da produção de eletroeletrônicos. O faturamento do setor deve subir
entre 3,5% e 4%, mas puxado pelas importações, que correspondem a 26%
dos produtos acabados.
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A pesquisa de sondagem junto às empresas associadas à Abinee, que será
divulgada na próxima semana e foi adiantada ao GLOBO, mostra uma piora
nos negócios do setor em março: 44% dos empresários entrevistados
responderam que houve aumento nas vendas, contra 61% em fevereiro, e 17%
deles informaram que as vendas ficaram estáveis, percentual que
correspondia a 25% em fevereiro. Para 39% das empresas, houve queda nas
vendas, contra 14%, no mês anterior.
— Diante do calendário que nós temos, o ideal seria que este ano passasse bem rápido — destacou Barbato.
A indústria de máquinas e equipamentos, depois de amargar uma redução de
3% no faturamento em 2012 e de 5,7% em 2013, espera uma estagnação, ou
até mesmo uma nova queda de até 3% nos resultados deste ano. Na
avaliação do presidente da Associação Brasileira da Indústria de
Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, com a conjuntura atual,
uma retomada dos investimentos será possível apenas a partir de 2016.
— Este ano é de eleições. E o ano que vem será de ajustes, de corte de
despesas, com um cenário que não será favorável para a indústria —
disse.
A Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção
(Abramat) estima um crescimento do setor de 4,5% no faturamento este ano
mas, diante da desaceleração nas vendas de materiais de construção no
varejo, o presidente da entidade, Walter Cover, avisou que os números
podem mudar. Já a Anfavea, representante dos fabricantes de veículos
automotores, espera que, no fechamento de 2014, seja registrado um
crescimento de 1,4% na produção de veículos e de 1,1% nos licenciamentos
(mercado interno). No ano passado, esses percentuais foram de 10% e
-0,9%, respectivamente.
O presidente da Anfavea, Luiz Moan, reconheceu que, na atual conjuntura,
o setor registra avanço em ritmo menos acelerado que o verificado
durante a crise de 2008/2009. Ele observou, porém, que hoje as bases de
comparação são bem maiores.
— Isso faz parte de um processo absolutamente natural que costumo
batizar de dores do crescimento. Quando se vende pouco, é mais fácil
registrar um aumento elevado. Mas, num patamar lá em cima, é mais
difícil ter o mesmo ritmo de crescimento — disse Moan.
Dados da Anfavea mostram que o licenciamento de veículos registrou queda
de 15,2% em março, com 240,8 mil unidades, na comparação com igual mês
do ano passado. No primeiro trimestre, o recuo foi de 2,1%.
Perda de competitividade
Para o presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo, o setor deve
registrar crescimento em 2014, mas em cima de uma base reprimida. No
caso do aço bruto, que registrou retração de 1% no ano passado, as
projeções são de crescimento de 5%. As vendas internas devem subir 4,1% e
as exportações, 2,3%, depois de uma queda de 17,5% em 2013.
Ele destacou que toda a indústria de transformação vem perdendo
competitividade de forma sistemática, sobretudo com a entrada de
importados, e não consegue aumentar as exportações. Já Fernando
Pimentel, diretor superintendente da Associação Brasileira da Industria
Têxtil e de Confecção (Abit), disse que a expectativa para a produção é
entre alta de 1% e queda de 1%.
— Este ano deverá repetir 2013, porém com mais emoções. Temos eleições e
Copa do Mundo, o que altera o movimento no comércio — disse Pimentel.
De acordo com o superintendente adjunto de Ciclos Econômicos do
Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV),
Aloisio Campelo Júnior, as pesquisas de sondagem industrial realizadas
pela instituição entre fevereiro e março revelam crescimento disseminado
do nível dos estoques nos setores industriais, sobretudo automotivo,
mecânico, têxtil, vestuário e calçados, associado a uma demanda fraca,
tanto no mercado interno, quanto externo.
— Não quero ser alarmista, mas não vejo sinais positivos na indústria,
que deve terminar o ano em ritmo lento de atividade — disse o professor.
Ele destacou que a conjuntura é desfavorável aos investimentos. Lembrou
que o setor de bens de capital, depois de resultados positivos entre o
fim de 2012 e boa parte de 2013, com aumento nas vendas de caminhões e
máquinas agrícolas, voltou a se desacelerar. A queda no índice de
confiança neste segmento, salientou Campelo, deve se estender até o
segundo semestre. Outro fator agravante são as incertezas envolvendo o
setor energético.
CRISTIANE BONFANTI
GERALDA DOCA
O Globo