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O estádio Mané
Garrincha, propagandeado pelo governo federal e pelo Distrito Federal
como um exemplo de sucesso de público e renda, pode levar até cerca de
mil anos para recuperar aos cofres do DF o valor investido na obra. A
arena teve um resultado operacional de R$ 1,371 milhão no primeiro ano
de funcionamento -- um período em que o estádio recebeu 30 eventos entre
jogos e shows, incluindo uma apresentação da cantora norte-americana
Beyoncé e a partida de maior renda na história do Campeonato Brasileiro.
O custo total da obra é até agora calculado em R$ 1,6 bilhão pelo TC-DF
(Tribunal de Contas do Distrito Federal). Neste ritmo o estádio irá
levar exatos 1.167 anos para recuperar o que custou.
Considerada a
previsão do tribunal de contas de que o custo chegará a R$ 1,9 bilhão
quando todas as obras de sustentabilidade e no entorno do local
estiverem concluídas e a taxa de ocupação se mantenha no mínimo como
neste primeiro ano -- tido como "um êxito" pelo ministro do Esporte,
Aldo Rebelo, e "um exemplo contra o derrotismo" pelo
secretário-executivo da pasta, Luis Fernandes -- o tempo para retorno do
investimento chega a 1.385 anos. A conta não considera oscilações nas
taxas de câmbio, inflação e outras variantes no período.
O Mané
Garrincha em Brasília é o estádio mais caro dentre os 12 construídos ou
reformados para a Copa do Mundo, e irá receber sete partidas da
competição este ano. Até agora, o local recebeu uma média de um evento a
cada duas semanas e meia.
De acordo com o
governo do DF, de maio, quando a arena foi inaugurada, até agora, a
arrecadação para os cofres públicos com aluguel e taxas de uso do espaço
foi de R$ 2,871 milhões. Como a conta de luz e água custou R$ 1,5
milhão ao governo no mesmo período, o Mané Garrincha rendeu R$ 1,371
milhão líquido nos primeiros 11 meses de funcionamento.
Segundo a
Secopa-DF (Secretaria Especial da Copa do Mundo do Distrito Federal), na
conta não está incluído o custo de manutenção do espaço, já que a
construção possui cinco anos de garantia e outros 20 anos para a
cobertura. Dos custos também está excluído o que é gasto com pessoal e
material de segurança e limpeza.
"Estes serviços
são realizados por contrato celebrado pela Secretaria de Planejamento,
para atender a diversos órgãos do GDF. Ou seja, não se trata de um
contrato exclusivo para atender a arena brasiliense", afirma a Secopa-DF
por meio de sua assessoria de imprensa. "É importante destacar que a
grande demanda por serviços de limpeza e segurança no estádio ocorre
durante os eventos e, portanto, as despesas são de responsabilidade dos
organizadores", completa a nota enviada à reportagem.
Assim, se
incluirmos o preço fixo de limpeza e segurança e o fato de que daqui a
cinco anos a manutenção ficará por conta do governo do DF, o custo
operacional deve elevar-se ainda mais. Até o final de 2014, está
prevista a inauguração do sistema e captação de energia solar, o que
deve baratear a conta de luz.
'Elefante dourado'
No dia 26 de
maio, o Mané Garrincha recebeu a partida de maior renda na história do
Brasileirão: o jogo entre Santos e Flamengo, despedida de Neymar do time
da Baixada Santista, gerou uma arrecadação na bilheteria de R$ 6,9
milhões de acordo com a CBF. Foi também o maior público da edição do
campeonato, com 63.501 torcedores. Apesar disso para o dono do estádio
de 72 mil lugares, o governo do DF, a renda com o aluguel foi de apenas
R$ 4 mil.
Em 2013, o Mané
Garrincha recebeu 10 jogos do Brasileirão e, com eles, também obteve a
melhor média de público do campeonato, com cerca de 36 mil pessoas por
jogo. Desde inaugurado, o estádio já recebeu 655 mil pessoas ao todo.
Foram 24 partidas de futebol -- entre campeonatos Brasileiro e
Brasiliense, abertura da Copa das Confederações e um torneio
internacional de futebol feminino -- três shows e dois eventos
institucionais.
Os números
autorizaram o ministro do Esporte a referir-se à arena como "elefante
dourado" em entrevistas e pronunciamentos oficiais, para contrapor o
sucesso ao temor que o estádio de Brasília se tornasse um "elefante
branco".
"Já está consagrado o êxito da reconstrução do Mané Garrincha. Isso é importante para Brasília, e muito mais para o Brasil", afirmou Aldo Rebelo nesta terça-feira (1), durante inspeção da Fifa e do COL (Comitê Organizador Local) no local. "A Copa, para nós, é uma oportunidade de ouro que significa a geração de milhares de empregos", emendou o governador do DF, Agnelo Queiroz. "Sempre que somos questionados sobre elefantes brancos, apresentamos como grande exemplo o Mané Garrincha, contra esse derrotismo", arrematou o secretário-executivo do Ministério do Esporte.
Na ocasião o
titular da Secopa-DF, Claudio Monteiro, irritou-se com a pergunta de
jornalistas sobre a suspeita do TC-DF de que a obra da arena tenha tido
um superfaturamento de pelo menos R$ 400 milhões. "É a turma do
fura-bolo, que quer estragar a festa", disse, prometendo que vai
responder um a um os questionamentos do órgão de controle.
Contradição
O que existe é
uma contradição: enquanto o estádio gera lucros para quem usa o espaço
-- sejam jogos de futebol de times grandes ou shows internacionais -- a
arrecadação é baixa para o governo, tendo em vista que conseguiu para
os cofres públicos apenas R$ 2,871 milhões em quase um ano, mesmo com
todo esse sucesso. Até agosto do ano passado, o aluguel da arena possuía
um custo fixo de R$ 4 mil, independentemente do porte do evento.
A partir de
então, um decreto assinado pelo governador definiu uma nova tabela de
preços. Além dos custos operacionais, quem quiser usar o estádio para um
jogo de futebol tem de pagar 15% do valor da renda bruta a título de
aluguel. No caso dos clubes fecharem pacotes de quatro ou mais jogos, a
taxa cai para 13%. As seleções brasileiras não pagam nada para jogar
ali.
O decreto prevê
ainda uma tabela de preços para utilização do Mané Garrincha em eventos
culturais, religiosos, artísticos, educacionais e recreativos. Para uso
apenas do gamado e da arquibancada inferior o aluguel sai por R$ 200
mil. Com a inclusão da área VIP, sobe para R$ 250 mil. Para utilização
também dos camarotes o valor é de R$ 300 mil. O custo para uso de todo o
estádio é de R$ 500 mil ou 13% da renda bruta do evento, considerado o
maior valor entre os dois.
Futuro incerto
Além dos sete
jogos da Copa do Mundo, que não geram renda ao governo, e outras seis
partidas anunciadas nesta semana pelo titular da Secopa-DF (finais do
Candangão, a final da Copa Verde, em abril, Botafogo x Goiás pelo
Brasileirão, um jogo da Copa do Brasil e uma partida ainda indefinida), o
calendário está indefinido para o Mané Garrincha após a Copa.
De acordo com a
Secopa-DF, há conversas para mais partidas do Campeonato Brasileiro e
para shows, mas nada concreto. Em 2016 a arena deve receber partidas do
futebol olímpico, e em 2019 a Universíade.
No que depender
do futebol brasiliense, o estádio só não fica vazio em uma final. "Para
abrir o estádio precisa de uma empresa de limpeza com 50 funcionários, e
mesmo para usar apenas o anel inferior você precisa de pelo menos 200
brigadistas", diz Regis de Carvalo, gerente de futebol do Brasília, time
local.
"A média de um
jogo, por baixo, é R$ 60 mil. Numa partida final você até consegue fazer
uma renda superior a esse valor. Mas num jogo local entre times do
Campeonato Brasiliense você não consegue", diz. A média de público do
time no campeonato local foi de 500 pessoas.
De acordo com a
FBF (Federação Brasiliense de Futebol), os ingressos custam de R$ 1 a
R$ 20. "Geralmente acabamos com jogos deficitários, isso sem usar o Mané
Garrincha", resume a situação Josafá Dantas, presidente da entidade.
"Outros campeonatos também têm rendas baixas. E se você comparar nosso
futebol com o de outras regiões, ainda somos debutantes. Somos mais
novos. Isso não quer dizer que não tenhamos de lutar para melhorar",
completa.
'Não se paga a curto prazo'
"Ressaltamos
que os resultados financeiros de shows, partidas de futebol e demais
eventos realizados no Mané Garrincha não devem ser mensurados tendo em
vista tão somente o retorno para a arena. Nem o Estádio Nacional de
Brasília nem qualquer outra arena do mundo se paga em curto prazo", diz a
assessoria de imprensa da Secopa-DF. "Não se pode aferir a eficiência
do estádio se baseando, apenas, na geração de lucro financeiro. O
estádio é um instrumento de desenvolvimento econômico e social para todo
o Distrito Federal. E já vem demonstrando isso".
Segundo o
governo do DF, cada evento no estádio injeta cerca de R$ 12 milhões na
economia local e gera pelo menos dois mil empregos. Diz que quando há
atividade no local, o faturamento do comércio no entorno da arena
aumenta em até 30%.
A Secopa-DF
afirmou, em diversas repostas ao UOL Esporte ao longo do último ano, que
prepara um edital de licitação para fazer uma concessão do local à
iniciativa privada, mas até agora não há prazo para isso acontecer nem
apareceram interessados no projeto.
Aiuri Rebello e Guilherme Costa
UOL