Big data na adaptação americana às mudanças climáticas

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Postado por: Ton Müller 31 de março de 2014

A extravagante exibição de dados pela Casa Branca visa “mudar o jogo” sobre o clima

Imagine um mapa que mostre vários anos de elevação do nível do mar em uma questão de segundos, e que a água esteja cercando sua casa. Em breve poderá existir um aplicativo (app) para isso.
Esse é o tipo de visualização que o governo Obama acredita ser capaz de inspirar medidas para uma adaptação climática nas comunidades de todo o país. Para ajudar a estimular tecnólogos a criar essas novas ferramentas, a Casa Branca lançou um site no dia 19 de março que contém mais de 100 conjuntos de dados sobre inundações costeiras.
O Google está usando quantidades enormes de informações similares; nesse caso, imagens de satélites registradas sobre a Austrália, para criar um programa que condensa anos de fotografias aéreas em um vídeo “time-lapse” (processo em que a sequência dos frames por segundo é muito menor que a do filme final. Quando visto a uma velocidade normal, o tempo parece passar mais depressa, criando lapsos de tempo) que mostra a água subindo ao redor de ilhas do Pacífico enquanto elas vão encolhendo e uma casa após outra é cercada pelo mar em elevação.
“Quando você consegue fazer essa conexão entre um evento climático e sua casa, isso pode ‘mudar o jogo’”, observou Rebecca Moore, fundadora do Google Earth Engine, no lançamento da Iniciativa de Dados Climáticos da Casa Branca, no dia 19. (O Google Earth Engine é uma plataforma de monitoramento ambiental em um modelo digital dinâmico de nosso planeta que é atualizado diariamente.) “Esperamos ajudar as pessoas a interiorizar os riscos e o interesse”.
O material climático divulgado dia 19 no site Climate.Data.gov é uma fração de cerca de 91 mil conjuntos de dados do governo americano armazenados em Data.gov, um site que oferece informações brutas sobre 21 categorias distintas, de ética a leis, e de produção industrial a saúde.
O clima é uma nova adição ao que a Casa Branca apelidou de eventos “Datapalooza”. Já houve dois eventos desses sobre segurança pública e pelo menos um sobre educação. Os eventos reconheceram inovadores com conhecimentos tecnológicos que usaram dados do governo para criar aplicativos de telefone e outros serviços para ajudar a proteger o público e promover o aprendizado.
No momento, as informações relacionadas ao clima estão voltadas para inundações costeiras, embora a Casa Branca tenha indicado que o menu expandirá. Autoridades chamaram a página climática um projeto “piloto”. Ela contém uma lista de “ferramentas” criadas por agências federais, universidades e outras organizações que autoridades locais podem usar para determinar a frequência de enchentes, a profundidade da água e a vulnerabilidade de futuras subdivisões.
“Basicamente, queremos converter dados em insights”, explicou Joel Dunn, diretor-executivo da Chesapeake Conservancy, que está se unindo à Intel para realizar uma “hackathon” (uma maratona de hackers, programadores, etc. para promover o desenvolvimento de projetos), que lançará programadores de códigos de softwares uns contra os outros para desenvolver aplicativos climáticos. “Esperamos que isso leve a um desenvolvimento habitacional em áreas menos perigosas”.

Ajudando cidades a se ajudar


Surging Seas (Mares em elevação, em tradução literal) é uma das ferramentas em destaque no novo site. Ela foi desenvolvida pela Climate Central para prever até onde ondas de maré gigantes do oceano tempestuoso chegarão em cidades da Flórida, Nova Jersey e Nova York. Ao todo, a página do governo na web oferece a 23 ferramentas, incluindo o Calculador Nacional de Águas de Tempestades, que faz estimativas de índices pluviométricos futuros em qualquer lugar dos Estados Unidos.
Isso pode ajudar George Heartwell, o prefeito de Grand Rapids,em Michigan. Eleafirmou que futuras projeções de chuvas seriam úteis para sua cidade quando forem tomadas decisões orçamentárias sobre o tamanho do sistema de coleta e escoamento de águas pluviais, infraestruturas verdes e projetos de asfalto permeável.
A cidade muitas vezes depende de seus próprios dados de precipitação, o que tem um “certo preço”.
“Você não quer tomar a decisão errada, e investir demais por medo ou investir de menos” por falta de conhecimento, justificou Heartwell.
O site climático também incentiva cientistas e outros a participar de “desafios” — concursos para construir os melhores aplicativos para mostrar inundações costeiras e outros impactos climáticos em comunidades específicas. Outros apps seriam usados como um “kit sensor” para medir temperaturas e índices de umidade, algo que pode ser usado para ensinar às pessoas sobre o efeito das ilhas de calor em suas cidades natais.
Essencialmente, o presidente americano parece estar apostando no velho ditado “ver para crer”. Uma expansão de mapas de smartphones fáceis de usar, que mostram o risco de inundações para a casa de alguém daqui a 20 anos poderia incentivar uma adaptação, observa a Casa Branca.
“Através do uso de dados, visualizações e simulações, você pode ajudar as pessoas a entender sua exposição a riscos de inundações costeiras e sua maior vulnerabilidade devido ao crescimento populacional e ao aumento do nível do mar”, explica o novo website.
Apesar de toda sua utilidade para identificar riscos climáticos, os dados disponibilizados pela Casa Branca no dia 19 não respondem a uma pergunta fundamental: O que uma comunidade pode fazer, exatamente, para evitar danos futuros?

Dados locais estão fora de alcance


Esse é um desafio que muitas vezes equilibra benefícios imediatos com preocupações futuras. Uma cidade deve autorizar a construção de mais casas perto da linha litorânea, ou ela deve abrir mão de algum terreno, e consequentemente da arrecadação de impostos, para talvez evitar inundações que estendam além do horizonte?
Nesse sentido, o lançamento dos dados deixa as discussões mais complexas para depois. O site não responde, por exemplo, como uma região distribuirá o custo de se proteger com quebra-mares, ou se seria melhor abandonar as áreas de maior risco, argumentou Kirstin Dow, professora de geografia na University of South Carolina e perita em adaptação.
Por enquanto, autoridades locais estão tentando entender os riscos das mudanças climáticas, em vez de descobrir o que fazer a respeito delas, segundo Dow. Portanto, os dados do governo podem ajudar com o panorama geral, desde que haja “tradutores climáticos” que possam ajudar comunidades menores a decifrar seus significados, acrescentou.
“As questões de adaptação vão direto até os problemas locais”, salientou Dow, observando que o esforço dos dados do governo não será capaz de responder questões específicas que as comunidades terão.
Ilhas-barreira, por exemplo, poderão precisar saber a profundidade de seu lençol freático para avaliar o risco real de inundações, enquanto outras comunidades podem estar considerando redimensionar as tubulações de seus sistemas de captação de águas pluviais para lidar com enxurradas maiores.
Todos os tipos de informações podem ajudar líderes locais, mesmo que elas não sejam hiperespecíficas para os impactos em suas estradas, praias e sistemas de energia elétrica, salientou Dow. Ela lembrou que autoridades de uma cidade costeira, acessível apenas por uma via elevada, recentemente descobriram o índice de aumento do nível do mar em sua área e isso levou a outra pergunta.
“Que altura tem essa estrada agora? Deveríamos verificar”, teria sugerido uma autoridade de acordo com Dow.

Informação excessiva é desencorajadora?


Opositores criticaram a medida do presidente como um esforço temático político para energizar democratas antes das eleições intermediárias (de meio de mandato) que ameaçam dar aos republicanos o controle do Senado. A Coalizão Americana para Eletricidade de Carvão Limpo (American Coalition for Clean Coal Electricity) acusou Obama de “negociar medo de mudanças climáticas” quando a verdadeira ameaça para as famílias é o aumento dos custos da energia.
“O novo website de mudanças climáticas do governo reforçará ainda mais sua visão indutora de medo do futuro, que soa cada vez mais como uma cena de um filme de Hollywood”, criticou Laura Sheehan, vice-presidente sênior de comunicação do grupo.
Em termos gerais, o site provavelmente é uma jogada inteligente para a Casa Branca, mas ele também traz alguns riscos de opinião pública, observou Jonathon Schuldt, um professor assistente na Cornell University.
Ameaças delineadas em mapas podem ser delicadas na medida em que permitem às pessoas comparar sua situação com a de outras que podem estar em situações piores e mais difíceis, segundo ele. Já foi demonstrado em alguns estudos que esse tipo de dinâmica pode levar as pessoas a uma falsa sensação de segurança, explicou. Algumas pessoas podem olhar para hotspots de enchentes, como a Flórida, e concluir que as coisas podem não ser tão ruins em seus estados.
“Mostrar para algumas pessoas que elas podem estar em uma situação melhor que seus vizinhos... talvez mine sua motivação para fazer alguma coisa a respeito das mudanças climáticas”, argumentou.
Ao mesmo tempo, um dos maiores desafios dessa questão é que as pessoas acreditam que as consequências estão muito distantes, lá com os ursos polares. Portanto, o site poderia criar certa urgência em pessoas que podem ver que enchentes graves podem ocorrer em seu estado ou cidade, advertiu Schuldt.

Com contribuição da repórter Christa Marshall.
Reproduzido de Climatewire com permissão de Environment & Energy Publishing, LLC. www.eenews.net, 202-628-6500
Fonte: http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/-big_data-_e_adaptacao_das_cidades_americanas_as_mudancas_climaticas.html

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