Apesar do termo violência obstétrica ser relativamente novo, além de denunciar, muitas mães têm trocado experiências e divulgado os casos nas redes sociais para que outras mulheres não passem pelo mesmo sofrimento
Giovanna Balogh, Blog Maternar
Mulheres são diariamente vítimas da chamada violência obstétrica em
consultórios e hospitais das redes pública e privada de saúde. Muitas
parturientes não sabem dos seus direitos no pré-natal, na hora do parto e
no pós-parto e constantemente sofrem com agressões físicas ou
emocionais por parte dos profissionais de saúde.
É considerada violência obstétrica desde a enfermeira que pede para a
mulher não gritar na hora do parto normal até o médico que faz uma
episiotomia indiscriminada – o corte entre o ânus e a vagina para
facilitar a saída do bebê . Apesar de a OMS (Organização Mundial da
Saúde) determinar critérios e cautela para a adoção do procedimento,
médicos fazem a prática de maneira rotineira. A obstetriz Ana Cristina
Duarte, do Gama (Grupo de Maternidade Ativa), estima que entre 80% a 90%
das brasileiras são cortadas durante o parto normal. “Sabemos que há
evidências de que não é necessário mais cortar as mulheres. As mulheres
são cortadas sem o consentimento delas e isso é uma violência
obstétrica”, comenta.
De acordo com a pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços
público e privado”, divulgada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, uma
em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto.
Por conta do grande número de denúncias que tem recebido, o Ministério
Público Federal decidiu instaurar nesta semana um inquérito civil
público para apurar esses casos.
Segundo o MPF, algumas denúncias “demonstram o desrespeito” a essas
mulheres. Para Ana Cristina, o número da pesquisa está subestimado pois
muitas mulheres ainda não entendem que foram vítimas desse tipo de
violência. Ela diz que os efeitos da violência obstétrica são sérios e
podem causar depressão, dificuldade para cuidar do recém-nascido e
também problemas na sexualidade desta mulher. Os tipos mais comuns de
violência, segundo o estudo, são gritos, procedimentos dolorosos sem
consentimento ou informação, falta de analgesia e até negligência.
A Defensoria Pública de São Paulo também tem intensificado as ações
para orientar as mulheres e sobre a importância de denunciar os casos
para a Justiça, a ouvidoria dos hospitais e os conselhos de classe, como
o CRM (Conselho Regional de Medicina).
A free-lancer Marina de Oliveira Kater Calabró, 36, conta que sofreu
episiotomia no parto dos três filhos e que teve dificuldades na
recuperação dos pontos, principalmente, no parto do caçula, ocorrido no
ano passado em um hospital particular de São Paulo. “Na primeira
gravidez eu realmente não sabia que não era necessário. No terceiro
parto, minha recuperação da episiotomia foi horrível, sofri pacas,
demorou muito até eu conseguir andar direito”, lamenta Marina, que fez
todos os partos com a mesma médica.
Outros exemplos de violência obstétrica são a infusão intravenosa
para acelerar o trabalho de parto (ocitocina sintética), a pressão sobre
a barriga da parturiente para empurrar o bebê (manobra de Kristeller), o
uso rotineiro de lavagem intestinal, retirada dos pelos pubianos
(tricotomia) e exame de toque frequente para verificar a dilatação. São
comuns também os relatos de humilhações praticados por parte dos
profissionais de saúde que dizem frases como “se você não parar de
gritar, eu não vou mais te atender”, “na hora de fazer não gritou” e
outras do gênero.
Também é considerada violência obstétrica agendar uma cesárea sem a
real necessidade, recusar dar bebida ou comida para uma mulher durante o
trabalho de parto ou impedir procedimentos simples, como massagens para
aliviar a dor e a presença de um acompanhante na hora do parto, que
pode ser o marido ou qualquer pessoa da escolha da parturiente.
Segundo os relatos do MPF, muitas mães são amarradas e obrigadas a
ficar deitadas durante o trabalho de parto quando é comprovado
cientificamente que, para minimizar os incômodos das contrações, a
mulher deve se movimentar e ficar na posição que se sente mais
confortável para parir. Mães que são impedidas de ter contato com o bebê
e amamentá-lo logo após o parto também podem denunciar os profissionais
de saúde.
Além de fiscalizar as entidades de saúde que estão desrespeitando os
direitos reprodutivos e sexuais das mulheres, o MPF pretende divulgar a
ocorrência das práticas indevidas durante o trabalho de parto, bem como
os direitos das parturientes. As procuradoras da República Luciana da
Costa Pinto e Ana Previtalli, responsáveis pela instauração do inquérito
civil público, defendem que as mulheres precisam ser informadas para
que possam cobrar dos profissionais que as atendem a assistência digna e
baseada em evidências científicas já estabelecida pela OMS. Os casos podem ser denunciados no site do Ministério Público Federal.
AÇÕES NA JUSTIÇA
A advogada Priscila Cavalcanti conta que entrou com várias ações na
justiça por conta dos maus-tratos sofridos por suas clientes. Além de
processar o hospital e o profissional de saúde envolvido, em alguns
casos o plano de saúde também é incluído na ação. “Usamos o respaldo de
que o médico consta da rede credenciada e deveria ser melhor qualificado
ou estar mais a par das evidências”, comenta. A advogada, que se
especializou nesse tipo de ações, aconselha as mulheres a tentar
reverter o quadro no momento, quando isso é possível.
“Toda mulher tem direito a um acompanhante da sua escolha na hora do
parto, então, ela deve se informar de seus direitos para exigir na hora
do parto”, comenta. Ela ainda aconselha as pacientes a prestar atenção
nos nomes de quem está praticando a violência obstétrica e, após a alta,
pedir o prontuário da mulher e do bebê. “Depois, o ideal é escrever o
relato do que aconteceu, com riqueza de detalhes, e procurar um advogado
de confiança, para que possam ser tomadas as medidas legais cabíveis”,
orienta.
A cidade de Diadema, na Grande SP, foi pioneira ao criar, no ano
passado, uma lei contra a violência obstétrica na rede municipal de
saúde.
RELATOS
Apesar do termo violência obstétrica ser relativamente novo, além de
denunciar, muitas mães têm trocado experiências e divulgado os casos nas
redes sociais para que outras mulheres não passem pelo mesmo
sofrimento. Desde março do ano passado, a fotógrafa Carla Raiter, 31,
coleta histórias e registra imagens de mulheres que foram vítimas na
hora do parto. Com o projeto “1:4 Retratos da Violência Obstétrica”, ela mostra de forma anônima o sofrimento dessas mulheres.
Ao receber o relato, ela faz uma tatuagem temporária que é aplicada
na pele da mulher que será fotografada. Confira nas imagens a seguir o
que passaram algumas mulheres no momento que deveria ser o mais feliz de
suas vidas. E você, já foi vítima de violência obstétrica?
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