No
entanto, nos últimos anos essas doenças vêm ressurgindo com força nos
EUA. Somente no ano passado, foram registrados mais de 24 mil casos de
coqueluche no país, segundo dados preliminares do Centers for Disease
Control and Prevention (Centros para o Controle e a Prevenção de
Doenças, ou CDC, na sigla em inglês), ligado ao Departamento de Saúde
dos EUA.
No ano anterior, o número chegou a 48,2
mil, o maior desde 1955. Em 2013, o país registrou ainda 438 casos de
caxumba e 189 de sarampo, todas doenças que podem ser prevenidas por
vacinas existentes há vários anos.
O fenômeno vem
chamando a atenção de especialistas, que relacionam muitos dos surtos
ao movimento antivacina, encabeçado por pais que decidem não vacinar
seus filhos por motivos que incluem o temor de efeitos colaterais que
prejudiquem a saúde da criança.
'No caso da
coqueluche, parte dos surtos parece estar ligada ao problema de que a
vacina mais amplamente usada não é tão eficaz quanto costumava ser. Mas
os casos de caxumba e, especialmente, sarampo, acho que estão
relacionados ao movimento antivacina', disse à BBC Brasil a especialista
em saúde global Laurie Garrett, do Council on Foreign Relations (CFR).
Garrett
é a principal autora de um lançado pelo CFR que mostra os surtos de
doenças evitáveis por vacinas ao redor do mundo de 2008 a 2014.
No
mapa, chama a atenção não apenas a alta incidência dessas doenças nos
EUA, mas também em países europeus, como a Grã-Bretanha.
'Os
níveis de vacinação na Grã-Bretanha para doenças como sarampo, caxumba e
rubéola vêm despencando. Há comunidades inteiras em que a cobertura
está abaixo de 50%. No caso de uma doença tão contagiosa como o sarampo,
qualquer nível abaixo de 90% é perigoso', diz Garrett.
Autismo
O
movimento antivacina ganhou força a partir de 1998, quando o
pesquisador britânico Andrew Wakefield publicou um estudo que
relacionava a vacina Tríplice Viral (contra sarampo, caxumba e rubéola)
ao autismo.
Diversas pesquisas posteriores nunca
acharam qualquer ligação entre a vacina e o autismo, e em 2010 uma
comissão de ética descobriu que Wakefield havia falsificado dados de seu
estudo. Wakefield teve sua licença médica cassada e o estudo foi
retirado das publicações.
Mas apesar do
descrédito do estudo e de seu autor, a teoria se espalhou, com a ajuda
da internet, entre pais temerosos de que a vacina pudesse causar
problemas a seus filhos.
Nos EUA, a onda
antivacina ganhou visibilidade com a militância de nomes como Jenny
McCarthy, ex-coelhinha da Playboy que se tornou uma das porta-vozes do
movimento a partir de 2007, depois que seu filho, Evan, foi
diagnosticado com autismo.
Hoje há no país
diversas entidades destinadas a fornecer informações sobre os supostos
riscos das vacinas. Uma das mais antigas e influentes é o National
Vaccine Information Center (Centro Nacional de Informações sobre
Vacinas, em tradução livre), presidido por Barbara Loe Fisher.
Pioneira do movimento antivacina, Fisher foi uma das fundadoras do centro em 1982 e é autora de três livros sobre o tema.
Ela
diz que seu filho, Chris, sofreu uma reação severa à vacina tríplice
DPT (contra difteria, coqueluche e tétano) quando tinha dois anos e meio
de idade, em 1980, e ficou com sequelas e problemas de aprendizagem.
Número de vacinas
Fisher diz que seu objetivo não é convencer pais a não vacinarem seus filhos, mas lutar pelo direito à informação.
'Queremos
educar as pessoas para que entendam sobre os riscos de complicações das
vacinas, para que possam tomar decisões bem informadas', disse Fisher à
BBC Brasil.
Assim como outros adeptos do
movimento, Fisher reclama do poder da indústria farmacêutica e do número
de vacinas recomendadas pelo governo americano.
'Esse
número triplicou nos últimos 30 anos. Em 1982, eram 23 doses de sete
diferentes vacinas até os seis anos de idade. Hoje, o governo recomenda
69 doses de 16 vacinas até os 18 anos', afirma.
As
crianças americanas são obrigadas a apresentarem comprovante de
vacinação para ingressar na escola. Mas todos os 50 Estados do país
permitem isenções médicas, para crianças que, por motivos de saúde, não
podem ser vacinadas.
Em 48 Estados também há isenções por motivos religiosos e, em 18 deles, a chamada isenção por crenças pessoais.
Segundo
o CDC, no ano escolar de 2012-2013 a taxa de isenção média entre alunos
do jardim de infância foi de 1,8%. Em alguns Estados, como Oregon,
chegou a 6,5%.
Perfil
'Estudos
mostram que muitas crianças não vacinadas têm pais com altos níveis de
educação e renda', disse à BBC Brasil a epidemiologista Allison Fisher,
do CDC.
Uma análise das áreas onde ocorrem os surtos também dá dicas sobre o perfil das famílias que optam por não vacinar seus filhos.
'Se
nosso mapa interativo englobasse os anos 1950, veríamos que, naquela
época, os surtos estavam associados à falta de infraestrutura para levar
as vacinas às crianças pobres', diz Garrett.
'Isso
não ocorre mais. Atualmente o governo federal dos EUA e a maioria dos
governos estaduais têm programas de vacinação muito fortes nas
comunidades carentes e áreas rurais', afirma.
'Hoje,
os surtos nos EUA ocorrem entre populações mais ricas. E isso tem
relação com comunidades em que há maior pressão política para acabar com
as exigências de vacinação para crianças na escola', diz Garrett.
Riscos
Segundo
Allison Fisher, do CDC, como certas doenças não eram vistas havia muito
tempo nos EUA, alguns pais simplesmente pensam que elas não existem
mais.
'Tentamos chegar aos pais e profissionais de saúde e reforçar que a decisão de não vacinar traz riscos', diz.
Garrett
observa que, antes da introdução das vacinas, doenças como sarampo
estavam entre as principais causas de morte de crianças nos EUA.
'É imperdoável que hoje em dia, em um país como os EUA, uma criança pegue sarampo', afirma.
Acostumada
a viajar pelo mundo em áreas onde o sarampo e outras doenças ainda
matam milhares de crianças, por falta de acesso a vacinas, Garrett diz
que costuma ouvir nesses países a mesma reclamação.
'Me perguntam por que não têm acesso a vacinas como nós temos nos EUA, pedem por isso', diz.
'A ironia é que você volta aos EUA e ouve todas essas pessoas dizendo: 'Não queremos vacinas'.'