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2 - O Velho Testamento é Inspirado?
Caso fosse, deveria ser um livro que nenhum outro homem — ou grupo de homens — pudesse produzir.
Deveria conter a perfeição da filosofia.
Deveria estar totalmente de acordo com cada fato da natureza.
Não deveria conter erros em astronomia, geologia ou em quaisquer outros assuntos ou ciências.
Sua moral deveria ser a mais sublime e pura.
Suas leis e
suas regras para controle de conduta deveriam ser justas, sábias,
perfeitas e perfeitamente adequadas aos fins visados.
Não deveria conter quaisquer coisas que tornassem o homem cruel, vingativo ou infame.
Deveria estar repleto de inteligência, de justiça, de pureza, de honestidade, de clemência e de espírito de liberdade.
Deveria opor-se à contenda, à guerra, à escravidão, à cobiça, à ignorância, à credulidade e à superstição.
Deveria desenvolver o intelecto e civilizar o coração.
Deveria satisfazer o coração e a mente dos melhores e dos mais sábios.
Deveria ser verdadeiro.
O Velho Testamento satisfaz esses quesitos?
Há algo no
Velho Testamento — na história, na teoria, na lei, na moral, na ciência —
acima e além das ideias, das crenças, dos costumes e dos preconceitos
de seus autores e dos povos entre os quais viveram?
Há qualquer indício de uma iluminação de origem sobrenatural?
Os antigos hebreus acreditavam que a Terra era o centro do Universo e que o sol, a lua e as estrelas eram manchas no céu. Com isso a Bíblia concorda.
Pensavam que a Terra era plana, com quatro cantos; que o céu, o firmamento, era sólido — o piso da morada de Jeová. A Bíblia ensina o mesmo.
Imaginavam que o sol viajava ao redor da Terra e que, parando-se o sol, o dia poderia ser prolongado. A Bíblia concorda com isso.
Acreditavam que
Adão e Eva foram os primeiros seres humanos; que haviam sido criados
poucos anos antes deles — os hebreus —, e que eles próprios eram seus
descendentes diretos. Isso a Bíblia ensina.
Se há algo
certo, é que os autores da Bíblia estavam enganados sobre a criação, a
astronomia, a geologia; sobre as causas dos fenômenos, a origem do mal e
as causas da morte.
Deve-se admitir
que, se um Ser infinito é o autor da Bíblia, então deveria saber todas
as ciências, todos os fatos, e estar acima de quaisquer erros.
Se, entretanto,
existem erros, enganos, falsas teorias, mitos ignorantes e asneiras na
Bíblia, então deve ter sido escrita por seres finitos; ou seja, por
homens ignorantes e equivocados. Nada poderia ser mais óbvio que isso.
Por séculos a
Igreja insistiu que a Bíblia era absolutamente veraz; que não continha
quaisquer erros; que a história da criação era verdadeira; que sua
astronomia e geologia estavam de acordo com os fatos; que os cientistas
que discordavam do Velho Testamento eram infiéis e ateus.
Agora as coisas
mudaram. Os cristãos educados admitem que os autores a Bíblia não
estavam inspirados para as ciências. Agora dizem que Deus — ou Jeová —
não inspirou os autores desse livro com a finalidade de instruir o mundo
sobre astronomia, geologia ou qualquer ciência. Agora admitem que os
homens inspirados que escreveram o Velho Testamento desconheciam
totalmente qualquer ciência, e que escreveram sobre a Terra, as
estrelas, o sol e a lua de acordo com a ignorância da época.
Foram
necessários muitos séculos para forçar os teólogos a admitirem isso. Com
relutância, cheios de malícia e ódio, os padres se retirarem de campo,
deixando a vitória com a ciência.
Então tomaram outra posição:
Declararam que
os autores — ou os escritores — da Bíblia estavam inspirados sobre
coisas espirituais e morais; que Jeová queria que seus filhos soubessem
de sua vontade e de seu amor infinito; que Jeová, vendo seu povo
corrompido, ignorante e depravado, desejou torná-lo compassivo, justo,
sábio e espiritual, e que a inspiração da Bíblia reside nas ideias sobre
leis, na religião que ensina e em suas ideias governamentais.
Esta é a questão agora:
A Bíblia está
mais próxima da verdade em suas noções sobre justiça, piedade, moral ou
religiosidade do que está em suas noções sobre ciência? A Bíblia é
moral?
Ela apoia a escravidão — ela sanciona poligamia.
Será que algum demônio conseguia fazer pior?
Ela é misericordiosa?
Na guerra, ela
alçava a bandeira negra; comandava a destruição e o massacre de todos —
dos idosos, dos fracos, dos inválidos, das mulheres e dos bebês.
Suas leis são inspiradas?
Centenas de
ofensas eram punidas com a morte. Trabalhar nos domingos ou assassinar
seu pai na segunda eram crimes de mesmo peso. Na literatura mundial não
há qualquer código de leis mais sangrento. A lei da vingança — da
retaliação — era a lei de Jeová. Olho por olho, dente por dente, membro
por membro.
Isso é selvageria — não filosofia.
Ela é justa e racional?
A Bíblia
contrapõe-se à tolerância religiosa — à liberdade religiosa. Todos que
discordassem da maioria eram apedrejados até a morte. Investigar era um
crime. Maridos eram ordenados a denunciar e ajudar no assassinato de
suas esposas descrentes.
É inimiga da
arte. “Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que há
em cima no céu, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra”:
esta foi a morte da arte. (cf. Êxodo 20:4)
A Palestina jamais produziu um pintor ou escultor.
A Bíblia é civilizada?
Ela apoia a
mentira, o furto, o roubo, o assassinato, a venda de carne estragada a
estranhos e até o sacrifício de seres humanos a Jeová.
Ela é filosófica?
Ensina que os
pecados das pessoas podem ser transferidos a um animal — a um bode. Faz
da maternidade uma ofensa que precisa ser compensada com uma oferenda.
Dar luz a um menino era mau, dar luz a uma menina era duas vezes mau. (cf. Levítico 12)
Produzir o óleo que os padres utilizavam era uma ofensa passível de pena de morte.
O sangue de um pássaro morto em água corrente era considerado medicinal. (cf. Levítico 14)
Um Deus
civilizado sujaria seu altar com o sangue de bois, ovelhas e pombas?
Transformaria todos padres em açougueiros? Deliciaria-se com o odor de
carne queimando?
3 - Os Dez Mandamentos
Alguns
advogados cristãos — alguns juízes eminentes e estúpidos — disseram e
ainda dizem que os Dez Mandamentos são o fundamento da lei.
Nada poderia
ser mais absurdo. Muito antes de esses mandamentos serem dados havia
códigos legislativos na Índia e no Egito — leis contra o assassinado, o
perjúrio, o furto, o adultério e a fraude. Tais leis são tão antigas
quanto a sociedade humana; tão antigas quanto o amor à vida; tão antigas
quanto a indústria; quanto a noção de prosperidade; quanto o amor
humano.
Nos Dez
Mandamentos todas as ideias boas são antigas; todas as novas são tolas.
Se Jeová fosse civilizado, teria dispensado o mandamento sobre guardar
os sábados para o santificar, e em seu lugar diria: “Não escravizarás o
teu próximo”. Teria omitido aquele sobre o juramento, e diria: “Não
terás senão uma única esposa, e a mulher não terá senão um único
marido”. Teria deixado de lado aquele sobre imagens esculpidas, e diria:
“Não provocarás guerras de extermínio e não desembainharás tua espada
senão em legítima defesa”.
Se Jeová fosse civilizado, quão melhores seriam os Dez Mandamentos.
Tudo que
chamamos de progresso — a emancipação do homem, o trabalho, a
substituição da pena de morte pela prisão e da prisão pela fiança, a
destruição da poligamia, o estabelecimento da liberdade de expressão, os
direitos de consciência; em suma, tudo que favoreceu o desenvolvimento
da civilização humana; todos os frutos da investigação, da observação,
da experimentação e do livre-pensamento; tudo que o homem conquistou em
benefício do próprio homem desde o fim da Idade das Trevas — tudo isso
prescindiu do Velho Testamento.
Permitam-me ilustrar a moral, a misericórdia, a filosofia e a bondade do Velho Testamento:
A história de Acã (cf. Josué 7)
Josué tomou a
cidade de Jericó. Antes da queda da cidade ele declarou que todos os
despojos deveriam ser entregues ao Senhor. Apesar dessa ordem, Acã
escondeu uma capa babilônica e um pouco de prata e ouro.
Posteriormente,
Josué tentou tomar a cidade de Ai. Ele fracassou e muitos de seus
soldados foram mortos. Josué procurou a causa de sua derrota e descobriu
que Acã havia escondido uma capa babilônica, duzentos siclos de prata e
uma cunha de ouro.
Diante disso, Acã confessou.
Então
imediatamente Josué tomou Acã, seus filhos, filhas, esposa, bois e
ovelhas, apedrejou-os todos até a morte, e então queimou seus corpos.
Nada indica que
seus filhos e filhas haviam cometido qualquer crime. Certamente, os
bois e ovelhas não deveriam ser apedrejados à morte pelo crime de seu
proprietário. Essa foi a justiça, a clemência de Jeová!
Após Josué ter cometido esse crime, com a ajuda de Jeová, ele capturou a cidade de Ai.
A história de Eliseu (cf. II Reis 2:23-24)
“Então subiu
dali a Betel; e, subindo ele pelo caminho, uns meninos saíram da cidade,
e zombavam dele, dizendo: Sobe, calvo; sobe, calvo!”
“E, virando-se
ele para trás, os viu, e os amaldiçoou em nome do Senhor. Então duas
ursas saíram do bosque, e despedaçaram quarenta e dois daqueles
meninos.”
Esse foi a obra do bom Deus — do misericordioso Jeová!
A história de Daniel (cf. Daniel 6)
O rei Dario
honrou e exaltou Daniel, e os príncipes nativos estavam enciumados.
Então persuadiram o rei a assinar um decreto — válido por trinta dias —
que condenaria à cova dos leões qualquer homem que pedisse algo qualquer
deus ou homem, salvo o rei Dario.
Posteriormente, esses homens descobriram que Daniel, com a face voltada a Jerusalém, rezava três vezes ao dia para Jeová.
Por isso, Daniel foi atirado à cova dos leões; uma pedra foi colocada sobre a boca da cova e ela foi selada com o selo real.
O rei teve uma
noite inquieta. Na manhã seguinte foi à cova dos leões e chamou por
Daniel. Daniel respondeu e disse ao rei que Deus havia enviado seus
anjos e fechado as bocas dos leões.
Daniel foi libertado vivo e ileso, e o rei converteu-se e passou a acreditar no Deus de Daniel.
Dario, sendo
então fiel ao verdadeiro Deus, mandou os homens que haviam acusado
Daniel, suas esposas e filhos para a cova dos leões.
“…e
foram lançados na cova dos leões, eles, seus filhos e suas mulheres; e
ainda não tinham chegado ao fundo da cova quando os leões se apoderaram
deles, e lhes esmigalharam todos os ossos.”
O que as
esposas e crianças fizeram? Que ofensa cometeram contra o rei Dario — o
fiel de Jeová? Quem protegeu Daniel? Jeová! Quem deixou de proteger as
esposas e crianças inocentes? Jeová!
A história de José (cf. Gênesis 41)
O faraó teve um sonho, e este sonho foi interpretado por José.
De acordo essa
interpretação, haveria no Egito sete anos de fartura, seguidos de sete
anos de fome. José aconselhou ao faraó comprar todo o excedente dos sete
anos de fartura e armazená-lo para os anos de fome.
O faraó nomeou José como seu ministro — ou agente —, e ordenou que comprasse a produção excedente de grãos dos anos de fartura.
Então veio a fome. O povo pediu ajuda ao rei, o qual disse que deveriam procurar por José e fazer o que ele ordenasse.
José vendeu trigo aos egípcios até que seu dinheiro se esgotasse — até ficar com todo ele.
Após o dinheiro ter acabado, o povo disse: “Dê-nos trigo e lhe daremos nosso gado”.
José deu-lhes trigo até que todo o gado, os cavalos e os carneiros fossem dados a ele.
Então o povo disse: “Dê-nos trigo e lhe daremos nossas terras”.
Então José deu-lhes trigo até que todas terras fossem dadas a dele.
Mas a fome continuou, e assim os pobres infelizes venderam a si mesmos, tornando-se servos do faraó.
Então José lhes
deu sementes e fez um pacto com eles, segundo o qual deveriam
eternamente dar um quinto de tudo que produzissem ao faraó.
Quem permitiu a
José interpretar o sonho do faraó? Jeová! Ele já sabia antecipadamente
que José usaria aquela informação para extorquir e escravizar o povo do
Egito? Sim. Quem produziu a fome? Jeová!
É perfeitamente
nítido que os judeus não viam Jeová como o Deus do Egito — como o Deus
de todo o mundo. Era o Deus deles, e tão-somente. Outras nações tinham
deuses, mas Jeová era o maior de todos.
Ele odiava outras nações e outros deuses, detestava todas as religiões exceto aquela que o adorava.
4 - Que valor tem tudo isto?
Algum estudioso do cristianismo poderia nos explicar qual é o valor do Gênesis?
Sabemos que não é verdadeiro — que se contradiz. Há duas versões da criação, uma no primeiro e outra no segundo capítulo.
Na primeira, os pássaros e bestas foram criados antes do homem.
Na segunda, o homem é criado antes dos pássaros e bestas.
Na primeira, as aves são feitas a partir da água.
Na segunda, as aves são feitas a partir da terra.
Na primeira, Adão e Eva são criados juntos.
Na segunda,
primeiramente Adão foi feito; depois as bestas e os pássaros, e então
Eva foi criada a partir de uma das costelas de Adão.
Essas histórias são muito mais antigas que o Pentateuco.
Versão persa: Deus criou o mundo em seis dias, um homem chamado Adama, uma mulher chamava Eva, e então descansou.
As histórias dos etruscos, babilônios, fenícios, caldeus e egípcios são muito parecidas.
Os persas, gregos, egípcios, chineses e hindus têm seu Jardim do Éden e sua Árvore da Vida.
Assim, os
persas, os babilônios, os núbios, o povo do sul da Índia, todos tinham
sua história da sucumbência do homem e da serpente astuciosa.
Os chineses
dizem que o pecado veio ao mundo através da desobediência da mulher. E
mesmo os taitianos acreditam que o homem foi criado da terra, e a
primeira mulher de um de seus ossos.
Todas essas
histórias são igualmente autênticas e de idêntico valor ao mundo, e
todos os seus autores estavam igualmente inspirados.
Sabemos também que a história do dilúvio é muito mais antiga que o livro do Gênesis; além disso, sabemos que não é verdadeira.
Sabemos que a
história do Gênesis é copiada da versão caldeia. Nela você também
encontra tudo sobre a chuva, a arca, os animais, a pomba que foi enviada
três vezes e a montanha na qual a arca repousa.
Ou seja, hindus, chineses, persas, gregos, mexicanos e escandinavos têm essencialmente a mesma história.
Também sabemos que o relato sobre a Torre de Babel é uma fábula ignorante e infantil.
Então o que
resta neste inspirado livro do Gênesis? Contém alguma palavra que visa o
desenvolvimento do coração ou da mente? Contém algum pensamento elevado
— qualquer grande princípio, alguma poesia —, qualquer palavra que
conduza à prosperidade?
Contém algo além de uma enfadonha e detalhada descrição de coisas que nunca aconteceram?
Há algo no Êxodo que pretende tornar os homens generosos, bondosos e nobres?
O que há de bom
em ensinar a crianças que Deus torturou o gado inocente dos egípcios —
ferindo-os mortalmente a pedradas — por culpa dos pecados do faraó?
Será que nos
tornaríamos compassivos se acreditássemos que Deus matou os primogênitos
dos egípcios — primogênitos de um povo pobre e sofrido, da pobre moça
trabalhando nos moinhos — por causa da maldade do rei?
Podemos acreditar que os deuses egípcios fizeram milagres? Transformaram água em sangue e bastões em serpentes?
No Êxodo não há sequer uma ideia original ou uma linha que tenha valor.
Sabemos — se é
que sabemos alguma coisa — que este livro foi escrito por selvagens —
selvagens que acreditavam na escravidão, na poligamia e nas guerras de
extermínio. Sabemos que a história contada é impossível e que os
milagres relatados nunca ocorreram. Este livro admite que há outros
deuses além de Jeová. No 18o(1) capítulo há este verso: “Agora sei que o
Senhor é maior que todos os deuses; até naquilo em que se houveram
arrogantemente contra o povo”.
Neste livro sagrado ensina-se o dever do sacrifício humano — do sacrifício de bebês.
No 22o capítulo
há este comando: “Não tardarás em trazer ofertas da tua ceifa e dos
teus lagares. O primogênito de teus filhos me darás”.
O Êxodo foi um trampolim ou uma travanca à espécie humana?
Subtraindo-se do Êxodo as leis comuns às outras nações, o que resta nele de valor?
Há algo de
importância em Levítico? Há algum capítulo que mereça ser lido? Que
interesse temos nas roupas dos padres, nas cortinas e velas dos
tabernáculos, nas pinças e pás do altar ou no óleo utilizado pelos
levitas?
Para que serve o
código cruel, as punições amedrontadoras, as maldições, as falsidades e
os milagres deste livro ignorante e infame?
E o que há no
livro de Números — com seus sacrifícios e água de ciúmes, seus pães e
colheres, suas crianças e flor de farinha, seus óleos e castiçais, seus
pepinos, cebolas e manás — que ajuda e instrui a humanidade?
Que interesse
temos na rebelião de Corá, na água da amargura, nas cinzas da novilha
vermelha, na serpente de bronze, na água que seguiu o povo para cima e
para baixo por quarenta anos e na jumenta inspirada do profeta Balaão?
Acaso essas absurdidades e crueldades — essas superstições pueris e selvagens — ajudaram a civilizar o mundo?
Há qualquer
coisa em Josué — em suas guerras, em seus assassinatos e massacres, em
suas espadas gotejando sangue de mães e bebês, em suas torturas e
mutilações, em sua fraude e fúria, em seu ódio e vingança — cuja
finalidade é melhorar o mundo?
Cada capítulo deste livro não é um verdadeiro choque ao coração de um homem bondoso? Será um livro que crianças deveriam ler?
O livro de
Josué é impiedoso como a fome, feroz como o coração de uma besta
selvagem. É uma história, uma justificativa, uma santificação de
praticamente qualquer tipo de atrocidade.
O livro de
Juízes trata do mesmo assunto, nada além de guerra e matança; a horrível
história de Jael e Sísera; de Gideão e suas trombetas e cântaros; de
Jefté e sua filha, que ele matou para agradar Jeová.
Nele encontramos a história de Sansão, na qual um deus-sol é transformado em um hebreu gigante.
Leiam este
livro de Josué, leiam sobre morticínio de mulheres, esposas, mães e
bebês, leiam seus milagres impossíveis, leiam seus crimes cruéis — e
tudo feito de acordo com os Dez Mandamentos de Jeová —, e então me digam
se este livro foi feito para nos tornar compreensivos, generosos e
bondosos.
Admito que a
historia de Rute, em alguns aspectos, é bela e tocante; que é contada
com naturalidade, e que seu amor por Noêmi era profundo e puro. Mas em
matéria de namoro, dificilmente aconselharíamos nossas filhas a seguir o
exemplo de Rute. Devemos lembrar que Rute era uma viúva.
Há algo que
valha a pena ser lido no primeiro e segundo livros de Samuel? Deveria um
profeta de Deus despedaçar um rei cativo? A história da arca, de sua
captura e recuperação, tem qualquer importância para nós? É uma atitude
correta, justa e clemente matar cinquenta mil homens porque olharam uma
caixa? Qual a utilidade das guerras de Saul e Davi e das histórias de
Golias e da feiticeira de Endora? Por que Jeová deveria ter matado Uzá
por ter estendido a mão para firmar a arca e perdoado Davi por
assassinar Urias e roubar sua esposa?
De acordo com
“Samuel”, Davi fez um censo do povo. Isso suscitou a ira de Jeová, que
como punição permitiu a Davi escolher sete anos de fome, três meses
fugindo da perseguição de seus inimigos ou três dias de pestilência.
Davi, tendo confiança em Deus, escolheu os três dias de pestilência; e
então Deus — o misericordioso — matou setenta mil homens pelo pecado de
Davi.
Ante as mesmas circunstâncias, o que um diabo teria feito?
Há algo no primeiro e segundo livros de Reis que sugere a ideia de inspiração?
Quando Davi
está morrendo, diz ao seu filho Salomão para matar Joabe — que não
deixasse suas cãs descerem à sepultura em paz. Com seu último suspiro,
ordena que seu filho faça com que as cãs de Simei desçam à sepultura com
sangue. Após proferir essas amáveis palavras, o bom Davi, o homem do
coração de Deus, dormiu com seus pais.
Seria
necessária inspiração para que um homem escrevesse a história da
construção do templo, a história da visita da rainha de Sabá ou
relatasse o número de esposas de Salomão?
Que nos importa mão seca Jeroboão, a profecia de Jeú ou a história de Elias e os corvos?
Como podemos acreditar que Elias trouxe chamas do céu ou que foi até o último Paraíso em um carro de fogo?
Podemos
acreditar na multiplicação do azeite por Eliseu, que um exército foi
ferido com cegueira ou que um machado flutuou na água?
Será que ler
sobre a decapitação dos setenta filhos de Acabe, sobre o vazamento dos
olhos de Zedequias e o assassinato de seus filhos nos torna mais
civilizados? Há uma palavra sequer no primeiro e segundo livros de Reis
que se destina a melhorar o homem?
O primeiro e
segundo livros de Crônicas não passam de uma repetição do que é dito no
primeiro e segundo livros de Reis. As mesmas velhas histórias — com
algumas reduções, algumas adições, mas que não as tornam nem melhores
nem piores.
O livro de
Esdras é irrelevante. Conta-nos que Ciro, o rei da Pérsia, emitiu uma
proclamação para a construção do templo de Jerusalém, e que declarou ser
Jeová o único e verdadeiro Deus.
Nada poderia
ser mais absurdo. Esdras nos fala sobre o retorno do cativeiro, a
construção do Templo, a dedicatória, umas poucas orações, e isso é tudo.
Esse livro não tem qualquer importância, é inútil.
Neemias trata
do mesmo assunto, apenas fala sobre a construção do muro, as reclamações
do povo quanto aos impostos, a lista daqueles que retornaram da
Babilônia, um catálogo daqueles que habitavam Jerusalém e a dedicatória
dos muros.
Nenhuma palavra do livro de Neemias merece ser lida.
Então vem o
livro de Ester: nele é dito que o rei Assuero estava embriagado; que
ordenou à sua rainha, Vasti, que se mostrasse a ele a aos convidados.
Mas ela recusou-se.
Isso enfureceu o
rei, e este ordenou que de cada província fossem trazidas as moças mais
bonitas, para que ele pudesse escolher uma para ocupar o lugar de
Vasti.
Entre outras, foi trazida Ester, uma judia. Ela foi escolhida, tornando-se a esposa do rei.
Um cavalheiro
chamado Hamã desejava que todos os judeus fossem destruídos, e o rei,
não tendo conhecimento de que Éster era uma judia, assinou um decreto
para que os judeus fossem mortos.
Através dos esforços de Mordecai e Ester o decreto foi anulado e os judeus salvaram-se.
Hamã preparou
uma forca para a execução de Mordecai, mas a boa Ester conseguiu fazer
com que Hamã e seus dez filhos fossem enforcados na forca que ele havia
construído, e os judeus foram autorizados a matar mais de setenta e
cinco mil súditos do rei.
Essa é a história inspirada de Ester:
No livro de Jó
encontramos alguns sentimentos elevados, alguns pensamentos sublimes e
alguns tolos, algo sobre a maravilha e a perfeição da natureza, as
alegrias e tristezas da vida; mas a história é infame.
Alguns Salmos
são bons, muitos são indiferentes e poucos são infames. Neles estão
misturados vícios e virtudes. Há versos que elevam e versos que
degradam. Há orações de perdão e orações de vingança. Em toda a
literatura mundial não existe nada mais inumano e infame que o 109o
salmo.
Nos provérbios
há muita sagacidade, muitas máximas expressivas e prudentes, muitos
dizeres sábios. As mesmas ideias são exprimidas de várias maneiras — a
sabedoria da economia e do silêncio, os perigos da vaidade e da
ociosidade. Alguns são triviais, alguns são tolos e muitos são sábios.
Esses provérbios não são generosos — não são altruísticos. Dizeres de
mesma natureza podem ser encontrados em todas nações.
Eclesiastes é o
livro mais profundo da Bíblia. Foi escrito por um descrente — um
filósofo —, um agnóstico. Retire-se dele as interpolações, e estará de
acordo com o pensamento do século XIX. Nesse livro estão as passagens
mais filosóficas e poéticas da Bíblia.
Após atravessar
o deserto de mortes e crimes — após ler o Pentateuco, Josué, Juízes,
Samuel, Reis e Crônicas —, é um encanto encontrar esse jardim de poesia
chamado “Cântico dos Cânticos”. Um drama de amor — de amor humano —, um
poema sem Jeová, um poema nascido do coração e verdadeiro para os
instintos divinos da alma.
“Eu dormia, mas o meu coração velava.” (cf. Cântico dos cânticos 5:2)
Isaías é o
trabalho de vários. Suas palavras pomposas, sua imagética vaga, suas
profecias e maldições, seus devaneios contra reis e nações, seu escárnio
da sabedoria humana e seu ódio à alegria não possuem a menor tendência
de promover o bem-estar do homem.
Neste livro
encontra-se o mais absurdo de todos os milagres. A sombra no relógio
volta dez graus como sinal de que Jeová havia adicionado quinze anos à
vida de Ezequias. (cf. Isaías 38)
Com este
milagre o mundo — que gira de oeste para leste a mais de mil milhas por
hora — não apenas para, mas de fato retrocede até que a sombra do
relógio tenha voltado dez graus!
Há em todo o mundo algum indivíduo inteligente que acredite nesta mentira grosseira?
Jeremias não contém nada de importância — nenhum fato de valor.
Nada além de
procura por erros, lamentações, resmungos, gemidos, maldições e
promessas; nada além de fome e oração, da prosperidade do mal, da ruína
dos judeus, do cativeiro e o retorno, e finalmente Jeremias, o traidor,
no tronco e na prisão.
O livro de
Lamentações é simplesmente a continuação dos delírios do mesmo
pessimista insano; nada além de pó, trapos, cinzas, lágrimas, uivos,
xingamentos e insultos.
E Ezequiel —
comendo manuscritos, profetizando cerco e desolação, com visões de
brasas de fogo, de querubins, da figura da caldeira fervente e da
ressurreição de ossos secos — também não possui qualquer valor, nenhum
valor imaginável.
Assim como Voltaire, digo que se há alguém que admira Ezequiel, então deveria ser compelido a jantar com ele.
Daniel é um sonho conturbado — um pesadelo.
Que utilidade
tem este livro, com sua imagem com cabeça de ouro, com peito e braços de
prata, com ventre e coxas de bronze, com pernas de ferro e com pés em
parte de ferro e em parte de barro; com suas escrituras na parede, sua
cova dos leões e sua visão do carneiro e do bode?
Há algo e ser
aprendido de Oseias e sua esposa? Há algo proveitoso em Joel, em Amós,
em Obadias? Há algo a ser extraído da história de Jonas e o peixe que o
engoliu? Será possível que Deus é realmente o autor de Miqueias, Naum,
Habacuque, Sofonias, Ageu, Malaquias e Zaracias, com seus cavalos
vermelhos, seus quatro chifres, seus quatro ferreiros, seu rolo voador,
seus montes de bronze e sua pedra com sete(2) olhos?
Estes livros “inspirados” trouxeram qualquer benefício ao homem?
Nos ensinaram como cultivar a terra, construir casas, tecer roupas ou preparar alimento?
Nos ensinaram a
pintar quadros, talhar estátuas, construir pontes, navios ou qualquer
coisa bela ou útil? Foi do Velho Testamento que derivamos nossas noções
de governo, de liberdade de culto, de liberdade de pensamento? Colhemos
destes livros qualquer ideia que contribuiu à ciência? Há nestas
“sagradas escrituras” uma palavra, uma linha que tenha contribuído à
riqueza, à inteligência ou à felicidade da humanidade?
Há algum livro
no Velho Testamento tão divertido quanto “Robinson Crusoe”, “As Viagens
de Gulliver” ou “Peter Wilkins e sua Esposa Voadora”? Será que o autor
de Gênesis sabia tanto sobre a natureza quanto Humboldt, Darwin ou
Haeckel? Será que o chamado Código Mosaico é tão sábio ou tão compassivo
quanto o código de quaisquer nações civilizadas? Os escritores de Reis e
Crônicas foram grandes historiadores e escritores assim como Gibbon e
Draper? Será Jeremias ou Habacuque igual a Dickens ou Thackeray? Os
autores de Jó e Salmos são comparáveis a Shakespeare? Por que deveríamos
atribuir o melhor ao homem e o pior a Deus?
(Continua...)
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