Luis A R Branco
Luis A R Branco é colaborador do Genizah
A igreja
evangélica brasileira, num passado não muito distante, preocupou-se mais
em ser anti-católica do que ser bíblica, e infelizmente o mesmo
sentimento perdura em certos arraiais. No fundo funciona como se a
igreja evangélica fosse aquela que faz o oposto daquilo que a igreja
católica faz. Se não o oposto, fazemos diferente, na nossa perspectiva,
“fazemos do modo certo” e os católicos do “modo errado”. Isto criou uma
quase que completa rejeição ao catolicismo, pois em nossa perspectiva
“evangélica”, tudo o que for proveniente do catolicismo não presta e
deve ser rejeitado. Do lado católico o sentimento é basicamente o mesmo.
Lembro-me dos
meus avós paternos, que eram católicos praticantes, e todas as vezes em
que ia passar algum tempo com eles, me surpreendia pelo zelo espiritual
que eles possuíam. No domingo pela manhã, colocavam todos os que estavam
em casa para assistir a missa na igreja que ficava um pouco mais de um
quilometro de onde viviam. Lembro-me também da minha avó colocando os
netos ajoelhados na varanda ao fim da tarde para rezar. Era um casal
idoso, que se amava e que amava a família, e como eram gostosos aqueles
dias que passávamos ali. Meu avó faleceu, e foi sepultado em um
cemitério que ficava no alto de um morro bem de frente para sua
propriedade, seu túmulo era bem junto ao muro e a cruz que foi colocada
sobre ele era possível der ser vista da sua casa. Lembro-me da minha
avozinha sentada num banco de madeira a contemplar a cruz de longe, e um
dia sentei-me ao seu lado e ela me disse: “Vê lá no topo a cruz? Ali
está o corpo do teu avô, brevemente vou me juntar ao meu velho!” O que
aconteceu, mas não tão cedo, passaram-se quase dez anos até que ela
viesse a falecer.
A religiosidade é mais desgraçada do que cheia de graça, prejudica mais do que ajuda, seja ela católica, protestante ou qualquer outra.
A lembrança que
tenho dos meus avós católicos é maravilhosa e espirituosa. No entanto,
antes do falecimento da minha avó, a família experimentou as primeiras
conversões ao protestantismo. Lembro-me da preocupação destes primeiros
crentes que ao contrário de pregarem o evangelho bíblico para minha avó e
o resto da família, insistiam em mostrar o quanto o catolicismo estava
errado. A estratégia não funcionou e trouxe uma grande divisão na
família. Agora havia a “bancada evangélica” e a “bancada católica”, e os
evangélicos faziam sempre questão de “alfinetar”, isto é, “mostrar a
verdade” aos familiares católicos e o outro lado fazia mesmo,
denunciando a traição aos valores familiares. Os dias felizes
acabaram-se, a família se dividiu e cada um seguiu seu rumo,
encontrando-se ocasionalmente conforme a vida de cada um permitia, como
consequência, perdi quase todo contato com boa parte dos primos e tios. A
religiosidade é mais desgraçada do que cheia de graça, prejudica mais
do que ajuda, seja ela católica, protestante ou qualquer outra.
Não sou
ecumênico, mas não sou contra a fé de ninguém. Eu prego o Cristo despido
na cruz do calvário, que teve suas vestes tomadas e repartidas entre os
homens (Jo 19:24). Foi assim, desprovido dos paramentos católicos, ou
da toga presbiteriana, e da “abençoada” gravata batista que ele morreu.
Ali na cruz ele não era católico ou protestante, era apenas o Filho
bendito do Deus eterno que veio salvar o mundo do seu pecado (1 Tm
1:15). A salvação não vem de igreja alguma, seja ela católica ou
protestante, ela vem do Senhor (Jn 2:9). E nossa tendência de tentar
construir nossa religião sobre as ruínas da fé alheia pouco contribui
para a causa de Deus, não foi Jesus mesmo que disse que não se põe
remendo de pano novo em roupa velha (Mt 9:16)? Creio que precisamos do
evangelho tanto na igreja católica como na igreja protestante e se nos
preocupássemos em pregar o evangelho e a ensinar as pessoas a servirem a
Deus, o proveito seria melhor.
A igreja evangélica brasileira, num passado não muito distante, preocupou-se mais em ser anti-católica do que ser bíblica
No fundo o pecado
protestante é igual ao pecado católico. Enquanto os católicos
institucionalizaram a salvação, nós protestantes, institucionalizamos a
Santíssima Trindade. Acreditamos firmemente que o Pai, o Filho e
principalmente o Espírito Santo é patrimônio evangélico. Quando o
movimento carismático da igreja católica surgiu, nos deixou de “boca
aberta”. Será isto possível? Será que o Espírito Santo equipa também os
católicos com dons espirituais? Não são os dons espirituais propriedade
privada das igrejas pentecostais e neo-pentecostais evangélicas? Lógico
que logo os “apologetas” protestantes trataram de arrumar uma desculpa
qualquer para aliviar os nervos protestantes.
A privatização
protestante foi ainda mais longe, privatizamos também as virtudes
humanas. Sempre que alguém que não é evangélico e tem uma virtude que
chama a nossa atenção, dizemos: “Só falta ser crente!” As virtudes como
amor, perdão, bondade, honestidade, misericórdia e outras também não são
patrimônios evangélicos. Elas são mais que obrigações evangélicas, mas
mesmo hindus ou muçulmanos são perfeitamente capazes de superar muitos
protestantes no que diz respeito as virtudes humanas. Mas obviamente que
“não aceitamos” esta possibilidade. A Madre Teresa de Calcutá é uma
incógnita para nós evangélicos. Como é possível existir uma pessoa com
uma vida de fé, intimidade com Deus, com tamanha compaixão e com obras
tão impressionante fora do protestantismo?
A nossa grande
necessidade é do evangelho despido de nossos preconceitos. Hoje, tanto
católicos quanto protestantes, carecem de um envolvimento real com Deus e
sua Palavra. Se os católicos são idólatras por um lado, os protestantes
são materialistas por outro, se os católicos usam Maria como
intercessora, os protestantes usam o pastor, apóstolo, bispo, profetas e
outras bobagens. Não tenciono promover aqui um ecumenismo
católico-protestante, mas mostrar que sem Cristo, não importa o lado em
que eu me encontre, estou perdido. Que possamos pregar o Evangelho do
Cristo despido!
Luis A R Branco é colaborador do Genizah