O medo de perder

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A Filosofia discute o relacionamento.

Um dos maiores obstáculos para uma vida plena, harmônica, mais expressiva e significativa é o medo de perder.

Sobretudo o medo de perder alguém.

O medo de perder alguém que nós dizemos amar.

O medo de perder a esposa, o esposo, os filhos, os amigos, o patrão, o empregado, o cliente.

Esta emoção é a principal responsável pelo nosso sofrimento vital.

O medo de perder é o medo de nos tornarmos dispensáveis para a pessoa com a qual nos relacionamos.

O medo de perder se reveste de 1001 disfarces:

- O medo de sermos criticados por alguém.

- Medo de que falem mal de nós.

- Medo de que nos humilhem.

- Medo de sermos abandonados.

- Medo de sermos rejeitados.

- Medo de não sermos ilustres.

- Medo de sermos menosprezados.

- Medo de não sermos amados.

- Medo da solidão.

- Medo de não dominarmos tudo e todos.

E tudo isso pode ser designado mais claramente por uma palavra: Ciúme.

O ciúme é: o medo de não ter alguém. Medo de não possuir alguém, não vir a ser dono de alguém.

Na relação ciumenta nos colocamos e o outro como objetos.

Nesta relação, pessoa e objeto são a mesma coisa.

No ciúme temos medo de algum dia sermos considerados inúteis, dispensáveis a outra pessoa.

Esta é a emoção do sofrimento, a emoção do apelo, a emoção da relação confusa, misturada, dependente, e o que a agrava é que na nossa cultura aprendemos o ciúme como sendo amor.

E o ciúme é justamente o contrário.

O ciúme é o oposto do amor.

Na relação amorosa existe identidade, eu sou, independente de você. Não transferimos nossa base psicológica para a outra pessoa, vivendo os dramas dela. Mantemos nossa individualidade e criatividade fluindo com liberdade.

Mas, na relação ciumenta, objetal, perde-se a identidade, a individualidade.

- Eu sem você não valho nada!

- Você é tudo para mim!

Porém, o amor é solto, é livre não se impõe.

Vem de querência intima.

Está diretamente ligado ao sentido da liberdade, de opção de escolha.

O ciúme prende, amarra, condiciona, determina.

Com essa emoção, eu já não sou.

E sou o que o outro quer que eu seja, para que ele também seja o que eu quero que ele seja.

O ciúme é um pacto de destruição mútua que cada qual usa o outro como garantia de que não está sozinho.

Eu me abandono para que o outro não me abandone.

Eu me desprezo para que o outro não me despreze.

Eu me desrespeito para que o outro não me desrespeite.

Eu me destruo, para que o outro não me destrua.

O ciúme é o medo de ser dispensável a alguém, e o mais grave talvez, esteja aqui:  nós passamos a vida inteira com medo de nos tornarmos para os outros, um dia, o que nós já somos: totalmente dispensáveis.

O homem é por definição é dispensável, transitório, efêmero, não é eterno, está numa viagem de aperfeiçoamento nesta vida. Estamos por uma estação, embora, a verdade sempre permaneça.

Somos aquilo que passa, mudamos a todo momento, porque temos que melhorar sempre.

E isto é bastante real.

Em todas as relações que temos hoje somos substituíveis.

O mundo sempre existiu sem nós, está existindo conosco e continuará a existir sem nós.

Nós somos necessários aqui e agora, mas seremos dispensáveis além e depois.

O medo de ser dispensável a alguém é o mesmo medo da morte, que também é real.

O medo da morte é o ciúme da vida.

É a vontade real, falsa, de sermos eternos, permanentes e imutáveis.

O medo de perder nos leva a entender que as coisas só valem a pena se forem eternas, permanentes, duráveis.

Uma relação, só tem valor, nesse caso, se nós tivermos garantias de que sempre será assim como é.

E como tudo é transitório, como tudo é imutável, como tudo é passível de transformação, o medo de perder nos leva a um estado continuo de sofrimento.

As consequências do ciúme são muito claras.

Se eu tenho medo de que me abandonem, de me tornar dispensável a alguém, de que não me amem, ao invés de fazer tudo para ser cada vez melhor, eu gasto toda a minha vida, todas as minhas energias para provar aos outros que eu já sou o "mais".

Que eu já sou o melhor, que eu já sou o primeiro.

Ao invés de empenhar esforços para ser o marido, por exemplo, cada vez melhor, um filho cada vez melhor, uma esposa cada vez melhor, um pai ou mãe cada vez melhores, um chefe cada vez melhor, um empregado cada vez melhor; eu gasto as minhas energias para provar a minha mulher, aos meus amigos, aos meus filhos, ao meu marido, a minha esposa, ao meu chefe, ao meu empregado que já sou o melhor pai do mundo, o que é mentira; o melhor marido ou esposa do mundo, o que é mentira; o melhor amigo do mundo, o que é mentira; o melhor chefe do mundo, o que é mentira; o melhor empregado do mundo, o que é mentira; e assim por diante.

O ciúme nos conduz a um delírio de onipotência; os nossos atos, as nossas iniciativas, a nossa conversa, o nosso comportamento, as nossas considerações; tudo é para mostrar aos outros que já somos bons, fortes, capazes e perfeitos.

Aqui está a diferença básica, fundamental, entre o medo de perder e a vontade de ganhar.

O medo de perder é assim: ganhamos uma ilusão de que podemos ser donos de tudo e de todos. Ninguém vai nos tomar.

Gastaremos todas as energias para defender o que nós já possuímos, para conservarmos o que já ganhamos.

Assim, nós chegamos ao ponto máximo.

Agora, no entanto, só nós resta um caminho, perder.

À vontade de ganhar, por outro lado é assim: estaremos sempre ativos, descobrindo as oportunidades do ganho, procuraremos ganhar cada vez mais, ao invés de nos preocuparmos com as possíveis perdas.

O que nós temos de mais sagrado é a nossa própria vida. E esta nós já vamos perder. Todas as outras perdas são secundárias.

O medo de perder é reativo, defensivo, justificativo.

As pessoas ciumentas estão sempre com um pé atrás e outro na frente.

Sempre se prevenindo para não perder.

Sempre se preparando, sempre conservando.

As pessoas com vontade de ganhar estão sempre ativas, sempre optando, arriscando.

O medo de perder é a vivência do futuro.

É a vivência antecipada do futuro. É preocupação.

À vontade de ganhar, por outro lado, é a vivência do presente.

É a vivência da beleza do presente.

Em tudo, a cada momento, existem riscos e existem oportunidades.

No medo da perda, a pessoa só vê os riscos.

Na vontade de ganhar, a pessoa vê os riscos, mas, sobretudo, vê também as oportunidades.

Cada momento da vida é um desafio para o crescimento.

À vontade de ganhar, a qual nos referimos, não significa ganhar de alguém, mas ganhar de si mesmo.

Ser cada vez melhor, discernir melhor e aproveitar as experiências que aprendemos, principalmente observando os outros agirem neste mundo.

Estar sempre disposto a dar um passo à frente. Estar sempre disposto a crescer um pouco mais.

É importante termos, sempre, para nós, que hoje podemos crescer um pouco mais do que éramos ontem.

Descobrir que ninguém chegou ao seu limite máximo.

Que idade adulta não significa que chegamos ao máximo de nossa potencialidade.

Não existe pessoa madura.

Existe sim, a pessoa em amadurecimento.

Todo nosso sofrimento vem de uma paralização do crescimento pessoal; e cada um de nós sabe muito bem onde paralisou, onde a nossa energia está bloqueada, onde não está havendo expansão da nossa própria energia.

Ainda, não vimos até hoje, um relacionamento se deteriorar sem uma presença marcante do ciúme, do desejo de sermos donos da outra pessoa, de uma ânsia de mais poder e controle sobre os pensamentos, os sentimentos e as ações da pessoa de quem dizemos amar. Pior quando cobramos um afeto que não nos esforçamos por conquistar, mas teimamos em exercermos posse.

O ciúme é a doença do amor.

É um profundo desamor a si mesmo, e consequentemente um desamor ao outro.

Pelo ciúme se estabelece uma relação dominadora versus dominado.

O ciúme é a dor da incerteza com relação aos sentimentos de alguém no futuro. É a raiva de não possuir a segurança absoluta do relacionamento no futuro.

É a tristeza de não saber o que vai acontecer no amanhã.

Aliás, o que dói no ciúme, é a insegurança do futuro, é a insegurança do desconhecido. A loucura está aí.

Passamos a vida inteira tentando conseguir o que jamais conseguimos: segurança.

A segurança não existe. Não existe nada.

Ser seguro, não significa acabar com a insegurança, mas aceitá-la como inerente à natureza humana.

Ninguém pode acabar com o risco do amor.

Por isso, só é possível estarmos em estado de amor se sabemos estar em estado de risco.

Desperdiçamos o único momento que temos que é o agora, em função de um momento inexistente: o futuro.

Parece que as pessoas só valem para nós no futuro.

Nós não curtimos hoje um relacionamento com a mulher, com os filhos, com os amigos, com a namorada ou namorado, sofrendo pela possibilidade de um dia não sermos mais queridos por eles.

O filho, por exemplo, parece que só nos é importante amanhã, quando crescer, quando se formar, quando se casar, quando trabalhar, etc.

Até hoje, ainda não conhecemos um pai preocupado com o futuro dos filhos, que estivesse brincando com eles.

Em geral, não tem tempo porque estão muito preocupados em assegurar-lhes um futuro brilhante.

O ciúme é a incapacidade de vivermos hoje a gratuidade da vida.

Hoje é o primeiro dia do resto de nossa vida, querendo ou não, hoje estamos começando, e viver, é considerar cada segundo de novo. O hoje é um dia que jamais existiu, é único, um sucesso do Universo, é inédito, um milagre da vida.

A cada dia, o seu próprio cuidado.

O medo daquilo que pode acontecer tira-me a alegria de estar aqui e agora.

O medo da morte tira-me a vontade de viver.

O medo de perder alguém tira-me a beleza de estar com ele, agora.

Aliás, quando temos medo de perder alguém é porque imaginamos que as pessoas são nossas. Criamos a absurda ilusão de que podemos possuir alguém, de supor que uma pessoa tem que seguir a nossa lei. É uma ilusão.

Ninguém pode perder o que não tem.

E nós sabemos que ninguém é de ninguém.

Cada pessoa é única e exclusivamente dela mesma.

Esta é outra falsidade.

Podemos perder um livro, um isqueiro, um baralho, uma bolsa, um emprego, porém jamais uma pessoa.

Um sinônimo do medo de perder é a obsessão do primeiro lugar.

O que é obsessão do primeiro lugar?

É colocarmos nos ombros a tarefa impossível de sermos sempre os primeiros em todos os lugares e em todas as circunstancias.

Se for em casa, queremos ser o primeiro; no trabalho, queremos ser o primeiro; numa reunião, queremos ser o primeiro; no futebol, queremos ser o primeiro; num assunto específico, queremos ser o primeiro; em outro assunto qualquer, queremos ser o primeiro, sempre o primeiro.

O primeiro lugar é amar errante, deteriorante, inverdejante, pois quando alguém chegou ao cume da montanha só lhe resta um caminho: começar a descer.

No segundo lugar, ainda temos para onde ir, para onde crescer.

A postura do segundo lugar nos leva ao conhecimento.

Ao crescimento verdadeiro e contínuo.

Porque você não se decreta no segundo lugar, mesmo quando esteja ocupando socialmente, e eventualmente, o primeiro lugar.

O segundo lugar não em relação ao outro, mas em relação a você mesmo.

Ou seja: ainda teremos por onde crescer e melhorar.

Você sabe por que o mar é tão grande?

Tão imenso?

Tão poderoso?

É porque teve a humildade de se colocar alguns centímetros abaixo de todos os rios do mundo.

Sabendo receber, tornou-se grande, poderoso.

Se quisesse ser o primeiro, alguns centímetros acima dos rios, não seria o mar, mas uma ilha.

Toda a sua água iria para os outros, e ele estaria isolado.

E, além disso, a perda faz parte, a queda faz parte, a morte faz parte.

É impossível vivermos satisfatoriamente, se não aceitarmos a perda, a queda, o erro e a morte.

Precisamos aprender a perder. A cair. A errar e a morrer.

Não é possível ganhar sem saber perder.

Não é possível andar sem saber cair.

Não é possível acertar sem saber errar.

Não é possível viver sem saber morrer.

Em outras palavras: se temos medo de cair, andar será muito doloroso.

Se temos medo da morte, a vida é muito ruim.

Se temos medo da perda, o ganho nos enche de preocupações.

Esta é a figura do fracassado, dentro do sucesso.

Pessoas que quanto mais ganham, quanto mais melhoram a vida, mais sofrem.

Para pessoas que tem medo do fracasso, quanto mais sobem na escala social, mais desgraçada é a sua vida.

Em compensação, se você aprende a perder, a cair, a errar, ninguém o controla mais.

Mas o máximo que pode acontecer a você é cair, é errar, é perder. E isto você já sabe.

Bem aventurados aqueles que já consegue receber com a mesma naturalidade o ganho e a perda, o acerto e o erro.

Pois tudo isso faz parte da aventura da vida, deixemos de mirar nossos olhos mentais no negativo e extrair da existência o impulso para frente e para cima porque a vida é bela e leis imperecíveis nos protegem e aos tesouros criados pelo Universo.

Bendigamos e apontemos as boas qualidades que as pessoas tem verdadeiramente. Aquelas  que já conhecemos.

Conta-se que Cristo  e os apóstolos  ao passarem ao lado de um cachorro em estado de putrefação  viraram os seus rostos para não verem este espetáculo nauseabundo. Cristo, observando o cadáver disse   -  Veja  os seus dentes!  São mais alvos que as pérolas.

Ele viu um  bem naquilo, ao invés de comentar o mau.

Assim, nos esforcemos para dispensar o hábito de exercitar a crítica, de falarmos mal de um semelhante, porque nada de bom pode vir de uma critica.

O elogio tem um alcance sempre para melhor.

Elogie sinceramente e milagres poderão acontecer.

A essência da excelência em qualquer  relacionamento está em viver as semelhanças e não diferenças.

As almas simpáticas anseiam por encontrar-se no grande baile da vida para uma dança de justiça e beleza acima de tudo.

by Julio Cesar
Adaptaçao: Leandro Vion
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E não reconheces que não tens medo do amor, mas apenas do que fizeste do amor... (UCEM)

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