Câmara vota nesta quarta projeto para liberar tecnologia que torna planta estéril e é banida no mundo
CESAR BAIMA (EMAIL)
Pesquisadores da empresa de biotecnologia Monsanto em campo de
experiências com soja nos EUA: empresa desenvolveu tecnologia do gene
exterminador que é alvo de moratória em todo mundo NYT
RIO e BRASÍLIA - Alvos de uma moratória global instituída em 2000 no
âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas,
pesquisas, comercialização e uso de organismos geneticamente modificados
com o chamado gene exterminador serão objeto de acirrada disputa entre
ruralistas e defensores do meio ambiente nesta quarta-feira no Congresso
Nacional. Deputados da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
(CCJC) da Câmara votarão projeto de lei que pretende alterar artigos da
Lei de Biossegurança e normas relacionadas para liberá-los no país, o
que tornaria o Brasil o primeiro a permitir seu uso.
Também conhecidas como tecnologias genéticas de restrição de uso, estas
modificações no DNA de plantas fazem com que elas produzam apenas
sementes estéreis. Elas foram criadas pelas empresas de biotecnologia
como uma forma de garantir que os agricultores tenham que comprar novas
sementes a cada plantio no lugar do método tradicional de guardar alguns
grãos da colheita para isso. Segundo os ambientalistas, porém, as
modificações podem se espalhar e contaminar outras plantas, colocando em
risco não só a segurança alimentar como a biodiversidade.
— O risco de contaminação é nossa maior preocupação — diz Gabriel
Fernandes, agrônomo da ONG Assessoria e Serviços à Projetos de
Agricultura Alternativa (ASPTA), que junto com a também ONG ActionAid
Brasil encabeça campanha contra a aprovação do projeto. — Estas plantas
são programadas para serem estéreis apenas na segunda geração. Isso quer
dizer que elas vão completar seu ciclo de vida, amadurecer, florescer e
produzir pólen que vai carregar a informação genética para que as
sementes descendentes dele sejam estéreis. Assim, ao fertilizar plantas
comuns de uma plantação vizinha, esse pólen fará com que elas também
passem a ser estéreis.
Além disso, estas tecnologias não trazem qualquer benefício para a
agricultura de forma geral, isto é, não melhoram a qualidade ou
produtividade da plantação e só servem para garantir que os agricultores
fiquem reféns das empresas produtoras de sementes.
Outros especialistas, no entanto, são contra a proibição dos estudos em
torno do gene exterminador, como Elibio Rech, pesquisador da Embrapa,
onde coordena laboratório de biologia sintética e engenharia genética.
Segundo ele, estas tecnologias podem ter aplicações importantes,
principalmente no campo das plantas “biorreatoras”, modificadas para
produzir substâncias específicas, que podem ser usadas na fabricação de
remédios ou em processos industriais, estimulando os investimentos na
área.
— Estas plantas podem produzir fármacos de alto valor agregado que hoje a
sociedade em geral não tem acesso — lembra Rech. — No futuro, estas
plantas poderão produzir moléculas de tremendo impacto social muito mais
barato do que hoje, ampliando o acesso da população a elas. Sem o gene
exterminador, porém, elas terão que ser plantadas sob contenção
exatamente para evitar o seu cruzamento com outras plantas. Mas se suas
sementes forem absolutamente estéreis, elas podem ser plantadas no
campo, minimizando ainda mais seus custos, além de protegerem a
descoberta, pois não poderão ser usadas por quem não investiu nelas.
E é justamente este uso do gene exterminador em plantas biorreatoras o
principal foco do projeto de lei que será discutido hoje na CCJC. A
iniciativa, originalmente apresentada em 2005 pela então deputada do
ainda PFL Kátia Abreu (TO) — hoje senadora do PSD — voltou à pauta em
2007 pelas mãos do deputado Eduardo Sciarra (PSD-PR) a pedido da própria
senadora.
O governo orientou voto contra o texto, mas em votação que envolve o
lobby ruralista não prevalece essa tendência: deputados da Frente
Parlamentar da Agricultura (FPA), sejam da base ou não, costumam votar
unidos. O relator do projeto é Dilceu Sperafico (PP-PR), da frente
ruralista, que deu parecer favorável.
Os ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário são
contrários ao projeto. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe
Vargas, chegou a ligar do exterior para os deputados governistas e pediu
que impedissem a aprovação. Ele argumentou que há uma repercussão
internacional negativa e que essa discussão chegou na FAO, orgão da ONU
para a alimentação que é dirigido pelo brasileiro José Graziano.
(Colaborou Evandro Éboli, de Brasília)