Dilma, deixa eu te falar uma coisa!
Este
ano completo 7 anos de formada pela Universidade Federal Fluminense e
desde então, por opção de vida, trabalho no interior. Inclusive hoje,
não moro mais num grande centro. Já trabalhei em cada canto...
Você não sabe o que eu já vi e vivi, não só como médica, mas como cidadã brasileira.
Já
tive que comprar remédio com meu dinheiro, porque a mãe da criança só
tinha R$ 2,00 para comprar o pão. Por que comprei? Porque não tinha vaga
no hospital para internar e eu já tinha usado todos os espaços
possíveis (inclusive do corredor!) para internar os mais graves.
Você
sabe o que é puxadinho? Agora, já viu dentro de enfermaria? Pois é, eu
já vi. E muitos. Sabe o que é mãe e filho dormirem na mesma maca porque
simplesmente não havia espaço para sequer uma cadeira? Já viu macas tão
grudadas, mas tão grudadas, que na hora da visita médica era necessário
chamar um por um para o consultório porque era impossível transitar na
enfermaria?
Já
trabalhei num local em que tive que autorizar que o familiar trouxesse
comida ( não tinha, ora bolas!) e já trabalhei em outro que lotava na
hora do lanche (diga-se refresco ralo com biscoito de péssima qualidade)
que era distribuído aos que aguardavam na recepção. Já esperei 12 horas
por um simples hemograma. Já perdi o paciente antes de conseguir um
mera ultrassonografia. Já vi luva descartável ser reciclada. Já deixei
de conseguir vaga em UTI pra doente grave porque eu não tinha um exame
complementar que justificasse o pedido. Já fui ambuzando um prematuro de
1Kg (que óbvio, a mãe não tinha feito pré natal!) por 40 Km para vê-lo
morrer na porta do hospital sem poder fazer nada. A ambulância não tinha
nada...
Tem mais, calma! Já tive que escolher direta ou indiretamente quem deveria viver. E morrer...
Já
ouvi muito desaforo de paciente, revoltando com tanto descaso e que na
hora da raiva, desconta no médico, como eu, como meus colegas, na
enfermeira, na recepcionista, no segurança, mas nunca em você. Já ouviu
alguém dizer na tua cara: meu filho vai morrer e a culpa é tua? Não, né?
E a culpa nem era minha, mas era tua, talvez. Ou do teu antecessor. Ou
do antecessor dele...
Já
vi gente morrer! Óbvio, médico sempre vê gente morrendo, mas de
apendicite, porque não tinha centro cirúrgico no lugar, nem ambulância
pra transferir, nem vaga em outro hospital? Agonizando, de insuficiência
respiratória, porque não tinha laringoscópio, não tinha tubo, não tinha
respirador? De sepse, porque não tinha antibiótico, não tinha
isolamento, não tinha UTI?
A gente é preparado pra ver gente morrer, mas não nessas condições.
Ah Dilma, você não sabe mesmo o que eu já vi!
Mas
deixa eu te falar uma coisa: trazer médico de Cuba, de Marte ou de
qualquer outro lugar, não vai resolver nada! E você sabe bem disso. Só
está tentado enrolar a gente com essa conversa fiada. É tanto descaso,
tanta carência, tanto despreparo...
As
pessoas adoecem pela fome, pela sede, pela falta de saneamento e
educação e quando procuram os hospitais, despejam em nós todas as suas
frustrações, medos, incertezas... Mas às vezes eu não tenho luva e fio
pra fazer uma sutura, o que dirá uma resposta para todo o seu
sofrimento!
O
problema do interior não é falta de médico. É falta de estrutura, de
interesse, de vergonha na cara. Na tua cara e dessa escorja que te
acompanha! Não é só salário que a gente reivindica. Eu não quero ganhar
muito num lugar que tenha que fingir que faço medicina. E acho que a
maioria dos médicos brasileiros também não.
Quer um conselho? Pare de falar besteira em rede nacional e admita: já
deu pra vocês! Eu sei que na hora do desespero, a gente apela, mas vamos
combinar, você abusou!
Se você não sabe ser "presidenta", desculpe-me, mas eu sei ser médica,
mas por conta da incompetência de vocês, não estou conseguindo exercer
minha função com louvor!
Não sei se isso vai chegar até você, mas já valeu pelo desabafo!
Fernanda Melo, médica, moradora e trabalhadora de Cabo Frio, cidade da baixada litorânea do estado do Rio de Janeiro.
http://brasillivreedemocrata.blogspot.com.br/