Abaixo, reproduzo um excelente artigo do economista Rodrigo Constantino, que está em sua página na Internet. Leiam. Não tenho nada a acrescentar.
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Brincando de Revolução
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Brincando de Revolução
“A
raiva e o delírio destroem em uma hora mais coisas do que a prudência, o
conselho, a previsão não poderiam construir em um século.” (Edmund
Burke)
Não vou
sucumbir à pressão das massas. É claro que eu posso estar enganado em
minha análise cética sobre as manifestações, mas se eu mudar de idéia – o
que não só não ocorreu ainda, como parece mais improvável agora – será
por reflexões serenas na calma de minha mente, e não pelo “linchamento”
das redes sociais.
Ao
contrário de muitos, eu não vejo nada de “lindo” em cem mil pessoas se
aglomerando nas ruas. Tal imagem me remete aos delicados anos 60, que
foram resumidos por Roberto Campos da seguinte forma: “É sumamente
melancólico – porém não irrealista – admitir-se que no albor dos anos 60
este grande país não tinha senão duas miseráveis opções: ‘anos de
chumbo’ ou ‘rios de sangue’…”
Eu
confesso aos leitores: tenho medo da turba! Eu tenho medo de qualquer
movimento de massas, pois massas perdem facilmente o controle. Em clima
de revolta difusa, sem demandas específicas (ao contrário de “Fora
Collor” ou “Diretas Já”), o ambiente é fértil para aventureiros de
plantão. Um Mussolini – ou um juiz de toga preta salvador da Pátria –
pode surgir para ser coroado imperador pelas massas.
Alguns
celebram a ausência de liderança, se é mesmo esse o caso. Cuidado com
aquilo que desejam: sem lideranças, há um vácuo que logo será
preenchido. As massas vão como bóias à deriva. E sem rumo definido, não
chegaremos a lugar algum desejado. Disse Gustave Le Bon sobre a
psicologia das massas:
Uma
massa é como um selvagem; não está preparada para admitir que algo possa
ficar entre seu desejo e a realização deste desejo. Ela forma um único
ser e fica sujeita à lei de unidade mental das massas. No caso de tudo
pertencer ao campo dos sentimentos, o mais eminente dos homens
dificilmente supera o padrão dos indivíduos mais ordinários. Eles não
podem nunca realizar atos que demandem elevado grau de inteligência. Em
massas, é a estupidez, não a inteligência, que é acumulada. O sentimento
de responsabilidade que sempre controla os indivíduos desaparece
completamente. Todo sentimento e ato são contagiosos. O homem desce
diversos degraus na escada da civilização. Isoladamente, ele pode ser um
indivíduo; na massa, ele é um bárbaro, isto é, uma criatura agindo por
instinto.
Muito me
comove a esperança de alguns liberais que pensam que o povo despertou e
que será possível guiá-lo na direção do liberalismo. Não vejo isso nos
protestos, nas declarações, nos gritos de revolta. Vejo uma gente
indignada – e cheia de razão para tanto – mas sem compreender as causas
disso, sem saber os remédios para nossos males. Que tipo de proposta
decente e viável pode resultar disso?
Estamos
lidando aqui com a especialidade número um das esquerdas radicais, que é
incitar as massas. Assim como a década de 60 no Brasil, tivemos o
famoso e lamentável Maio de 68 na França, quando apenas Raymond Aron e
mais meia dúzia de seres pensantes temiam os efeitos daquela febre
juvenil. A Revolução Francesa, a Revolução Bolchevique, é muito raro
sair algo bom desse tipo de movimento de massas. Os instintos mais
primitivos tomam conta da festa. Por isso acho importante resgatar
alguns alertas de Edmund Burke em suas Reflexões sobre a Revolução em
França, a precursora desses movimentos descontrolados.
Não
ignoro nem os erros, nem os defeitos do governo que foi deposto na
França e nem a minha natureza nem a política me levam a fazer um
inventário daquilo que é um objeto natural e justo de censura. [...]
Será verdadeiro, entretanto, que o governo da França estava em uma
situação que não era possível fazer-se nenhuma reforma, a tal ponto que
se tornou necessário destruir imediatamente todo o edifício e fazer
tábua rasa do passado, pondo no seu lugar uma construção teórica nunca
antes experimentada?
Não se
curaria o mal se fosse decidido que não haveria mais nem monarcas, nem
ministros de Estado, nem sacerdotes, nem intérpretes da lei, nem
oficiais-generais, nem assembléias gerais. Os nomes podem ser mudados,
mas a essência ficará sob uma forma ou outra. Não importa em que mãos
ela esteja ou sob qual forma ela é denominada, mas haverá sempre na
sociedade uma certa proporção de autoridade. Os homens sábios aplicarão
seus remédios aos vícios e não aos nomes, às causas permanentes do mal e
não aos organismos efêmeros por meios dos quais elas agem ou às formas
passageiras que adotam.
Se
chegam à conclusão de que os velhos governos estão falidos, usados e sem
recursos e que não têm mais vigor para desempenhar seus desígnios, eles
procuram aqueles que têm mais energia, e essa energia não virá de
recursos novos, mas do desprezo pela justiça. As revoluções são
favoráveis aos confiscos, e é impossível saber sob que nomes odiosos os
próximos confiscos serão autorizados.
A
sabedoria não é o censor mais severo da loucura. São as loucuras rivais
que fazem as mais terríveis guerras e retiram das suas vantagens as
conseqüências mais cruéis todas as vezes que elas conseguem levar o
vulgar sem moderação a tomar partido nas suas brigas.
São
importantes alertas feitos pelo “pai” do conservadorismo. Ele estava
certo quanto aos rumos daquela revolução, que foi alimentada pela
revolta difusa, pela inveja, pelo ódio. Oportunistas ou fanáticos
messiânicos se apropriaram do movimento e começaram a degolar todo mundo
em volta. Se a revolução é contra “tudo que está aí”, então quem é
contra ela é a favor de “tudo que está aí”. Cria-se um clima de
vingança, revanchismo, que é sempre muito perigoso. As partes íntimas da
rainha morta foram espalhadas pelos locais públicos, eis a imagem que
fica de uma turba ensandecida.
O PT tem
alimentado há décadas um racha na sociedade brasileira. Desde os tempos
de oposição, e depois enquanto governo (mas sempre no palanque dos
demagogos e agitadores das massas), a esquerda soube apenas espalhar
ódio entre diferentes grupos, segregar indivíduos com base em abstrações
coletivistas, jogar uns contra os outros. Temos agora uma sociedade
indignada, mas sem saber direito para onde apontar suas armas. Cansada
da política, dos partidos, do Congresso, dos abusos do poder, as pessoas
saem às ruas com a sensação de que é preciso “fazer algo”, mas não sabe
ao certo o que ou como fazer.
E isso
porque o cenário econômico começou a piorar. Imagina quando a bolha de
crédito fomentada pelo governo estourar, ou se a China embicar de vez.
Imagina se nossa taxa de desemprego começar a subir aceleradamente. É um
cenário assustador. Alguns pensam que nada pode ser pior do que o PT, e
eu quase concordo. Mas pode sim! Pode ter um PSOL messiânico, um
personalismo de algum salvador da Pátria, uma junta militar tendo que
reagir e assumir o poder para controlar a situação. Não desejamos nada
disso! Temos que retirar o PT do poder pelas vias legais, pelas urnas,
respeitando-se a ordem social e o estado de direito.
O desafio
homérico de todos que não deixaram as emoções tomarem conta da razão é
justamente canalizar essa revolta para algo construtivo. Mas como? Como
dialogar com argumentos quando cem mil tomam as ruas e sofrem o contágio
da psicologia das massas? Alguém já tentou conversar com uma torcida
revoltada em um estádio de futebol? Boa sorte!
Por ser
cético quanto a essa possibilidade, eu tenho mantido minha cautela e
afastamento dessas manifestações. Muita gente acha que o Brasil, terra
do pacato cidadão que só quer saber de carnaval, novela e futebol,
precisa até mesmo de uma guerra civil para acordar. Temo que não gostem
nada do gigante que vai despertar. Ele pode fazer com que essa gente
morra de saudades do “homem cordial”. Não se brinca impunemente de
revolução. Pensem nisso, enquanto há tempo.