Por Augustus Nicodemus Lopes
Apesar da Bíblia nos ensinar que Deus é
imutável — Ele é o mesmo hoje, ontem e para sempre — não podemos perder
de vista o fato de que as Escrituras nos ensinam que Deus nem sempre age
da mesma forma em todas as épocas. Este é o problema com muitas
pessoas. Elas pensam que Deus deve agir hoje exatamente como agiu no
período bíblico pois Ele é o mesmo, sempre. Mas, será que a
imutabilidade de Deus é uma espécie de promessa de que ele sempre agirá
da mesma forma na história dos homens?
Todos concordamos, por exemplo, que Deus
é capaz de criar outra vez mundos, sóis e estrelas; entretanto, segundo
as Escrituras, ele já cessou da sua obra de criação. Todos concordamos
que Deus poderia hoje criar mundos do nada exatamente como fez no
princípio, mas nenhum de nós espera realmente que ele faça isso e nem
ora por isso. O fato de que nosso Deus é o mesmo hoje, ontem e para
sempre não significa que ele sempre terá de criar mundos. A criação do
mundo é um exemplo de uma manifestação sobrenatural do poder divino que
não se repete na História. Essa constatação é, no mínimo, um precedente
para considerarmos a possibilidade de que Deus pode cessar de agir de
determinadas formas na história.
Há outros precedentes na Bíblia de
atividades sobrenaturais que cessaram. Um deles é o dos profetas do
Antigo Testamento. O Senhor Jesus afirmou que João foi o maior e último
deles (Mt 11.13; Lc 16.16). Os profetas do Antigo Testamento são
encarados pelos escritores do Novo como um grupo definido e fechado,
freqüentemente referidos como “os profetas” (ver Mt 11.13; 23.29; 1Ts
2.15; Hb 11.32; Tg 5.10; 1Pe 1.10-12), cujos escritos são mencionados ao
lado da Lei, escrita por Moisés. O autor de Hebreus declara que a
atividade dos profetas do Antigo Testamento já havia cessado, fazendo
parte do modo antigo de Deus se revelar ao seu povo, sendo substituída
por uma revelação maior e mais excelente, que foi aquela através de
Cristo (Hb 1.1-2). Os profetas antigos são considerados, já no tempo do
Novo Testamento, como homens santos, inspirados por Deus, a quem foi
revelado o mistério de Cristo, revelação essa que ganhou forma escrita
(2Pd 1.20-21).
Semelhantemente, não temos mais homens
com os poderes concedidos aos apóstolos, os legítimos sucessores dos
antigos profetas, de inspiração e infalibilidade, de realizar curas tão
extraordinárias. O ofício apostólico, restrito aos Doze e à Paulo,
cessou quando eles morreram. A igreja não nomeou ou elegeu outros
apóstolos para substituir os que iam morrendo. E com os apóstolos parece
haver cessado aqueles dons relacionados com o ofício apostólico, como
por exemplo, o dom de curar.
Todos nós cremos que Deus poderia hoje
levantar pessoas assim, outra vez e inspirá-los de modo a escreverem de
forma inerrante a sua revelação ao povo, mas todos nós entendemos
claramente pelas próprias Escrituras que essa atividade sobrenatural
cessou. As Escrituras já estão completas. Não esperamos que hoje novas
Escrituras sejam produzidas. Assim, a inspiração dos profetas antigos – e
semelhantemente, a dos apóstolos – é mais um exemplo de atividade
sobrenatural que ocorreu num determinado período da história da salvação
e que, havendo cumprido seu propósito, encerrou-se. É mais um
precedente em favor do que estamos argumentando, que Deus não age sempre
do mesmo modo.
Ninguém hoje espera mais que Deus chame
uma pessoa e lhe faça as mesmas promessas que fez a Abraão, de que o
Salvador do mundo nasceria de sua semente. Ninguém espera hoje que o
Filho de Deus, outra vez, se faça homem no ventre de uma virgem e que
morra outra vez na cruz pelos pecados do seu povo. Teoricamente, Deus,
que é o mesmo ontem, hoje e para sempre, poderia fazer todas estas
coisas acontecerem outra vez, mas certamente não as fará mais. Elas
aconteceram de uma vez para sempre, cumprindo um propósito único e
definido na história da redenção.
Da mesma forma, Deus não parece estar
disposto a realizar, outra vez, os grandes milagres do passado, que se
encontram registrados no Antigo Testamento. Não esperamos como uma
possibilidade, mesmo que remota, que Deus hoje abra mares, à vista de
todo um exército de incrédulos, para seu povo passar, num momento de
crise. É claro que ele poderia fazê-lo, mas não temos qualquer garantia
ou promessa que ele o fará. Ou ainda, esperamos realmente que Deus hoje
sustente um povo por 40 anos com pão do céu e água da rocha e com
sandálias que não se acabam no deserto? Ou que faça o sol parar no
firmamento por um dia inteiro? Ou levantar líderes dotados de força
física sobrenatural como Sansão? Não há nenhuma promessa de que Deus
fará isso sempre – ou, outra vez. E de fato, até onde sei, não há
registro na História de que esses fatos aconteceram outra vez. Tais
eventos miraculosos foram realizados num determinado período da História
e com um propósito definido, que já se concretizou. Não é uma questão
de termos fé ou de orarmos por estas coisas. Deus simplesmente não nos
promete que as fará outra vez. Entretanto, ele permanece sendo o Deus
onipotente e Todo-Poderoso de sempre. Apenas, em sua sabedoria, ele tem
formas diferentes de agir em épocas diferentes.
Portanto, o argumento de que Deus hoje
age exatamente da mesma forma como agiu no período bíblico carece de
fundamentação exegética e ignora a evidência bíblica de que o Senhor age
de acordo com um plano, cujas etapas se completam dentro de períodos
definidos da História. Precisamos ter cuidado antes de dizer que tudo o
que ocorria no culto das igrejas do período apostólico deverá ocorrer
hoje, se tão somente estivermos abertos, buscando com fé. Não podemos
deixar o propósito de Deus fora da questão.
***Fonte: O Tempora! O Mores! , via Bereianos.http://www.pulpitocristao.com/