Imagine
sua mente sendo monitorada 24 horas por dia. Você está num lugar onde não é
permitido ver televisão ou ir ao cinema. Até o jornal chega editado às suas
mãos. Ninguém pode ter amigos do lado de fora e o contato com a família é
restrito.
Pelo menos duas horas por dia, você tem de
amarrar um cilício na coxa – espécie de instrumento de tortura com pontas
metálicas que machucam a pele. Quanto maior for o seu desconforto, melhor: isso
significa que a instituição está exercendo mais controle sobre você. Se doer
demais, tudo bem, você poderá trocar de coxa na próxima vez. O importante é que
a experiência não passe em branco. Tem de machucar, deixar marcas. Caso
contrário, não “faz efeito”.
Castidade
Se tudo
isso já parece um pesadelo, saiba que ainda não acabou. Uma vez por semana, você
terá também de golpear suas nádegas ou suas costas com um chicote. E ainda
passará pelo que é chamado de “sinceridade selvagem”: contar aos seus superiores
cada pensamento que passa pela sua cabeça, principalmente aqueles segredos mais
íntimos, sobre os quais não se comenta nem no banheiro, de porta fechada e luz
apagada. Se você não revelar tudo, mas tudinho mesmo, estará mantendo um
“segredo com Satanás”.
As
situações descritas acima não ocorrem nos porões de uma ditadura ou no ritual de
alguma seita satânica, muito pelo contrário. Elas são rotina nas residências do
Opus Dei, onde vivem os chamados numerários – membros da organização religiosa
que fazem voto de castidade e estão ali por opção, para “santificar” o mundo. A
maioria tem profissão e trabalha normalmente, como outra pessoa qualquer. Mas
seus salários vão direto para o Opus. Muitos foram recrutados ainda bem
jovens.
“O
aliciamento acontece na infância ou na juventude, pois é mais fácil doutrinar
uma personalidade ainda em formação. Eles começam levando crianças para brincar
numa espécie de clube e vão seduzindo aos poucos”, diz um ex-numerário, que só
aceitou falar com nossa reportagem mediante o compromisso de não ser
identificado. “Eu mesmo convidava colegas de escola para fazer parte do clube.
Obedecia ao que o diretor mandava: ‘Não conte que é do Opus. Leve primeiro para
conhecer o centro, faça com que a pessoa se envolva’.”
O Opus
Dei não é feito só de numerários: há também os supernumerários. Esses podem se
casar, ter filhos e viver em suas próprias casas, embora também recorram à
penitência física – ou mortificação corporal – como uma forma de controlar
instintos pecadores. Uma das funções secretas desses membros, de acordo com os
críticos da organização, seria ocupar posições de liderança na sociedade – seja
num cargo político, na direção de uma grande empresa, na presidência de um
banco, na reitoria de uma universidade ou na chefia de um veículo de
comunicação. Do alto desses postos de comando, a capacidade de expansão e o
poder de influência do Opus Dei estariam assegurados.
Trabalho
Pode
acreditar: numerários e supernumerários estão por toda parte, talvez bem mais
perto do que você imagina. Afinal, é justamente essa a proposta do Opus – ser
uma legião de homens e mulheres comuns, que se misturam ao mundo real para
transformá-lo de dentro para fora. Do motorista de táxi ao ministro de Estado,
da dona-de-casa à diretora de uma multinacional, todos devem ser engrenagens e
trabalhar silenciosamente pelos objetivos da organização. Como dizia Josemaría
Escrivá, fundador do grupo: “Seja santo. Santifique-se em seu trabalho. E
santifique os outros com seu trabalho”.
Quem
defende a instituição religiosa das acusações de ultraconservadora, totalitária
e conspiradora garante que não há nada de errado com suas tradições, muito menos
de secreto ou misterioso nas ações de seus integrantes. “Para quem conhece e
vivencia o Opus Dei, acima da pirotecnia fica a verdade: ele é uma entidade da
Igreja Católica (...) cuja única finalidade é procurar o ideal da vida e de
serviço cristão no meio do mundo, mediante a santificação do trabalho
profissional, da família e dos deveres cotidianos”, afirma o jurista Ives Gandra
Martins, num artigo publicado pelo jornal Folha de S.Paulo em 2005. “O Opus Dei
tem como membros e trabalha com pessoas de todas as classes sociais. Ama e
defende a liberdade de seus fiéis em todas as questões que a Igreja deixa à
livre discussão dos católicos.”
Autonomia
O Opus
Dei – expressão em latim que significa “Obra de Deus” – foi fundado pelo
sacerdote espanhol Josemaría Escrivá em 1928. Trata-se de uma prelazia pessoal,
figura jurídica da Igreja Católica que está prevista no Código de Direito
Canônico (a constituição da Igreja). Ela dá aos seus membros o direito de seguir
ordens do prelado (o líder máximo do Opus, que fica em Roma), em vez de obedecer
à autoridade católica regional. Simplificando grosseiramente, é como se o grupo
fosse um braço independente da Igreja, que não deve explicações a mais ninguém
além do papa.
Josemaría Escrivá |
Os 70 mil
seguidores de 25 anos atrás hoje são aproximadamente 87 mil. Na avaliação de
Bedoya, esses números demonstram com sobras a situação especial desfrutada pelo
Opus Dei dentro da sempre rígida Igreja Romana. “No último meio século, ninguém
se destacou tanto quanto a Obra de Escrivá”, afirma o jornalista. “Não se pode
dizer a mesma coisa de outras congregações clássicas, como os jesuítas, que hoje
são apenas 19 mil no mundo todo.” Ainda assim, e apesar de estar presente em 64
países, o Opus continua sendo fundamentalmente espanhol. Na Espanha estão
concentrados mais de 40% de seus membros. Outros 35% estão na América Latina. A
organização também tem seus pés muito bem fincados na África e na Ásia. “Agora o
objetivo é a conquista dos ex-países comunistas do Leste Europeu.”
Nesses 25
anos de história, o Opus Dei colecionou críticos. Alguns de seus detratores mais
radicais chegam a chamá-lo de “máfia santa”. Outros o acusam de ser “uma Igreja
dentro da Igreja”, com poderes excepcionais e muito dinheiro sendo colocado a
serviço de um conservadorismo atroz. Em parte, essa fama se deve às estreitas
relações que a organização cultivou com o regime fascista do ditador espanhol
Francisco Franco, de 1939 a 1975. Josemaría Escrivá, o próprio, ouvia as
confissões do “generalíssimo”, como Franco era conhecido, e muitos integrantes
ou colaboradores do Opus Dei foram nomeados ministros de Estado enquanto durou a
ditadura.
A
organização chegou ao Brasil na década de 1950. Instalou-se inicialmente em
Marília, no interior de São Paulo, e de lá acabou migrando para a capital, onde
hoje mantém centros nos bairros do Pacaembu, de Vila Mariana, de Pinheiros e do
Itaim, entre outros. Está presente também nas cidades de Campinas (SP), São José
dos Campos (SP), Rio de Janeiro (RJ), Niterói (RJ), Belo Horizonte (MG),
Brasília (DF), Curitiba (PR), Londrina (PR) e Porto Alegre (RS). Entre
numerários, supernumerários e sacerdotes, estima-se que o Opus tenha cerca de 1
700 integrantes por aqui.
Preeminência
A
influência que a “Obra de Deus” exerce sobre o Vaticano pode ser medida pelo
processo incrivelmente rápido de canonização de Escrivá – o 2º mais breve na
história da Igreja Romana, atrás apenas do de madre Teresa de Calcutá. De acordo
com Juan Bedoya, o papa João Paulo 2º chegou ao cargo protegido e impulsionado
sobretudo pelo Opus Dei. E o atual sumo pontífice também dá sinais de profunda
simpatia pela “Obra”. “A organização não gozou de trato especial com os papas
Pio 12, João 23 e Paulo 6º, mas foi o movimento predileto do polonês João Paulo
2º, mais conservador que os anteriores”, diz o jornalista espanhol. “Com o papa
Bento 16, a organização mantém a preeminência do passado
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