O salmo 7 é introduzido com estas palavras de Davi: “Senhor, Deus meu, em ti me refugio; salva-me de todos os que me perseguem e livra-me; para que ninguém, como leão, me arrebate, despedaçando-me, não havendo quem me livre.” (v. 1-2).
Davi faz uma declaração diretamente a Deus, afirmando que Ele é o seu “Refúgio”. Toda oração geralmente começa com uma prece de gratidão, exceto quando a alma está atribulada. E esse era o caso daquele homem, que agora clamava dizendo: “Salva-me e livra-me!” Ele não orava por salvação do pecado; ele orava por livramento dos seus inimigos, que o perseguiam “como leão”.
Davi conhecia a força destruidora de um leão. Ele via leões destruindo vidas inocentes e indefesas, e certa vez, quando era jovem, ele apascentava as ovelhas de seu pai, e viu um leão levando uma ovelha em sua boca, e ele correu atrás do animal, e tirou a ovelha da boca do leão e o matou. Mas agora, ele temia um inimigo que se comparava a um leão mais forte do que ele, que podia arrebatá-lo, despedaçando-o, sem chance de escapar, sem uma possibilidade de livramento.
Que palavras desesperadoras: “não havendo quem me livre!” Parece bem com as palavras que são retratadas pelo apóstolo Paulo: “Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7:24). Mas Paulo não falava de si mesmo, porque ele conhecia o seu Libertador; ele falava de um homem perdido, que, embora conhecesse a Lei de Deus, desconhecia o Salvador. Davi conhecia o seu Libertador, mas falou desse modo para ressaltar a sua desesperança se ele não tivesse a Deus como o seu Refúgio.
De fato, se não fosse a ajuda constante de Deus, seríamos despedaçados pelo nosso maior inimigo. Satanás é comparado a um leão, “que ruge procurando alguém para devorar” (1Pe 5:8). Os leões são traiçoeiros e se aproveitam das fraquezas de suas vítimas. E assim age Satanás e todos os nossos inimigos que nos ameaçam, e rondam procurando uma ocasião oportuna para atacar pelas costas, a fim de nos destruir. Mas, como Davi, nossa única esperança está em buscar o refúgio em nosso poderoso Deus.
“Senhor, meu Deus, se eu fiz o de que me culpam, se nas minhas mãos há iniqüidade, [4] se paguei com o mal a quem estava em paz comigo, eu, que poupei aquele que sem razão me oprimia.”
1 - Davi foi acusado falsamente. Ele usa as mesmas palavras que usou no verso 1, dirigindo-se ao “Senhor, meu Deus”, porque estas são as expressões de alguém que está ofendido e profundamente angustiado, sem poder achar uma solução para o seu caso. Ele disse: “se eu fiz o de que me culpam...” Ele estava sendo inculpado de alguma coisa que ele não praticara.
2 – Davi afirma a sua inocência. Diz ele: “se nas minhas mãos há iniqüidade...” Ele se nega a confessar um pecado que ele não praticou. O tríplice uso da palavra “se” indica claramente a afirmação de sua fidelidade. Davi já havia feito um protesto diante de Jônatas a quem dirigiu estas palavras: “Que fiz eu? Qual é a minha culpa? E qual é o meu pecado diante de teu pai, que procura tirar-me a vida?” (1Sm 20:1). Ele tinha uma consciência limpa e era fiel e verdadeiro.
3 – Davi revela o crime de que o acusavam. Notem o que ele diz: “se paguei com o mal a quem estava em paz comigo.” Isto se refere ao rei Saul porque logo ele acrescenta: “eu, que poupei aquele que sem razão me oprimia...” De acordo com o título, o salmo foi escrito “com respeito às palavras de Cuxe”. Esse homem era um parente de Saul, da mesma tribo de Benjamim. Ele havia caluniado a Davi, acusando-o de conspiração contra o rei Saul, a fim de matá-lo. Quando Davi se defrontou com o rei Saul disse-lhe: “Por que dás tu ouvidos às palavras dos homens que dizem: ‘Davi procura fazer-te mal!’?” (1 Sam 24:9).
Esta foi a explicação de Davi ao rei Saul, quando foi instigado a matar o rei Saul, o seu inimigo opressor: “Os teus próprios olhos viram, hoje, que o Senhor te pôs em minhas mãos nesta caverna, e alguns disseram que eu te matasse; porém a minha mão te poupou; porque disse: Não estenderei a mão contra o meu senhor, pois é o ungido de Deus.” (1Sm 24:10). Davi tinha mostrado claramente sua inocência ao poupar a vida de Saul, quando ele podia tê-lo matado facilmente.
Este é o fato: acusação falsa de conspiração contra um homem de Deus que tinha a misericórdia de até poupar a vida de um grande inimigo seu, que procurava matá-lo a todo custo, em muitas ocasiões, vivendo “à caça de minha vida”, “como leão” (disse ele, 1Sm 24:11)! Assim era Davi. Não admira que fosse chamado de “o homem segundo o coração de Deus” (At 13:22), porque Deus é misericordioso até com os Seus piores inimigos, poupando a vida deles, e dando-lhes oportunidade de se arrependerem para serem salvos e viverem eternamente com o Seu Benfeitor!
4 – Davi faz o juramento de sua inocência. Disse no v. 5: [Se eu sou culpado] “persiga o inimigo a minha alma e alcance-a, espezinhe no chão a minha vida e arraste no pó a minha glória”. É como se diz hoje em dia: “Se eu fiz isso, quero que caia um raio do céu na minha cabeça!” Isto é um juramento; ele está disposto a sofrer, se ele for culpado de alguma coisa de que é acusado. Isso indica que ele realmente é inocente, e usa uma linguagem muito forte, quase em desespero, para se defender diante de Deus.
Com efeito, o veneno da calúnia pode levar a vítima ao desespero ou à loucura. As palavras de Cuxe feriram os sentimentos de Davi, atacaram a sua reputação e destruíram a sua paz.
Conta uma lenda que os animais um dia perguntaram, desafiando a serpente:
- O leão, disseram eles, atira-se contra a presa, mata-a e devora-a. O lobo estraçalha a ovelha que lhe serve de alimento. O tigre, quando faminto ataca o carneiro e arrasta-o para o seu covil. Mas você, malvada serpente, o que faz? Pica a sua vítima e transmite o veneno para ela. Ora, que proveito você tira da sua perversidade peçonhenta?
Contorcendo-se, responde a serpente:
- Nada espero dos golpes venenosos que eu aplico. Do mal que faço, não tiro o menor proveito. Sigo traindo, envenenando, semeando a dor e a morte, mas não sou pior que o caluniador
A Bíblia diz que muitos outros foram caluniados, acusados injusta e falsamente, e sofreram muito por causa de pessoas perversas e invejosas. (1) José do Egito foi acusado injustamente de seduzir a mulher de Potifar. (2) Jeremias foi acusado de profetizar falsamente em nome do Senhor contra Jerusalém. (3) Daniel foi acusado de rebelião contra o decreto do rei Dario. (4) Paulo foi acusado pelos judeus de ensinar contra a lei. (5) Jesus Cristo foi acusado de blasfêmia, de traição e de insurreição contra Roma, e foi “açoitado para pacificar os acusadores” (O Desejado de Todas as Nações, p. 732).
Era tempo de guerra. Aprisionaram um soldado que regressara ao acampamento, vindo de uma mata próxima. Ele foi acusado de estar traindo o seu exército, mantendo contato com o inimigo e foi levado à presença do comandante.
- O que você estava fazendo naquela mata, àquela hora da noite? - perguntou o oficial.
- Fui ali para orar por mim, fazer uma oração ao meu Deus - respondeu o jovem.
Não convencido, o comandante ordenou friamente que o jovem se ajoelhasse e orasse.
- Se você tem o hábito de orar tanto por auxilio, faça-o agora.
Compreendendo que a acusação de traição poderia significar morte, o jovem caiu de joelhos, e desabafou o coração diante de Deus. Foi patente, em vista de sua fervorosa conversa com o Senhor, que esta não era uma nova experiência em sua vida. Ao soltar ele as últimas palavras e abrir os olhos, viu uma nova expressão da fisionomia do comandante.
- Ergue-te - disse simplesmente o oficial - pode ir embora. Creio no que você disse; do contrário, não poderia fazê-lo tão bem como fez agora.
Disse o apóstolo Paulo que todos os cristãos sofrerão perseguição; todos os que pretendem servir a Deus serão chamados a suportar as mais vis calúnias e falsas acusações (2Tm 3:12). A Bíblia também diz que Satanás nos acusa de dia e de noite (Ap 12:10). Portanto, o salmo 7 contém uma grande mensagem de conforto e esperança para todos os cristãos. Esta é também uma mensagem escatológica, porque traz uma grande consolação a todos os que no tempo do fim são injustamente perseguidos. Ele contém um grande encorajamento para o remanescente fiel quando for vítima das maldições do conflito final com os poderes das trevas, e quando for acusado falsamente.
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