Ele carregou a cruz

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Jesus carregou ele mesmo a cruz? João diz que sim, mas só ele. Os demais relatam que um certo Simão Cirineu, "que passava por ali vindo do campo", segundo Marcos, foi requisitado para fazer o serviço, Brown estranha. O costume impunha que o condenado levasse a cruz ao local da crucificação, o que é atestado pelo historiador Plutarco: "Todo malfeitor que vai para a execução carrega sua própria cruz". A versão de João parece então mais verossímil. A menos, nota Brown, que Jesus estivesse tão debilitado pelos flagelos que lhe foram impostos que não lhe fosse possível suportar o peso.
Mas o peso de quê? O que, exatamente, se carregava? Não era a cruz inteira, informa Brown. Normalmente, a parte vertical ficava fixa no lugar da execução. O que o condenado carregava era a parte horizontal, patibulum em latim. Segundo Lucas, "uma grande multidão do povo' o seguia, inclusive as mulheres a que Jesus se referirá como "filhas de Jerusalém". Brown considera plausível que houvesse gente a segui-lo, com base na cínica observação de outro autor antigo, Luciano, segundo a qual "aqueles que eram levados à cruz ( ... ) tinha um grande número de pessoas em seus calcanhares". O local da execução é o lugar chamado GóIgota em hebraico ou aramaico, que tem 'Calvário" como equivalente latino, ou "Lugar da Caveira", segundo traduzem os quatro evangelhos. O nome indica um monte arredondado na forma de uma caveira, ou crânio. Lá chegados, "então o crucificaram", para retomar Marcos. Mas crucificaram como? Para começar, não há informação precisa sobre a forma da cruz, e ela variava. A palavra "cruz", informa Brown, chegou às línguas modernas com o sentido de uma linha que cruza outra, mas nem o grego stauros nem o latim crux necessariamente têm esse significado. Ambas essas palavras, acrescenta Brown, "referem-se a uma estaca à qual as pessoas podiam ser atadas de várias maneiras: empaladas, penduradas, pregadas ou amarradas". 0 empalamento produziria uma morte rápida. A crucificação, uma morte lenta.
Originário da Pérsia, o método da crucificação era reservado no Império Romano em princípio às classes baixas, os escravos e os estrangeiros. Há pouca informação sobre ele, na literatura latina ou helenístíca, e isso se deve, segundo Brown, ao fato de que "os romanos educados o consideravam uma punição bárbara, da qual se devia falar o menos possível". Em qualquer período da História, acrescenta Brown, aqueles que praticam a tortura não são muito comunicativos sobre os detalhes. Para Cícero, era "a mais cruel e revoltante penalidade", que devia ser reservada só para os escravos, e em último caso. "A própria palavra cruz devia não apenas ficar longe do corpo de um cidadão romano, mas também de seus pensamentos, seus olhos e seus ouvidos", escreveu o mesmo autor.
A pena de Jesus não foi de empalamento nem de enforcamento, mas resta saber a forma da cruz e a maneira com que ele foi fixado a ela. A cruz podia ser em forma de "X" ou de "T", além da que normalmente se imagina. O condenado podia ser fixado nela de cabeça para baixo. Ocasionalmente, informa ainda Brown, uma estaca única, vertical, seria utilizada. O condenado seria pregado nela com os braços estendidos para cima. Se Jesus carregou a barra transversal até o local da execução, ou se a carregaram para ele, então é porque não foi crucificado nem na estaca vertical nem na cruz em "X", que ficavam fixas no solo. Era cruz com barra, portanto, mas essas poderiam ser também em forma de 'T'. Presume-se que não era 0 caso porque, segundo Mateus, "colocaram acima da sua cabeça, por escrito, 0 Motivo da sua condenação". Isso significaria que sobrava um pedaço de estaca onde colocar a inscrição geralmente representada com a sigla "INRI".
Os evangelhos não informam de maneira direta que Jesus foi pregado. Mas Lucas, ao relatar a aparição aos apóstolos, depois da ressurreição, escreve que ele disse ao incrédulo Tomé: "Vede minhas mãos e meus Pés", dando a entender que havia sinais perfuração. João, mais claro, ao relatar mesmo episódio, diz que Tomé queria colocar o dedo "no lugar dos cravos". Os pregos não poderiam ter sido aplicados à mãos, no entanto, pois elas se rasgariam. O crucificado tinha de ser pregado à transversal pelos pulsos. Feito isso, a barra seria erguida por duas forquilhas até um encaixe talhado na barra vertical.
Jesus foi pregado também pelos pés? Fora dos evangelhos, não havia documento algum a atestar que se pregavam crucificados também pelos pés, até a descoberta, em 1968, em Jerusalém, de um túmulo contendo, entre outros, os ossos de um homem que se aproximava dos 30 anos. Tratava-se de um homem morto por Crucificação, e uma crucificação mais ou menos na mesma época de Jesus, pois esses ossos apresentavam sinais de que o homem fora pregado com dois pregos em baixo, cada prego num calcanhar. Pelos furos, imagina-se que ele foi fixado à cruz com as pernas abertas, cada uma colada a um lado da barra vertical. Os pregos foram-lhe então aplicados no lado do pé, à altura do osso do calcanhar. No caso de Jesus, a tradição atribui a Helena, a mãe do imperador Constantino, a descoberta de três pregos que o teriam pregado - só três. Daí o fato de os artistas ao redor do mundo passarem a representar a crucificação com um prego só prendendo os dois pés, um sobre o outro.
Sobre a cruz, resta acrescentar que algumas apresentavam a variante de ter um pequeno assento, outras um apoio para os pés. Não se tratava de misericórdia. Antes, de permitir que, tendo onde se sustentar, o crucificado durasse mais, e portanto sofresse mais. A inscrição que os evangelhos afirmam ter sido afixada à Cruz com as palavras "O Rei dos Judeus" (Marcos) ou "Jesus Nazareno, o Rei dos Judeus" (João), é o titulus - uma placa indicando o crime cometido pelo executado. Em nenhum dos evangelhos, nota Brown, sugere-se que se tratasse de zombaria contra Jesus. O titulus, ao informar ao público o crime cometido, reforça o caráter intimidatório das execuções públicas. Como observa magistralmente Brown, são as únicas palavras que se afirma ter sido escritas sobre Jesus, em sua vida.
"Jesus, então, dando um grande grito, expirou", informa Marcos. Era a hora nona, ou 3 da tarde, e assim esta história vai chegando ao fim. Ou melhor seria dizer assim começa esta longa história. O que se colecionou nesta parte é apenas uma pequena amostra do torrencial volume de informações do livro de Brown. O que se transcreveu, desde o início, das pesquisas, concordâncias e discordâncias dos três autores citados é apenas uma pequena amostra dos infinitos caminhos a que tem levado o estudo e a reflexão sobre o assunto. Ele é tão vasto quanto o mundo, este assunto, tão vasto quanto a História e quanto qualquer vã filosofia. Só não é tão vasto quanto a que começa com a ressurreição e para a qual nem no controvertido tratamento do povo judeu, nem nas dúvidas históricas, nem em nada, há obstáculo.

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