Há seis anos, o glifosato, um dos agrotóxicos mais usados no mundo e mais vendido no Brasil, integra uma lista de produtos que precisam passar por uma reavaliação toxicológica. O pedido é da própria Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária: para o órgão, uma nova análise é necessária porque há indícios de que o herbicida é potencialmente nocivo à saúde e ao meio ambiente.
Em 2008, a agência reguladora reconheceu que o produto vendido no país desde o final década de 1970 precisaria passar por novos testes que garantissem a segurança do produto. Caso contrário, sua venda poderia ser proibida ou restringida no Brasil. Entretanto, o processo de reavaliação ainda não foi concluído.
A Anvisa afirma que está cumprindo a legislação que permite uma” visão ampla dos três setores envolvidos (agricultura, saúde e meio ambiente) e dá direito de ampla defesa aos interessados, além de permitir que a comunidade científica faça parte da discussão de forma ativa”, diz Jeane de Almeida Fonseca, da gerência de Análise Toxicológica da instituição.
O processo de reavaliação envolve não somente a Anvisa, responsável pelos aspectos relacionados à saúde, mas também o Ministério da Agricultura e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Um dos principais problemas enfrentados para a reavaliação do herbicida são as ações judiciais, movidas pelas fabricantes do produto e associações para tentar barrar o processo. A Monsanto detém metade do mercado mundial de glifosato, principal ingrediente ativo do herbicida Roundup. Seu uso foi liberado pela primeira vez em 1974 na Malásia e no Reino Unido. Em 1978, o produto passou a ser vendido no Brasil e, em 1984, passou a ser fabricado no país. Outras empresas como a Syngenta, BASF, Bayer e Dow também possuem produtos a base de glifosato.
A Anvisa informou que cada reavaliação é julgada em todas as instâncias possíveis e praticamente toda semana sua equipe técnica, responsável por formular as respostas dos processos, precisa responder essas questões à Justiça. Outro fator que emperra o processo seria a grande demanda de atividades realizadas pela Anvisa e o número reduzido de funcionários para atendê-las.
Agilizar o processo
O Ministério Público Federal (MPF) cansou de esperar o pedido pendente desde 2008 e entrou com uma ação na Justiça. O órgão pede que seja marcada a data para a avaliação de nove ingredientes ativos, considerados suspeitos pela agência reguladora – entre eles está o glifosato. Além disso, a instituição pede a suspensão da venda desses produtos até o final desse processo.
“Não temos, até o momento, informações suficientes para solicitar o banimento do glifosato, o que nós pedimos é a suspensão por medida de cautela. Existem indícios que são reconhecidos pelo próprio governo brasileiro, pois a própria Anvisa, quando determinou a reavaliação há seis anos, identificou que o herbicida possui riscos ainda não bem avaliados”, justifica Anselmo Lopes, procurador da República.
Riscos à saúde
Estudos internacionais recentes apontam que o glifosato pode danificar embriões, causar câncer e alterações hormonais, por exemplo, retardando a puberdade em adolescentes. “Esses são os principais riscos à saúde que foram comprovados em pesquisas de cientistas independentes”, afirma Heike Moldenhauer, especialista em transgênicos da Federação para o Meio Ambiente e Proteção da Natureza da Alemanha (Bund).
Além disso, outros estudos encontraram glifosato na urina humana e de animais domésticos e silvestres. Uma pesquisa coordenada por Monica Krüger, da Universidade de Leipzig, encontrou o herbicida em quase todas as amostras de urina recolhidas e em grande quantidade.
“Do meu ponto de vista e com base nos resultados das minhas pesquisas, o glifosato é perigoso para o ser humano, animais e também para o meio ambiente”, opina Krüger.
Moldenhauer conta que outra pesquisa semelhante analisou amostras de urina de habitantes de grandes cidades de 17 países europeus. Os resultados apontaram que grande parte das amostras possuía glifosato .”A pergunta era como ele foi parar lá e a conclusão é pela alimentação”, diz a especialista.
Para pesquisadores, a principal responsável pela entrada do herbicida na cadeia alimentar humana é a prática chamada de dessecação da lavoura. Neste processo, o produto é aplicado poucos dias antes da colheita fazendo com que as plantas fiquem maduras na mesma época, além de possibilitar uma data exata para a colheita.
Danos ao meio ambiente
Na União Europeia, o glifosato é liberado para essa função nas lavouras de grãos em geral. Segundo Moldenhauer, o herbicida pode ser usado até uma semana antes da colheita. Mas o produto permanece no grão por até um ano, não é eliminado sob altas ou baixas temperaturas.
“Há a suspeita de que produtos como farinha de trigo, pão e cereais matinais estão cheios de glifosato”, justifica a especialista. No Brasil, esse herbicida é liberado como dessecante nas culturas de aveia preta, soja e azevém.
Além dos indícios de riscos à saúde, o herbicida pode causar danos ao meio ambiente. Segundo Moldenhauer, além do constante aumento da quantidade aplicada devido ao aumento da resistência das ervas daninhas ao produto, outro problema é que seu uso destrói toda a área verde na região de campos, ou seja, o habitat de insetos.
Esses insetos, que são a base alimentar de outros animais, acabam morrendo – o que compromete todo o ecossistema. Na Alemanha, cerca de 30% de todas as espécies de pássaro presentes em regiões agrícolas estão ameaçadas de extinção, revela a Bund.
Transgênicos
Em 2011, cerca de 650 mil toneladas de herbicidas, cujo princípio ativo é o glifosato, foram usados no mundo. Segundo a Bund, essa quantidade deve dobrar até 2017. Somente o Roundup, da Monsanto, é vendido em mais de 130 países.
O herbicida é aplicado principalmente no cultivo de sementes transgênicas resistente a esse princípio ativo, inclusive a soja no Brasil.
Procurada pela DW Brasil, a Monsanto respondeu com uma nota dizendo que “agências regulatórias do mundo inteiro já concluíram que os herbicidas à base de glifosato não apresentam riscos à saúde humana e ao meio ambiente”.
A empresa também enviou um documento assinado por associações de defensivos agrícola afirmando que, caso haja a suspensão dos nove ingredientes ativos, como pedido pelo MPF, “os impactos econômicos e sociais seriam incalculavelmente drásticos.”
A associação calcula que os ingredientes ativos totalizam 180 produtos formulados registrados e abrangem as 56 principais culturas no Brasil. A lista inclui grãos, cana-de-açúcar, café, frutas, legumes e hortaliças, além de pastagens.
Fontes: Pratos Limpos , Notícias Terra
Nos Dias de Noé