Mesmo para as pessoas insensíveis aos escândalos alimentares da China, as notícias de que o carneiro que está sendo cozido na verdade é carne de rato levou a permanente indignação com relação aos riscos dos alimentos a um novo patamar.
Em um comunicado cuja intenção foi mostrar que o governo está agindo seriamente para melhorar a segurança dos alimentos, o Ministério de Segurança Pública informou pela internet, na quinta-feira, que a polícia capturou comerciantes que compraram carne de rato, raposa e visom e venderam como carne de carneiro. Mas esse e outros casos de contrabando de carne, falsificação e adulteração também relatados pelos jornais chineses e sites ontem não devem provocar muita confiança nos consumidores já enojados diante das muitas notícias sobre carne, frutas e vegetais contaminados com doenças, toxinas, corantes e conservantes proibidos.
Foram presas 63 pessoas acusadas de "comprar raposa, visom e rato e outros produtos sem inspeção", que mergulharam em gelatina, pigmento vermelho e nitratos e venderam como carne de carneiro em Xangai e na vizinha Província de Jiangsu por cerca de US$ 1,6 milhão, de acordo com comunicado do ministério. Não foi explicado de que maneira os negociantes adquiriram os ratos e os outros animais.
"Quantos ratos você precisa para chegar a um carneiro?", perguntou perplexo um usuário enfurecido do microblog Sina Weibo, que com frequência atua como fórum para o público desabafar. "É mais barato criar ratos do que carneiros? Ou você não se sente bem a não ser que trabalhe com animais camuflados?"
Os moradores de Xangai recentemente tiveram de conviver com milhares de porcos mortos flutuando num rio próximo, aparentemente vítimas de doenças em chiqueiros na parte alta do delta.
Operação nacional. As prisões fazem parte de uma operação nacional que ocorre desde janeiro com o objetivo de "atacar os crimes contra a segurança alimentar e defender a segurança dos alimentos", declarou o ministério.
A polícia prendeu 904 pessoas suspeitas de vender carne adulterada, tóxica ou falsificada e desmantelou 1.721 fábricas ilegais, oficinas e lojas. Mas o ministério admitiu que ainda há razão para se preocupar.
Nas campanhas para melhorar a segurança dos alimentos realizadas em anos anteriores, "alguns problemas sérios foram solucionados rápida e vigorosamente, mas por várias razões os crimes contra a segurança alimentar continuam graves e têm revelado novas circunstâncias e características", declarou um membro do ministério em um comunicado.
"Por exemplo, têm sido verificadas vendas de carne injetada com água e carne de animais mortos por doenças. Também há tipos de carne relativamente baratas vendidas como se fossem de vaca e carneiro, que são mais caras."
O premiê da China, Li Keqiang, afirmou que aprimorar a segurança alimentar é prioridade do governo - e essa é uma das principais queixas dos cidadãos comuns.
Antecedentes. Promessas feitas por seu predecessor, Wen Jiabao, acabaram não sendo cumpridas em razão da falta de recursos, de funcionários que fugiram às responsabilidades e da confusão entre agências rivais, além do protecionismo por parte de autoridades locais, declarou Mao Shoulong, professor de política pública na Universidade Renmin em Pequim.
"Estados Unidos e Europa não conseguem erradicar esses problemas também, mas eles são muito mais complicados aqui na China", afirmou o professor Shoulong.
"A produção de alimentos chinesa hoje é em grande escala e mais tecnológica, mas os problemas que estão surgindo envolvem também o uso de tecnologia mais sofisticada para driblar os órgãos de fiscalização e enganar os consumidores. Os esforços do governo têm de estar à altura da escala e complexidade dos problemas", afirmou o professor.
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Mais de 900 pessoas foram presas na China por vender carne falsa e contaminada, no mais recente caso de insegurança alimentar.
Após uma série de escândalos nos últimos anos, o problema gera nova onda de desconfiança sobre a qualidade dos alimentos no país.
Temendo instabilidade social, o governo tem tentado mostrar serviço, divulgando operações de vigilância sanitária como a que levou às recentes apreensões.
Segundo a mídia estatal, a vigilância sanitária descobriu cerca de 400 casos de carne imprópria para o consumo e confiscou um total de 20 mil toneladas do produto.
Numa das apreensões, os suspeitos vendiam falsa carne bovina e de carneiro produzida com restos de raposa, marta e ratos, após adicionarem produtos químicos.
Houve ainda casos de carne estragada com conservantes e água injetada, para aumentar o peso, porcos doentes e frangos com químicos venenosos, disse o ministério de Segurança Pública.
"Devido à tentação de aumentar os lucros e às falhas na fiscalização pelos setores competentes, os crimes de segurança alimentar continuam graves", disse ao diário estatal "China Daily" o assessor de imprensa do ministério, Zhang Hongqiang.
Quem vive na China se habitou com histórias de revirar o estômago sobre a comida que consome, de óleo de esgoto reaproveitado em restaurantes a melancias que explodem por excesso de produtos químicos.
Em março, milhares de porcos mortos surgiram boiando em estado de decomposição num rio perto de Xangai, supostamente lançados por criadores que detectaram doenças nos animais. A nova liderança do país, que tomou posse em março, afirmou que o combate à insegurança alimentar é uma de suas prioridades.
A pressão sobre o governo aumentou nos últimos anos, sobretudo desde que pelo menos seis crianças morreram e milhares ficaram doentes em 2008, após consumir leite em pó com melamina, substância usada para adulterar o nível de proteína.
A desconfiança em relação a leite adulterado e produtos agrícolas cheios de pesticidas se estende agora à carne. Sem falar na drástica queda nas vendas de frango e pato nos últimos meses, devido a um novo surto de gripe aviária surgido no país que já matou 27 pessoas.
A batida policial nas carnes contaminadas coincidiu com a divulgação pela mais alta corte do país, nesta sexta-feira, de diretrizes mais clara para punir crimes de segurança alimentar.
A Corte Suprema do Povo afirmou que 2.088 pessoas foram processadas por tais crimes entre 2010 e 2012.
No ano passado, 146 pessoas morreram por intoxicação alimentar no país, estima o ministério da Saúde, alta 6% em relação a 2011. Especialistas afirmam, porém, que o problema não é a falta de leis, mas a precária estrutura para aplicá-las, agravada pela corrupção entre autoridades sanitárias.
"Não basta a polícia se mobilizar em batidas de curto prazo só porque as notícias de porcos mortos em rios despertaram preocupação social", disse o criminalista Wu Mingan à agência de notícias estatal.
Diante do controle do governo sobre a circulação de informação, a suspeita é que muitos outros escândalos sejam acobertados pela censura oficial.
Num dos únicos foros de livre expressão do país, o microblog Weibo (versão chinesa do Twitter), o caso mais recente recebeu centenas de comentários, muitos ensinando a diferenciar entre carne de rato e de carneiro.
A maioria dos usuários manifestou revolta com a falta de escrúpulos dos comerciantes. "Se um dia a China acabar não será culpa dos americanos nem dos japoneses, mas dos próprios chineses", disse o usuário identificado como Zhenjia20.
"Leite contaminado por melamina, óleo de esgoto, porco com água injetada, carneiro feito de ratos...Faltam moral e consciência aos comerciantes chineses".
Fontes:
Estadão: China prende 63 por venda de carne de rato
Folha: Carne de rato é apreendida em novo escândalo alimentar na China