Papa Francisco: luzes e sombras

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Após um turbo-conclave, eis o novo Papa: Francisco!

Como Francisco Xavier, fundador dos Jesuítas. Como Francisco de Assis. Como Francisco Franco. Talvez este último não. Mas o nome é sem dúvida uma boa escolha, deixa transparecer alguma coisa.

Segundo os retratos dos diários internacionais, que nestas horas dedicam os principais títulos ao acontecimento, Papa Francisco é praticamente um santo: humilde, culto, utiliza o autocarro, vive num pequeno apartamento, come pouco, bebe muito chã, fala vários idiomas entre os quais o dialecto piemontês.

Assinalável.

Mas nem todos concordam.

O livro El Silencio do jornalista argentino Horacio Verbitsky, por exemplo, conta uma história um pouco diferente. Conta-se dos dois padres Orlando Yorio e Francisco Jalicse, que perderam o apoio da Igreja por não abdicar das visitas aos bairros mais pobres. Sem protecção, ambos foram presos e torturados pelo regime militar. E quem foi que retirou o apoio? O actual Papa Francisco.

Mas tudo isso é um problema? Não.
Em Setembro de 2000 é o mesmo Papa Francisco (então ainda Cardeal Bergaglio) que escreve:
Dado que em diferentes momentos da nossa história fomos indulgentes com as posições totalitárias, em violação das liberdades democráticas que nascem da dignidade do ser humano. Porque através de actos ou omissões temos discriminado muitos dos nossos irmãos, sem nos ter empenhado suficientemente na defesa dos direitos deles. Suplicamos Deus, o Senhor da história, a aceitar o nosso arrependimento e curar as feridas do nosso povo.
Desculpas aceites, pelos vistos, e assunto arrumado.
Arrumado? Talvez não. Vamos ver o que pensam no País de Bergaglio, a Argentina.

Um Bispo, dois padres

A sempre Muy Nobre Leitora Maria envia algumas linhas que estas horas circulam na internet da América Latina (Agências/Prensa/Kaosenlared):
Jorge Mario Bergoglio é o novo Papa, doravante conhecido como Francisco I, no meio dos festejos  dos católicos; no entanto, na Argentina tem muitos críticos, nomeadamente por causa da sua atitude com a ditadura militar.

Nascido em Buenos Aires em 1936, Bergoglio era filho de imigrantes italianos. Entrou em 1958 na congregação jesuíta, entre 1973 e 1979 foi chefe provincial dos jesuítas na Argentina e um ano mais tarde tornou-se reitor do seminário onde tinha estudado.

No entanto, a grande crítica feita é que, durante a ditadura militar da Argentina, e em que vários jesuítas levantaram a voz de protesto contra o regime, e por isso foram perseguidos, Bergoglio ficou em silêncio e manteve distância de qualquer tópico político.

A frase que ele enunciava cada vez que era questionado sobre a sua opinião a respeito é que o lugar dos sacerdotes são as igrejas.

Em 1998, foi nomeado Bispo da Diocese de Buenos Aires e em 2001 Cardeal.

Cúmplice da Direta? Tortura e assassinato?

Jorge Mario Bergoglio foi acusado na altura de colaborar com a ditadura militar na Argentina, especialmente depois das declarações em qualidade de testemunha no julgamento da Escola de Mecânica da Marinha (ESMA), por supostamente ter denunciado e retirado a protecção a dois sacerdotes jesuítas que desapareceram [é o caso dos já lembrados Orlando Yorio e Francisco Jalicse, ndt].
Os bebés roubados

Jorge Mario Bergoglio também foi chamado como testemunha, por solicitação do Ministério Público e as famílias de Praça de Maio, no julgamento pelo plano sistemático desaparecimento dos bebés nascidos em cativeiro durante a ditadura.

Foi chamado para depor depois de outra testemunha, Estela de la Cuadra, ter apresentado várias cartas que o pai dela havia enviado ao Bergoglio para ajudá-lo na busca das filha e nesta desaparecidas. De acordo com o jornal argentino Pagina 12, Estela de la Cuadra Tribunal perguntou: "Como é que Bergoglio afirma saber há apenas dez anos dos roubos dos bebés?".

Confrontando o governo argentino

Como membro da Conferência Episcopal da Argentina, da qual tornou-se presidente por dois mandatos, atacou o governo Kirchner pelas suas políticas e posições diferentes sobre os católicos. A última polémica foi em 2012, com a aprovação do casamento gay no país sul-americano.

Durante o mandato de Nestor Kirchner, entre 2003 e 2007, o presidente argentino manteve confrontos dialécticos com Bergoglio, que Nestor passou a considerar como oposição. Os meios de comunicação argentinos falam de uma "problemática" que foi reduzida durante a presidência de Cristina, apesar dos confrontos nunca desaparecerem.
Depois de Néstor Kirchner ter ganho as eleições em 2003, Bergoglio criticou "o exibicionismo e os anúncios estridentes" do novo presidente [mas o lugar dos padres não eram apenas as igrejas? ndt]. O presidente recusou-se a participar nas várias cerimónias lideradas por Bergoglio e certificou-se não existirem relacionamentos entre a Conferência Episcopal e o Executivo argentino.

As más relações e os confrontos verbais levaram Nestor a criticar abertamente a Igreja: "O nosso Deus é de todos, mas cuidado pois o diabo também alcança todos, aqueles que usam calças e aqueles que usam vestes" acrescentou Kirchner.

Com a chegada de Cristina Fernández ao poder, as relações melhoraram, graças aos contactos que a presidente mantive com a Igreja para preparar a viagem para o Vaticano em 2009. Mas as boas relações começaram a quebrar-se após Bergoglio Fernandez acusar o Governo de alimentar a "tensão social" e denunciar que "há anos que o país não está a cargo do povo."

No entanto, com o anúncio, em 2010, de que o governo iria aprovar um projecto de lei para legalizar o casamento gay, os relacionamentos deterioraram-se ainda mais. Bergoglio enviou uma carta para toda a Igreja Argentina, em que solicitava que nas cerimonias religiosas fosse mencionado "o casamento e a família quais bens inalteráveis".

Cristina Fernandez rejeitou a ideia desta ser uma questão religiosa: "Eu preocupo-me com o tom que adquiriu o discurso, é visto como uma questão religiosa, moral que ameaça à ordem natural, quando na verdade o que estamos a fazer é observar uma realidade que existe", disse o presidente durante o processo parlamentar.

"Não vamos ser ingénuos: não é só uma luta política, é a reivindicação destrutiva do plano de Deus. Não se trata apenas um projecto de lei, mas dum movimento do Pai da Mentira que procura confundir e enganar os filhos de Deus", disse o então Cardeal.
E as mulheres?

Cardeal Bergaglio, Buenos Aires, 4 de Junho de 2007:
As mulheres são naturalmente inadequadas para as tarefas políticas. A ordem natural e os factos nos ensinam que o homem é o político por excelência, as Escrituras mostram-nos que as mulheres sempre apoiam o pensamento e as criações do homem, mas nada mais que isso.
Interessante: temos um Papa progressista. Uma visão muito à frente.

Com Deus

Blog Tra Cielo e Terra (e não, não é um blog católico):
Só o tempo pode revelar as qualidades do novo Papa e da direcção que desejará dar à Igreja, num período sem dúvida decisivo da sua história.
O nome escolhido pelo novo papa já é um acto significativo, pois mostra grande determinação para escolher um nome que não estava presente na tradição dos seus antecessores, uma tradição de 2.000 anos.
E, na saudação aos fiéis, refere-se a si mesmo várias vezes com o título de Bispo de Roma, como era no início da história da igreja, sem nunca usar a termo "papa".
 

Mais uma vez, este parece ser um sinal forte.
Deus está com ele agora, vai precisar.

Sem dúvida, bem precisa.


Ipse dixit.

Fonte: Tra Cielo e Terra 

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