Uma resposta ao artigo publicado no Jornal O Globo em 03/02/13, intitulado “as velhas baianas somem da passarela“.
A cultura dos povos são mutáveis por
diversas razões, sejam elas pelo incremento de novas ideias,
modificações das crenças, pelos comportamentos tornarem-se anacrônicos,
pela evolução social ou por qualquer outra razão que a sociedade
permitir. Não há que se falar em cultura imposta. Cada grupo, inclusive,
é o responsável pela manutenção dos seus elos e traços culturais.
As religiões possuem uma dialética bem
democrática também. As pessoas escolhem mudar de religião, ou
manterem-se nelas, por razões muito íntimas. Normalmente buscam nos
templos o bem estar espiritual, buscam encontrar Deus. Não acredito que a
maioria das pessoas escolham religiões por questões culturais, mas por
necessidades espirituais. As pessoas não são fervorosas de suas
religiões apenas por imposição familiar ou social. O fervor está
associado a fé, à certeza que a pessoa tem e aos resultados que obtém de
suas práticas, especialmente em um país em que a liberdade religiosa é
garantida.
Há pessoas que defendem que os
evangélicos estão causando prejuízos aos quadros do carnaval. Isto
porque pessoas de religiões que participam ativamente do carnaval
estariam convertendo-se ao evangelho e, com isso, esvaziando setores de
escolas de samba e outros. Não faz sentido querer cultivar pessoas em
uma ou outra religião para atender interesses econômicos difusos imersos
no carnaval. As pessoas não escolherão permanecer ou mudar de uma
religião por conta do carnaval ou por qualquer outra festa popular. As
pessoas mudam de religião, e nela se mantém, se encontrar conforto
espiritual para si e para a sua família.
Por outro lado, nenhum grupo religioso,
de sã consciência, pregaria a sua mensagem apenas para esvaziar uma
festa popular ou outra religião. As pessoas pregam as mensagens que
creem, e, a partir daí, as outras, escolhem se converter, ou não. Depois
de convertida, uma pessoa pode, inclusive, se reconverter à religião
anterior. A Liberdade Religiosa é um Direito Fundamental previsto na
Constituição da República do Brasil e na Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Ser de qualquer religião ou de nenhuma delas é uma
escolha personalíssima.
Os religiosos que acreditam no que pregam
anunciam às outras pessoas, especialmente aos que sofrem, como
encontram conforto para seus sofrimentos, em suas dúvidas, crises e
angústias. Não tem como privar uma pessoa de compartilhar este conforto a
outra. O carnaval ocorre uma vez por ano e, entre um carnaval e outro,
as pessoas têm muitas necessidades a serem supridas.
Por exemplo, as pessoas perdem parentes e
amigos que dirigem embriagados, ou mesmo algumas mulheres descobrem que
seus maridos envolveram-se com outras mulheres e as engravidaram, ou
pessoas descobrem que foram contaminadas com o vírus da aids durante as
liberalidades que algumas festas permitem, outras sofrem ou praticam
violência. Estas pessoas, depois do carnaval ou não, saem em busca de
auxílio, de amparo e de apoio. Quando a festa acaba e o sofrimento vem, a
estrutura de exploração econômica-sexual-cultural-filosófica-religiosa
sai e deixa os “foliões” ao relento.
O carnaval é uma época propícia para
diversas tragédias sociais. Por exemplo, enquanto alguns ensinam: “use
camisinha”, o evangelho ensina: “respeita a sua família”. O primeiro
conselho ataca o efeito, o segundo ataca a causa. Nesse cenário
sociológico-econômico-religioso pessoas também sentem-se oprimidas por
espíritos malignos que as atormentam, humilham, exigem coisas terríveis
delas. Essas pessoas, em nome de um fundamentalismo
histórico-cultural-religioso-econômico-antropológico-artístico, ou
qualquer outro, não poderão buscar liberdade do sofrimento? Terão que,
em nome do carnaval, manterem-se escravas do seu sofrimento para
alegria de alguns? Trata-se de um objeto de diversão e não de um ser
humano?
Evangélicos não dificultam a ocorrência
do carnaval, mas ensinam que as pessoas não devem: embriagar-se,
prostituir-se, agredir-se, expor sua nudez publicamente, porque o nosso
corpo é templo do Espírito Santo. Isso nada tem a ver com o carnaval.
Então as pessoas deveriam por um decreto
moral-intelectual-fundamentalista manter-se na ética de agradar o que é
bom para quem paga? Destruir-se em prol da diversão alheia?
O ano das pessoas, pobres ou ricas, tem
365 dias e todos querem ser felizes. Os que defendem tudo que assistem
no carnaval querem ver suas filhas e mulheres despidas rebolando para o
mundo em troca de fama de alguns minutos? Querem escravos e escravas que
se mantenham em sua “cultura” para atender os caprichos do glamouroso
carnaval dos grandes camarins e da alta classe social? Se a coisa é tão
boa assim, porque estes aguerridos defensores das práticas do carnaval
não convocam seus familiares e amigos para povoarem as brechas deixadas
por aquelas pessoas que optam por se converter ao evangelho e perdem o
prazer pelas práticas anteriores? Querem manter o status quo do carnaval com o sacrifício alheio?
Se dizer às pessoas que não se
embriaguem, não exponham seus corpos publicamente, não sejam objeto de
luxúria, não sejam escravizadas por espíritos, por pessoas e por nada é
fundamentalismo religioso, querer convencer homens e mulheres a
exporem-se pessoalmente, e às suas famílias, e, depois da festa,
curtirem, no anonimato, as suas dores, humilhações, doenças, destruição
de suas reputações e de suas famílias é uma forma de fundamentalismo
cínico e egoísta, que anula qualquer tipo de racionalidade cultural,
religiosa ou filosófica.
Se as pessoas encontrarem paz, conforto,
segurança, respeito, esperança e bem estar para si e para as suas
famílias no carnaval, ou em qualquer religião, as igrejas que pregam o
evangelho estarão em risco. Do contrário, o fluxo vai continuar o mesmo
e a cada dia faltarão mais quadros, e teremos nas igrejas mais pessoas
recuperadas de seus sofrimentos e opressões. Os proselitistas da festa
da carne devem arrumar argumentos melhores para convencer as pessoas a
submeterem-se aos riscos carnavalescos, juntamente com as suas famílias,
pois, do contrário, as pessoas farão a escolha mais racional e segura
para si. Em uma democracia há que se celebrar a liberdade de escolha: se
as pessoas deixam de lado os tamborins do carnaval para tocarem a
trombeta em Sião, haveremos de convir que em Sião estão encontrando
conforto, paz, esperança e salvação e, a partir daí, proclamarão como o
Rei Davi: “Cantai louvores ao Senhor, que habita em Sião; anunciai entre os povos os seus feitos”. Salmos 9:11. Com tantas pessoas proclamando os feitos do Senhor Jesus em suas vidas, não há como outras também não encontrarem o Caminho.
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