A Verdade só pode ser percebida num clarão

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A Verdade só pode ser percebida num clarão
[...] Nesta tarde, vou falar sobre a mente religiosa e a mente nova. E, para examinarmos este assunto — e desejo fazê-lo com certa profundeza — acho necessário compreendermos o significado das palavras.
Usamos as palavras para comunicação; mas, as palavras se tornam barreiras à comunicação quando aceitamos a acepção comum de uma palavra, e esta se torna o padrão de nosso pensar. Vou empregar a palavra “religioso” num sentido todo diferente. A mente tem capacidade para agir totalmente, não em fragmentos, não em partes. A mente que é capaz de ver, no “imediato”, no presente, o todo e não apenas a parte; a mente capaz de compreender, no agora “imediato”, a totalidade da existência — essa mente encerra, em essência, a beleza e a lucidez do amor, o único que pode unir a ação ao Todo. E é necessário compreender essa qualidade da mente religiosa, cuja ação não é dividida, fracionada, fragmentada, porém total. Em si, essa mente é livre da “ideação” como memória, como efeito do “eu”. É o “eu” que fraciona a ação; é o “eu” que impele à aquisição. Esse impulso de apego jamais compreenderá a ação total, própria da mente religiosa.
Assim, estou empregando a expressão “mente religiosa” para designar um estado de ação que une todas as diferentes ações da vida. Essa mente não se acha dividida em “mundo” e “não mundo”, “exterior” e “interior”. Não há “mundo exterior” e “mundo interior”, Há só um movimento, ora externo, ora interno, qual o da maré, que “sai” e torna a “entrar”. A mente religiosa tem a faculdade de compreender o exterior e, com essa compreensão do exterior, passar, natural e facilmente, ao interior, sem dividir o mundo em “exterior” e “interior”.
Mas, para se compreender a totalidade da mente religiosa, é preciso começar a investigar os vários e complexos problemas do viver. Nosso viver diário é extremamente confuso; é um viver de conflito, da aflições inúmeras, de contradições, luta perene; assim é nossa vida. E é só essa a vida que conhecemos. Nenhuma ação conhecemos que não seja reação. Essa reação é que gera sofrimento; e, em virtude desse sofrimento, mais se acentua a divisão em “exterior” é “interior”, “ilusão” e “realidade”. Só há um mundo, e não “mundo exterior” e “mundo interior”. E, se não compreendeis a ação total da mente religiosa, por mais que vos esforceis, por mais revoluções que façais — econômicas, sociais, de qualquer espécie — por mais que planejeis, a prosperidade daí resultante se tornará apenas um meio de destruir a liberdade; e, embora nos seja necessária, a prosperidade se torna então um meio de segurança psicológica. E a mente que, no sentido psicológico, se acha em segurança, não é uma mente religiosa.
Assim, para podermos investigar a natureza da mente religiosa — aquele estado em que a mente é livre do conflito do “eu” — devemos examinar a questão da simplicidade, descobrir o que é “ser simples”; não a ideia da simplicidade, o ideal da simplicidade, não o símbolo da simplicidade, porém o verdadeiro estado da mente na realidade simples. Com a palavra “simples” quero significar: enfrentar cada fato da vida de cada dia e de cada minuto sem nenhuma complexidade; olhar os fatos sem o complexo mecanismo do pensamento; olhar os fatos sem “ideação”, sem ideal. Essa simplicidade não está meramente no modo de trajar, no andar de tanga, no tomar uma só refeição diária; no usar longas barbas ou a cara toda rapada. Refiro-me à simplicidade que tem precisão no pensar, que nenhum conflito tem, nenhuma ilusão, nenhum futuro, que encara o fato, só o fato, nada mais senão o fato.
Essa mentalidade, essa atitude, perante a vida, traz consigo um sentimento de inefável deleite. Poucos de nós somos felizes, natural, fácil e espontaneamente felizes; tão complexos somos, tão numerosos são os nossos problemas! Tudo o que tocamos com a mão, ou com a mente, se torna feio. E quando qualquer coisa se torna seca, vulgar, não há mais sensibilidade; por conseguinte, não há apreciação das coisas como são. Só no apreciar as coisas como são, no enfrentá-las em sua realidade, só daí, dessa compreensão, pode vir a verdadeira revolução.
Essa revolução não se opera consoante o padrão estabelecido por outrem — pelo economista, pelo reformador, pelo político. A revolução a que me refiro só nasce quando sois capaz de ver o fato e de agir de momento a momento em conformidade com esse fato. Assim, vereis que, dessa simplicidade, não só vem um extraordinário sentimento de desafogo, de alívio, mas também profundo deleite. E, sem essa alegria, sem essa centelha, sem essa canção no coração, a vida se torna extremamente vazia. Podeis ser muito talentoso, possuir muitas casas, ocupar posições importantes, influenciar milhares de pessoas por meio da imprensa; mas, atrás dessa fachada de palavras, aposição, prestígio, tudo é vazio, oco.
E é relevante, para o indivíduo, para cada um de nós, possuir esse sentimento de infinita alegria. Ele vem, não por terdes um bom emprego, por terdes feito um casamento feliz ou infeliz; vem sem nenhuma razão. E essa alegria existe; mas só podeis encontrá-la “no escuro”, sem o saberdes, ao compreenderdes a simplicidade da virtude. À virtude não é uma coisa para se alcançar mediante esforço — porque, então, deixa de ser virtude. Quando um homem vaidoso “pratica” a humildade, essa humildade é a própria essência da vaidade. Mas, a virtude é ordem: ordem na mente. E não podeis ter ordem se essa ordem é apenas um padrão sancionado pela sociedade, se é uma mera prática, um hábito; a mente se torna, então, embotada. E uma mente embotada não é virtuosa; poderá ter hábitos excelentes, nunca irritar-se, mostrar-se “virtuosa” e observar os preceitos da sociedade; mas, essa mente não é sensível e, por conseguinte, não é uma mente virtuosa.
Tende a bondade de prestar atenção; mas isso não significa que, fazendo-o, vos tornareis repentinamente virtuosos. Sereis virtuosos, de repente, no mesmo instante, se não estais seguindo o padrão de uma sociedade feia e corrupta; desse modo, tereis ordem e espaço mental. Essa ordem traz eficiência. A mente eficaz no pensar, isenta de conflito, essa é que é a mente virtuosa, a mente que vive com virtuosidade. Quando a virtude é resultado de conflito, resultado de constante luta, ou seja da batalha dos “opostos”, a mente não só se torna insensível, mas é também incapaz de voo célere. Só a mente eficiente tem presteza para ver as coisas num clarão. Porque a verdade só pode ser percebida num clarão; a verdade não tem continuidade. O que tem continuidade pertence ao tempo; e o que é do tempo não tem espaço. Pois só a mente que tem espaço pode ver, num clarão, o que é verdadeiro. Só a mente virtuosa tem espaço; por conseguinte, somente ela pode, num clarão, ver a Imensidade, o Eterno. A virtude não é produto da memória. Se a virtude é produto da memória é, então, uma reação à memória; “reação” é reflexo da memória. A virtude reconhecida pela sociedade, pelas ordens religiosas, por grupos, gera conflito; sendo assim, a mente não é simples.
Como sabeis, o mundo se está tornando cada vez mais complexo. Vossas atuais relações se estão tornando cada vez mais complexas, e não mais simples. A complexidade da vida só pode ser compreendida quando a considerais de maneira simples, bem simples. A vida não é apenas vossa existência diária — ir para o emprego, discutir com a esposa ou o marido, os aborrecimentos, as angústias, o conflito da existência de cada dia. A vida inclui não só o passado, que se projeta no futuro, mas também morte, felicidade, e algo que se acha além do tempo, além do pensamento, do sentimento. E é preciso compreender essa imensa totalidade da vida — não só o “cantinho” de vossa existência, a pequena porção de terra que chamais vossa pátria, o pequeno templo construído pela mão, e sem nenhum significado. A vida é uma coisa extraordinária, uma coisa total, na qual tudo está contido. E, se não compreenderdes a imensidade da vida, que tudo abarca — cada grito, cada lágrima, cada canção de ave, as angústias e sofrimentos e agitações da existência — se não compreenderdes essa totalidade, nunca tereis um clarão daquela imensidade.
Para compreenderdes esta coisa extraordinária que se chama a vida — com suas necessidades sexuais, suas ambições, impulsos, frustrações, velhice, declínio, deterioração — deveis considerá-la de maneira bem simples. E aí é que está a nossa dificuldade; porque somos entes humanos tão complexos e tantas ideias temos. Somos muito talentosos, mas somos entes “de segunda mão”; não há nada original em nós; e é a originalidade que leva à simplicidade, e não a excentricidade, a capacidade de inventar. Mas, essa simplicidade é a simplicidade da mente que compreendeu todas ás facetas da vida — não a vida técnica, a vida de conhecimentos acumulados, porque o saber e o conhecimento técnico podem expandir-se indefinidamente. Sabereis mais e cada vez mais a respeito das coisas, a respeito de Vênus, a respeito da Lua; mas sabereis cada vez menos sobre vós, sobre o que sois. O que sois é a totalidade da vida. Porque sois entes lastimáveis, infelizes, por causa das angústias, do “sentimento de culpa”, e das agonias que sofreis, em silêncio ou abertamente, porque sois assim, para compreenderdes a vida, deveis primeiramente compreender a vós mesmos.
Podeis compreender a vós mesmo, que sois uma entidade complexa, observando-vos com toda a simplicidade. E, com essa percepção, esse ver, esse escutar, compreendereis. Deveis escutar a vós mesmo, não a vosso “Eu Superior” — não há nenhum “eu superior”, nenhum Atman; isso é invenção da mente, resultado do pensamento, do pensamento que é reação da mente, das coisas que foram. Assim, quando vos olhais cada dia, em cada palavra que pronunciais, quando buscais o caminho para as profundezas de vosso coração, então, desse olhar, desse ver, desse escutar e ouvir, vem a simplicidade. Se dessa simplicidade vem alegria; e isso é virtude.
A mente religiosa não tem realmente nenhuma experiência. Importa compreender isso, porquanto todos desejamos experiências e mais experiências. E toda experiência, como assinalei outro dia, é “resposta” a um “desafio”, de acordo com vosso fundo, vosso condicionamento; por conseguinte, cada experiência fortalece aquele condicionamento, e não liberta a mente. Mas vós deveis compreender a natureza de vosso próprio pensamento, a maneira como agis, a maneira como olhais o rosto do motorista de ônibus. Alguma vez olhaste para o motorista do ônibus? Alguma vez olhastes para o seu rosto? Observai-o, uma vez ou outra, ao irdes para o escritório. Vede como é macilento, como parece cansado, esgotado! Percorrer o mesmo caminho, “para cima e para baixo”, todo o santo dia, mês após mês — nisso não há alegria, não há nada senão hábito mecânico e, em tais condições, nunca pode um homem observar as coisas que o rodeiam. Isso indica, por certo, uma mente que se tornou calejada, embotada. Entretanto, essa pessoa fala a respeito de Deus, da Verdade, do desejo de compreender, mas não está apercebida das coisas existentes em redor de si, de sua maneira de se vestir, sua maneira de falar, sua maneira de olhar os indivíduos importantes e os não importantes. Se não conhecerdes tudo isso, se não lançardes a base para tudo isso, não podereis ir muito longe. E virtude é o percebimento do presente.
Vede, estamos sempre vivendo no passado e no futuro. Principalmente quando vos tornais mais velho, o passado assume extraordinária significação, e o futuro é o que chamais “morte”. Por essa razão, volveis ao passado e evitais o futuro; pensais na pretérita felicidade, na ditosa juventude ou na lamentável existência que levastes. Vivemos, assim, entre o passado e o futuro. Se ainda sois jovem, tendes ainda o futuro para dele fazerdes alguma coisa, e o moldais conforme o passado. Estais, pois, aprisionado entre o passado e o futuro. Observai vossa própria mente, vossa própria vida. Não vos limiteis a ouvir o que estou dizendo, mas observai efetivamente a vossa existência. Vereis como está dividida entre o passado e o futuro; e, se não está, isso significa que viveis meramente no “imediato”, no dia a dia, e procurando tirar daí o melhor proveito possível. Porque pode vir uma guerra, pode vir uma revolução política, uma revolução econômica, uma comoção social; qualquer coisa pode acontecer amanhã; o amanhã é incerto. Por conseguinte, se não viveis entre o passado e o futuro, viveis apenas para hoje. Há muitos que vivem para hoje e que chamam a si próprios por diversos nomes. E quando, consciente ou inconscientemente, procurais tirar de hoje o melhor proveito possível, estais fadado ao desespero.
Escutai o que estou dizendo. Achais-vos em desespero se viveis no passado ou no futuro; estais também em desespero, se estais vivendo unicamente para hoje — como está fazendo a maioria das pessoas; esse é o mundo político. Este pobre país está sob o controle dos políticos; e os políticos só têm interesse no “imediato”. Esse imediato pode ser prolongado por certo tempo, mas suas fontes estão ainda no “imediato”. A maioria das pessoas deseja ser feliz imediatamente, deseja êxito imediato. Quando só nos interessa o “imediato”, todas as manifestações de nossa existência são em termos do imediato. Forcejando pelo “imediato”, encontrareis, inevitavelmente, infinito desespero; e, por causa desse desespero, inventais filosofias, e o transformais em virtude. E quanto mais intelectuais, quando mais instruí­dos e ilustrados fordes, tanto mais superficial se tornará o “imediato”. Assim, quer vivais no passado, quer no futuro, quer vivais apenas para hoje, todos estais aprisionados numa vida de aflição, de agitação, numa vida extremamente superficial. Por “superficial” não estou entendendo “alimentação, roupa e morada”, pois necessitamos dessas coisas; refiro-me à superficialidade psicológica da existência.
Porém, se compreendeis o tempo passado, o tempo presente e o tempo futuro — causadores de sofrimentos e desespero, de ansiedade e “culpa” — não a pouco e pouco, nem examinando ou analisando o passado, mas vendo a coisa como um todo, podeis, então, ver a totalidade do tempo, que estava dividido em passado, futuro e o agora. Se virdes isso, se o compreenderdes realmente, dessa maneira, como coisa total, vereis que com essa compreensão, a mente se torna livre do passado, do presente e do futuro. E a mente deve ser livre. É dessa liberdade que nasce o indivíduo.
É de imensa importância que sejais um indivíduo, porquanto os governos, a educação, a sociedade e a religião vos estão obrigando a ajustar-vos, estão fazendo de vós uma “máquina de crer” ou de “não crer”. Sempre pensamos em revolução em termos de comoção econômica, social ou estrutural. Mas toda reviravolta é um reflexo do passado e, por conseguinte, institui um padrão semelhante (ao do passado), porém com “outros homens”, com outro sistema de ideias; mas, é sempre o mesmo padrão. Nós estamos falando de uma mente religiosa que compreendeu sua própria e total estrutura, seu próprio estado e, por conseguinte, é capaz de negar. Vós deveis negar; deveis ser indivíduos que dizem “não”, nunca “sim”. Sabeis quanto é difícil dizer “não” — não só a vossa esposa ou vosso marido, pois isso é relativamente fácil; mas dizer “não” à sociedade, dizer “não” a vossa ambição, dizer “não” a vossos temores, dizer “não” à autoridade. Quando dizeis “não”, entendeis “não” — terminantemente “não”! Se disserdes “não”, descobrireis como isso é extraordinariamente complexo.
Mas, dizendo “não”, descobrireis tudo a respeito de vós mesmo, o de que sois feito, como funciona vosso pensamento, os profundos recessos, o profundo e nunca “frequentado” espaço existente em vossa mente, o qual nunca examinastes. Só quando descobris a vós mesmo, podeis “emergir” da sociedade, tornar-vos um indivíduo. Ao dizerdes “não” vereis que daí nasce energia. Vós necessitais de energia. Tendes energia para ir ao escritório todos os dias; achais isso absurdo, mas ides. Quando exerceis vossas ocupações, quando falais, quando viajais de ônibus ou em vosso próprio carro — isso é uma forma de energia. A vida é energia. Cada pensamento, cada sentimento é uma forma de energia. Mas a energia que nós mesmos geramos e cultivamos nasce da resistência — do resistir, contraditar, aquiescer, imitar. Pela resistência, pela repressão, tendes energia; é só essa a energia que conhecemos; se vos empurro, empurrais também, resistindo. Mas essa energia é completamente diferente da energia de que estamos falando.
A energia a que nos referimos não promana de resistência. Resistência implica sempre motivo, ou seja, medo, solidão, sentimento de culpa ou alguma forma de apego, etc. Por favor, examinai vossa própria mente, e vosso coração, e vereis. Vós tendes energia gerada por algum motivo; por conseguinte, essa energia encontra resistência e começa, assim, a batalha em nossa vida. Essa é a única forma de energia que conhecemos. As pessoas chamadas religiosas, aquelas que estão perenemente em busca de Deus, sem nunca encontrarem Deus, cultivam a energia pela negação com motivo; pensam que nascerá energia se se tornarem celibatárias, se negarem a vida, o processo natural da vida, retirando-se para um mosteiro e praticando “boas obras”, pelo controle de si mesmas. Isso, efetivamente, dá energia; mas essa energia nasce da resistência, nasce do conflito, nasce da repressão. A repressão gera extraordinária energia, tal como o vapor sob pressão; mas essa repressão se torna “religiosa”, e fica associada a Jesus, Krishna ou outro. Entretanto, interiormente, essa energia gera infinita aflição.
Se escutardes o que estou dizendo, vereis como é produzida a vossa energia. Quando descobris, desvendais os vossos motivos e deles vos livrais, e, então, dessa liberdade, provém uma energia de espécie diferente. Essa energia nasce sem motivo, porque ela é a verdadeira essência de uma mente de todo vazia — mas não “em branco”. A mente vazia não tem resistência; porque todo pensamento é resistência. É essa a energia que deveis ter, e não a energia produzida por motivo, conflito, contradição, tensão. Porque essa energia, como podeis ver, traz inaudita aflição, sofrimento. Assim é a vida, vossa existência diária. Vós tendes de compreender isso, mas sem tentar achar aquela energia não motivada, pois não podeis achá-la. Deveis ser livre de resistência. E só podeis ser livre de resistência ao serdes capaz de olhar a vida de maneira simples, olhar a vós mesmo sem nenhuma ideia, nenhum conceito, nenhuma fórmula, nenhuma comparação: olhar, simplesmente. Daí surgirá — como vereis, se alcançardes este ponto — a mente livre, que não é resultado de nenhuma busca.
Como sabeis, todos vivemos buscando — cada um de nós. Buscamos a verdade, a felicidade, a finalidade da vida. Que implica esse buscar? Só podeis procurar algo que perdestes ou algo que já conheceis; desejais achá-lo. Quando dizeis que estais em busca da Verdade, isso é puro contrassenso. Se dizeis tal coisa, já deveis ter provado o sabor da verdade, ter compreendido o que é a verdade. E, se estais a buscá-la, deveis então tê-la perdido; mas a verdade não é coisa que se possa perder, e não é possível encontrá-la por meio de busca. Toda busca deve cessar completamente. Esta é a beleza da verdade. No momento em que começais a buscar, vede-vos em conflito; no momento em que começais a buscar, pondes em ação a energia da fuga — fuga ao fato, fuga ao que sois.
Assim, a mente que busca nunca achará, porque aquela Imensidade não é reconhecível. O que podeis reconhecer é coisa já conhecida — reconheceis vossa mulher, vossos filhos, vossa cidade, porque já os conheceis. Mas o que já sabeis a respeito da verdade não é a verdade. A verdade está além do tempo. Toda busca supõe distância — disto até aquilo. Assim se gera o tempo. A mente que busca a verdade nunca a achará. Escutai, por favor! Procurai compreender isto de uma vez por todas! Se o fizerdes, nunca mais procurareis a verdade.
Quando vos pondes a buscar, a busca se torna um problema. Não deveis ter problemas na vida, não deveis ter um único problema, nem sequer o problema de Deus, ou o problema da verdade, ou o problema da felicidade. Não deveis ter problema nenhum, porque todo problema implica luta, conflito. E a mente em conflito nunca será capaz de compreender o que é a verdade. Tratai de resolver o problema pela compreensão daquilo que o problema implica, da raiz do problema. Não tenteis resolvê-lo, não tenteis analisá-lo, não tenteis dar-lhe solução. Mas estudai-o, penetrai-o, e olhai-o, com todo o vosso ser. A mente que tem problemas nunca será capaz de compreensão e, por conseguinte, nunca será livre. Não vou mostrar-vos como evitar os problemas, porque cada dia é um problema. Mas, se estais atento, verdadeiramente atento, em cada minuto, nada se tornará um problema. Há uma constante observação, uma constante atenção, que é a “resposta”, não da memória, mas de algo muito mais significativo, muito mais amplo e profundo.
A mente religiosa, pois, não é uma mente que busca. A mente religiosa está livre de todos os problemas e, por conseguinte, pode enfrentar os problemas livremente, nunca oferecendo solo propício a um problema, para arraigar-se na mente. Tudo isso poderá parecer dificílimo. Mas vossa vida é difícil. É dificílima a vida que levais: o incessante ir e vir, o morrer, o viver dia por dia, sem nenhuma certeza, nenhuma segurança, em desespero. É dificílima a vida que levais.
Mas, há uma vida que não é difícil, em absoluto. É isto mesmo que quero dizer: essa vida não é difícil, absolutamente, ó que tendes de fazer é só prestar atenção, prestar atenção ao que estais fazendo. A atenção é virtude, a atenção é ordem, a atenção dá eficiência. Podeis ser cozinheiro, ou burocrata, ou funcionário do governo, isto ou aquilo; quando prestais atenção, completamente, com todo o vosso ser, há virtude. Virtude não é essa coisa insípida que a sociedade vos estimula a cultivar.
Como disse, para a mente religiosa é o amor que integra toda ação. Porque vê cada verdade, momento por momento, a mente religiosa possui aquela qualidade de amor que integra a ação. Não sei se alguma vez já amastes alguém, se amastes com todo o vosso ser, com vosso coração, vossa mente, vosso corpo, vosso pensamento, vosso sentimento, com tudo o que tendes. Se já amastes tão completa e totalmente, sabereis, então, em virtude desse estado, que em cada ação — qualquer que ela seja, nenhum conflito há, nenhum problema. Cada ação é integral, não provém de ideia alguma, não se adapta a nenhum princípio vosso. Porque só a mente religiosa compreende a totalidade da existência, que tão terrivelmente temos fracionado. Só a mente religiosa possui essa qualidade de amor e, por conseguinte, pode viver neste mundo.
E o amor é que é capaz de destruição. Vós deveis destruir — destruir a sociedade; mas isso não significa destruir edifícios, jogar bombas sobre governantes e políticos; estes têm seu próprio destino: deixai-os nas mãos dele. Mas a destruição, a destruição psicológica de tudo o que a sociedade fez de vós, essa é necessária. E só podeis destruir completamente quando existe a qualidade da compaixão. Só se torna existente a compaixão com a total compreensão da vida. Sem essa compreensão, podeis ser muito atenciosos, muito bondosos, muito delicados; mas, delicadeza, gentileza, bondade, não é amor; faz parte do amor, mas não é o amor. Não tem amor a mente que não é atenta, que não olha para si mesma e para o meio em que vive. O amor não é uma palavra, porém um estado real. Se não há amor, não podeis destruir; só podeis tornar-vos um reformador.
O amor e a destruição estão sempre unidos, e essa união é criação. Estas três coisas — criação, findar ou morrer, e amor — estão sempre unidas, são inseparáveis. Essa criação — que não significa pintar quadros ou gerar filhos — é energia sem motivo. Essa morte está fora do tempo. E com ela vem o amor. — Só então se pode ver o que existe além do tempo, além de todo o pensamento. Só então é a mente capaz de ver, “num relâmpago”, aquilo a que se não pode dar nome. E há, então, o Eterno que não é invenção da mente, invenção do Gita, da Bíblia. Tendes de pôr de parte todos os livros, todas as ideias, todos os ideais, todas as tradições; ficar completamente nu, vazio, sozinho. Só então se pode ver aquela Realidade.
Krishnamurti, Bombaim, 13 de março de 1962, A mutação Interior
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