O pregador Feliciano: dízimo na igreja, cofre no escritório

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A mansão feliciana em Orlândia (SP)


Novo presidente da Comissão de Direitos Humanos, Marco Feliciano diz que acumulou patrimônio com palestras de cachê ‘variável’ e misterioso

Sérgio Roxo 

ORLÂNDIA (SP) — Numa das paredes do Tempo de Avivamento um painel mostra 11 motivos para o fiel pagar o dízimo. Eis uma das razões: “Porque não quero que Deus me chame de ladrão”. No escritório anexo à igreja, a preocupação com ladrão parece tamanha que um cofre de um metro de altura decora a sala usada pelo pastor-deputado Marco Feliciano (PSC-SP), fundador da Avivamento, e que se tornou figura nacionalmente conhecida ao assumir a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, mesmo acumulando no currículo processos por estelionato e homofobia e com pregações polêmicas. Numa delas, chegou a pedir a senha do cartão de um fiel de sua igreja.

A sede do Avivamento, criada em 2008, fica em Orlândia, cidade de 39 mil habitantes no interior de São Paulo. De lá para cá, outros 13 templos se multiplicaram pela região para cultos e orações.

Toda centrada na figura de Feliciano, a Avivamento é hoje um sonho realizado pelo pastor-deputado, que sempre teve como um de seus maiores planos fundar a própria igreja, segundo relata um amigo:

— Ele sempre foi muito ousado e obstinado. Desde muito cedo, dizia que queria ser pregador do Evangelho — recorda o gerente de banco Ronaldo Pulhes, responsável pela conversão de Feliciano quando ele tinha apenas 14 anos de idade.

Por décadas, os dois frequentaram a Assembleia de Deus de Orlândia. A empreitada de Feliciano para abrir sua própria igreja provocou mal estar entre os dois, até então amigos inseparáveis.

— Respeitei, mas não concordei com esse caminho que o Feliciano tomou e continuei na Assembleia de Deus.

No Tempo do Avivamento, a história de vida de Feliciano tem amplo destaque em livros e DVDs da igreja. O próprio deputado conta um pouco de sua história. E abre o jogo em relação ao que considera um dos momentos mais complicados de sua vida, ainda na adolescência.

— Fui viciado em cocaína, estava perdido na vida, mas me recuperei — revela.

O vício surgiu aos 17 anos, num período, em que, segundo ele, se afastou da igreja. Fruto de uma relação extraconjugal do pai, ele foi criado apenas pela mãe e diz ter começado a trabalhar ainda na infância.

— Vendi picolé e trabalhei como engraxate.

Se no passado a vida era de privações, o pastor pode levantar as mãos para o céu agora que vive no conforto de uma mansão e coleciona carrões importados, como O GLOBO verificou na garagem de sua casa, que chama a atenção na bucólica paisagem de Orlândia.

Foi nos últimos anos que ele trocou uma casa de classe média na cidade pela mansão sombreada por dois enormes coqueiros que se destacam na rua de casas simples. Mas ele mesmo trata de explicar a vida confortável que leva no interior de São Paulo.

— Você tem que considerar que numa cidade pequena as coisas são muito mais baratas do que numa cidade grande — diz ele, garantindo, sem muitos detalhes, que construiu o patrimônio por meio de palestras. O cachê é “variável”, assim como misterioso.

— As igrejas, em geral, me fazem uma oferta, mas isso muda muito — diz, despistando sobre valores que receberia para falar sobre os assuntos mais diversos em seus cultos.

Na declaração apresentada à Justiça Eleitoral em 2010, o pastor informou ter bens de R$ 634,8 mil. A mansão em que mora foi declarada por apenas R$ 60 mil. A casa anterior muito mais simples, que hoje é alugada para uma clínica de estética, está avaliada em R$ 65 mil. O principal bem do então candidato era um prédio no centro da cidade, avaliado em R$ 127 mil, hoje alugado para uma empresa que organiza festas no local.

‘O dízimo está na Bíblia e até o PT cobra’

Além da agência de publicidade Avivamento, possui, pelo menos, outras duas empresas: uma loja de brinquedos que funcionava no local que foi alugado para a organizadora de festas e uma de vendas de CDs e DVDs, ambas com sede em Orlândia.

Feliciano garante que não embolsa nem um centavo do dízimo arrecadado em sua igreja, e garante que pedir dinheiro ao fiéis não é um problema.

— Não me envergonho da oferta. O dízimo está na Bíblia. O PT também cobra dízimo dos seus filiados — diz ele, colocando igreja e política no mesmo balaio.

O próprio parlamentar estima que o templo-sede da sua igreja arrecade entre R$ 13 e 14 mil por mês com a doação dos fieis, quantia “suficiente apenas para cobrir as despesas” de funcionamento, garante Feliciano.

Enquanto amigos asseguram que o plano pessoal de Feliciano passava pela criação de uma igreja, o deputado bate no peito ao afirmar que a criação da Avivamento não é fruto de vaidades ou ambições. Diz que resolveu criá-la porque, ao viajar pelo mundo para palestras, via que os evangélicos não precisam seguir exigências, como a proibição de as mulheres cortarem o cabelo. Também pretendia adotar uma linguagem jovem.

— Sou conhecido no meio evangélico. É natural que as pessoas venham na igreja por minha causa.

Votação surpreendeu políticos da região

Religião e política se misturam todo o tempo. O escritório de Feliciano fica numa ala anexa ao templo. O diploma de deputado federal tem destaque e ajuda a expor um dos orgulhos de Feliciano: os 211.855 votos da eleição de 2010, que lhe garantiram o 12º lugar na lista de eleitos, logo na primeira disputa.

— Dos 645 municípios do estado, eu tive voto em 641 — gaba-se, intrigando políticos da região: — Ele nunca foi conhecido entre os políticos da cidade — diz Eduardo Elias, presidente do PSDB de Orlândia.

A influência do deputado entre os evangélicos extrapola os limites de sua igreja, por isso conseguiu uma boa votação mesmo sendo ligado diretamente a uma denominação pequena. Nas quintas, sextas e sábados, o deputado percorre igrejas de outras denominações pelo país afora para pregar ou mostrar o seu repertório de músicas gospel. Na última sexta-feira, por exemplo, estava em Monte Sião, em Minas Gerais, onde participaria de um congresso evangélico.

Ontem, tinha visita marcada a São Miguel Arcanjo. Ele até já gravou dois discos e está planejando o terceiro.

— Botei na cabeça (que seria cantor) e ninguém tira — diz, obstinado.

A entrada na política foi resultado da convivência com figuras tarimbadas. Conta ter colaborado até mesmo com as campanhas do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), e com o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

— Sempre me convidaram e nunca aceitei. Mas vi que havia uma reação de certos setores da sociedade contra os evangélicos e que precisava ajudar naquela momento.

A mesma “ousadia” descrita pelo amigo Ronaldo para se tornar pregador evangélico parece acompanhar Feliciano na nova carreira. Sem pudores, revela que, em 2018, pretende se candidatar ao Senado. Acusado de racismo, diz que o seu trabalho na Câmara tem como referência o norte-americano Martin Luther King (1929-1968).

— Ele era um pastor como eu — diz o deputado, sobre um dos principais líderes da história na luta pelos direitos dos negros.

O GLOBO procurou a mulher de Feliciano, sócia das empresas e também pastora do Tempo de Avivamento. Edineuza de Castro Silva Feliciano frequenta semanalmente a igreja, mas segundo os funcionários nunca celebra um culto.

Feliciano também guarda palavras generosas para o ex-presidente Lula. Na antessala de seu escritório, há na parede uma foto com dedicatória do petista.

— O Lula foi um dos maiores estadistas do século. Uma figura quase messiânica.

Apesar da admiração pela principal figura do PT, ao se defender das acusações que enfrenta nos últimos dias — estelionato a racismo — cita o mensalão para se diferenciar.

— Não tem nada contra mim. Não roubei. Não sou envolvido com mensalão. Sou um brasileiro e como tal um sobrevivente.

http://www.webevangelista.com

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